domingo, 30 de agosto de 2015

Este drama sem fim



As razões mais superficiais aparecem depressa. As pessoas fogem da guerra, da miséria, da opressão, da violência. Ora as pessoas amam naturalmente os seus países. Admirei-me muitas vezes por ver o amor que se votava a certas terras desérticas, geladas, inóspitas. Mas é mesmo assim, parte do nosso corpo é feito da água bebida na infância, metade dela leite materno. Caso contrário, como quereria alguém viver na Palestina?

Se as pessoas fogem do que amam as razões devem ser válidas, totalmente inquestionáveis.

Que países são esses de onde fogem? Países todos colonizados no século XIX, descolonizados à pressa ou sob pressão no século XX, com ingerências mais ou menos subtis das potencias ocidentais durante toda a segunda metade do século XX e ainda no século XXI. Países que aparentemente viviam em paz soba tutela de líderes totalitários e não democráticos, uns mais amigos dos americanos do que outros. Depois de os tirarem de lá, o caos instalou-se em maior ou menor grau, com mais ou menos capacetes azuis. Que países são esses de onde fogem milhares? Serão ainda países? 

E como foi a colonização? Ainda hoje me lembrava de como era viver numa colónia, mesmo portuguesa, país com fama de brandas colonizações. Viver lá era não valorizar os povos e os costumes de lá. Se andávamos descalços éramos como os pretos, se comíamos bananas éramos como os macacos, se provámos funge era um horror. Não estou a falar da alta burguesia de Luanda mas de brancos remediados, pobres se ainda vivessem em Portugal, era assim a minha família, uma família de brancos quase pobres, remediados mas que ainda assim tinha que se distinguir dos negros e dos mulatos. Felizmente alguns membros da família deram machadadas valentes nesse fosso, criando laços que perdurariam. Mas esses laços foram sempre minoritários entre ocupantes e ocupados, teríamos precisado em cada lugar de uma pacificação séria, de um perdão incondicional, da reparação do que foi menos bom. O que estamos a ver é muito mais do que barcos e barcos de refugiados a chegar, é o fracasso da Asia, de África, de territórios que se queriam livres e independentes e limpos de ódio em relação ao passado.

O drama não está em saber como a Europa poderá acolhê-los (e a palavra certa seria integrá-los), o drama está em que partes dos continentes se tornaram lugares inabitáveis. Como foi possível chegar a este ponto? Poderemos viver aceitando que parte do mundo é destruição, guerra, ódio? E como evitar que esta chegada em massa crie também ódios do lado de cá, uma xenofobia alimentada a medo?

O que está a fazer a ONU? Campos de refugiados? Serão sempre poucos, cada vez menos se não se fizer mais alguma coisa. A reconstrução da Síria, do Iraque, do Afeganistão...para quando um objectivo a sério?

~CC~


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Ainda a tempo



Estou fora da minha casa há mais de dez dias.

Mas não é só a cidade a chamar-me de volta, é também o teatro. Venham, apareçam.
~CC~

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Anos de Agosto


O mais novo membro da família fez anos no dia 2. É a réplica do pai e eu adorava o pai dele quando era pequeno porque foi o meu primeiro sobrinho, uma espécie de filho prematuro numa altura da minha vida em que preferia de longe as crianças aos adultos. Dei-lhe colo, li-lhe muitas histórias, levei-o à praia e a ver castelos. Tinha um jeito para eles que parcialmente perdi. Este sobrinho-neto é louro como o pai, muito bonito como ele era (e ainda é, mas agora já nos 30...) mas bastante mais agitado, mais reguila. Mora no Rio de Janeiro e pensei logo que esta criança não veria crescer como quase todas as outras, as que são pré 2008, do tempo em que o pais não estava em crise ou nós não sabíamos que o estava. Nesse tempo todos vivíamos em Portugal.

No dia 6 fez anos uma das minhas irmãs, lá longe na Polónia. O skipe cumpriu minimamente a sua função mas os abraços continuam a não ter cheiro, nem pele, não são iguais.

