domingo, 24 de fevereiro de 2019

A tua voz



A voz dela tão fresca, que bom ouvi-la. E quando a vejo lá no meio da neve, acho-a ainda mais bonita do que quando partiu.

Não ligo muitas vezes, só quando ocorre no coração um súbito aperto.

Maravilha que é esta nossa palavras saudade, tão bela.

~CC~

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Bom dia



Já o vi algumas vezes por ali a arrumar carros e a vender óculos. É já um homem de meia idade, um pouco gordinho e sempre razoavelmente vestido, escapando claramente ao estereótipo do arrumador de carros.

Arrumei o carro sozinha, pois ainda havia muitos lugares, por isso ele não se aproximou logo, talvez com a sensação de que não merecia uma moeda. Mas como demorei a sair, ele lá se foi aproximando, mais para me perguntar se queria uns óculos de sol. Reparei, no entretanto, que tinha arrumado o meu carro de tal forma distante do do lado direito que impedia que alguém estacionasse do meu lado esquerdo e por uma margem pequena, com um jeitinho, tal seria possível. Disse-lhe: acho que vou voltar a tirar o carro, é melhor não acha, assim sempre fica um lugar aqui ao lado e pode fazer muita falta a alguém. Vi-lhe um enorme sorriso e agradeceu-me muito. Disse-me que a maior parte das pessoas nem sequer lhe diz bom dia e que se afasta a correr mal ele se aproxima, como se ele tivesse uma doença. Disse-me que nunca pedia dinheiro, que isso era com cada um, e que às vezes um bom dia teria sido suficiente.

Fiquei a pensar nas razões pelas quais temos tanto receio de alguém que não vive uma vida convencional e que na maioria das vezes o faz de forma inofensiva. O que nos faz fugir de um arrumador mal se aproxima? Estamos num espaço público, na maior parte dos casos com gente a circular. De onde nos vem o incómodo, o medo? Na maior parte das vezes as discussões que os vejo ter são entre eles e não com potenciais clientes. Também nunca fui insultada por nenhum deles e já me aconteceu dar e não dar dinheiro, em função das circunstâncias (ter ou não moedas, por exemplo).

E um bom dia, o que custa dizê-lo?

~CC~





sábado, 16 de fevereiro de 2019

Leva-me



Esgotamento.

Eis um termo do senso comum que a psicologia não usa. Mas acho-o muito bom, é a incapacidade quase total de pensar, que iremos sucumbir se alguém nos perguntar mais alguma coisa, se tivermos que ler mais um bocado ou que falar. À beirinha hoje.

O cansaço extremo. Dormir pouco porque a cabeça continua noite dentro a trabalhar, a ver trabalhos, a falar com os estudantes, em reuniões com colegas, em projectos.

Reconhecer o perigo, os sinais de perigo.

Esvaziar-me de tudo um bocadinho ao sol, vendo as pessoas passar de lá para cá.

Pensar no Verão, nas férias, em ir à Galiza. Explorar virtualmente os lugares, embeber-me deles.

Fechar os olhos. Descansar. Por favor leva-me contigo a ver as amendoeiras em flor antes que todas as pétalas caiam com este vento primaveril.

~CC~



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Este dia


Deve ter sido um sinal bom não me ter lembrado. Mas havia qualquer coisa com o dia, senti-o mas não sabia exactamente o quê. E não, não era por ser o dia dos namorados. 

Foi ontem o dia da entrada no hospital. aliás centro clínico, proibida que fui de lhe chamar hospital.

Serão apenas dois anos? Parece ter sido há tanto tempo. As imagens nítidas misturam-se com outras menos precisas. 

Hoje, a data da operação. Pela manhã e durante dez horas a retirada do órgão, o longo bordado interior. Acordei e já era noite, demorou tanto tempo que quando soube que horas eram perguntei pelo que tinha corrido mal. E o cirurgião respondeu que nada. Só três dias depois saberíamos que sim, que afinal tinha corrido mal. Nem sempre o que está mal se percebe logo, no meu caso foi uma lenta caminhada para o perigo, ele a aproximar-se e eu sem perceber. A batalha, a grande batalha ocorreu no terceiro dia e prolongou-se por três semanas. Uma batalha travada em muitas frentes, com o corpo, com a cabeça, com o coração. O coração, esse que esteve sob ameaça por algum tempo, prestes a sucumbir. No primeiro ano fui lá, agradecer à equipa médica. Desta vez estou a lembrar-me agora.

Li algures que alguém se referiu ao seu cabelo como sendo o seu segundo. Eu também tenho um segundo cabelo, é uma feliz expressão para nos referirmos à conquista de mais vida.

~CC~





quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Essa saudade



É quando o corpo falha, parecendo sucumbir ao cansaço. É particularmente nesses dias.

É quando há no ar um cheirinho a primavera, como se as folhas desatassem a querer romper dos ramos num ruidoso desalinho.

É quando penso num caldo quente, preferencialmente picante.

É quando de repente o silêncio que amo parece absurdamente grande.

É assim em certos dias chamados de quarta feira, de dia 13, de mês de fevereiro. Pode ser num dia qualquer, de um mês qualquer. E pode ser por um breve minuto ou perdurar horas.

Nesses dias a palavra saudade instala-se por esse minuto, essa hora, muitas horas. Começa por ser de uma pessoa amada, depois de outra e depois de outra. Comprovei mais uma vez que nas outras línguas não existe.

Acho que é mesmo só aquela saudade de um abraço de alguém que amamos.

~CC~

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Na moda


E ela disse que tinha abandonado o blogue mas também que os blogues estão um bocado fora de moda. Já ouvi esta frase muitas vezes. E até já a li em blogues. Foram muitas as pessoas que desapareceram pois aqui há pouco feedback, ou seja caixas de comentários mais ou menos vazias. 

E fiquei em silêncio pois a moda é assunto que me interessa apenas q.b. O feedback é algo de que só preciso q.b,

Mas agora pensei melhor e já tenho uma frase para as pessoas que são vítimas da moda e por isso agora já só têm Instagram (fiquem sabendo que FB é para os velhotes). Se os blogues estão fora de moda podem ser vintage. E o vintage está na moda. 

~CC~

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Línguas



Não falo quase nada de língua nenhuma que não seja a minha. Uma falha que se explicaria longamente mas não me apetece fazê-lo. Às vezes penso que ainda vou a tempo de corrigir isso, mas na verdade a única língua do mundo que sempre me apeteceu aprender foi o italiano.

Percebo quase tudo de muitas línguas. E uso os olhos, os ouvidos e até o corpo para escutar e entender. E entendo, entendo muitas coisas. É verdade que o conseguimos fazer melhor se a raiz é latina, nas outras nem sempre usando todo o corpo as coisas fluem. Mesmo assim há que tentar, é que pouco a pouco nos vamos desabituando de nos exprimir com os cinco sentidos, ou mesmo seis ou sete.

~CC~

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Mais longe, mais perto.



Erasmus era sinónimo de gente jovem a abrir horizontes, certo?!

Retirem o jovem. Nós agora também podemos.

É certo que por um tempo mais curto, é certo que com menos leveza, é certo que uma mochila bem mais pequena e talvez menos sede de ver. Ainda assim é fechar durante um tempo uma porta para abrir outra por onde o desconhecido entrará. 

Ainda corro riscos destes, coloco-me fora da caixa mesmo que com algum receio.

Conseguimos a proeza de estarmos as duas em ERASMUS ao mesmo tempo, ela bem mais longe, mais frio, mais risco. Mesmo assim, vou encurtar uma hora a distância. Mais longe de casa, mais perto de ti.

~CC~