No dia 23 fez anos a mais velha da família, essa felizmente por cá. Cumpriu os 87 anos com o cabelo previamente arranjado e o baton rosa de sempre. Hoje fui com ela marcar o arranjo das unhas e do pés, continuamente espantada por este gosto de viver que a faz combinar tão bem as cores das roupas, arranjar-se  e sair à rua praticamente todos os dias. São aqueles genes que me deram esta barriguinha saliente de que sempre me envergonhei, cada vez mais feia num biquini, mas espero que eles me dêem também a mesma vontade de viver, viver sempre.

~CC~

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Na aldeia global (II)



Era naquela aldeia, podia ser em qualquer outro lugar do mundo. Não havia sombra da identidade local, nada de uma comida regional, um produto da colheita, um licor produzido ali mesmo, uma velhota para contar histórias de animais tresmalhados. Podia afinal ser em Lisboa, numa vila, numa outra aldeia qualquer. Serviam febras e frango de churrasco. As bancas das cervejas eram idênticas as que estão noutros festivais e a bebida da praxe continuava a ser a imperial. Os palcos eram enormes, o som verdadeiramente avassalador para um lugar como aquele. Os habitantes? Um mistério, talvez estivessem por ali nos bares ou nos lugares que vendiam comida, talvez alguns ajudassem a montar os palcos. Mas as aldeias portuguesas têm velhos e esses foram invisíveis, talvez fujam nestes dias do festival. O marketing como em todos os lugares, funciona. Aqui o logo é o de uma lagartixa, bonito, mas se as há, devem ter fugido a sete pés. 

Venha viver a aldeia é um dos slogans. Mas onde está a aldeia? Confesso que a procurei sem a encontrar. Trata-se de um festival tão comercial como outro qualquer, nomes sonantes em palcos gigantes. E praticamente só há música, um palco a funcionar de cada vez, o que ocasiona uma romaria difícil de gerir. Afinal este é para ser um festival como outro qualquer, a aldeia é apenas um cenário. A globalização é uma maré muito poderosa e leva tudo adiante. Salva-se a língua portuguesa, não obstante alguns dos grupos cantarem em Inglês. 

Há coisas que precisamos de ver, eu precisava de ver este festival. Se a ideia é ser como os outros, então terão que os imitar melhor, colocar voluntários nos parques de estacionamento para arrumar os carros porque se tornam caóticos, colocar palcos a funcionar em paralelo, sinalizá-los melhor, cuidar do som. Não denominem como palco Giacometti um coreto onde passa musica de vanguarda, experimentalismo sim, mas ele fez recolhas de música tradicional.

O que se passou de melhor foi nos palcos pequenos, dentro da igreja, à frente da igreja, apontamentos de gente quase desconhecida que foi ali para fazer a festa e não para fazer mais um frete num festival, para alguns é preciso explorar o Verão até quase ao tutano.

Hei-de voltar a esta aldeia, preciso de a ver sem festival.


Edu Trio com Dino de Santiago (o melhor momento)


Quem mora aqui?

~CC~

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Na aldeia global (I)


Eu tinha um festival do coração, o Festróia. Acabou durante alguns anos, regressou, este ano voltou a não acontecer. Era o melhor modo do Verão chegar, vinha com as cerejas de Junho, foi assim que vi filmes que de outro modo jamais veria. Tinha também o FIAR, o primeiro festival de artes de rua verdadeiramente comunitário, o primeiro a abrir os quintais da população para partilhar um assento, um canto de pedra bonito, um palco na sala de estar de alguém. Este ano foi uma sombra do que era e não foi no pino do Verão, como era tradição. No dia maior do ano, o teatro ocupava toda a encosta do castelo, o Bando agregava entre actores e figurantes quase uma centena de pessoas e homenageava quase sempre um vulto da cultura portuguesa, construindo em torno da obra o espectáculo. Invariavelmente bom, muito bom. Lembro-me de ter chorado uma vez, porque era avassaladora a mistura da palavra, da imagem, da música. 

Não sou nem anti festivais nem especialmente adepta. Agora há para todos os gostos, para todos os tipos de pessoas ou nem sem se é isso, se há um tipo para cada festival, parece-me, aliás que os seus organizadores procuram abranger o maior número de tipos possível. Outros encaixam-se em nichos de mercado, sim, dirigidos a um público específico, seja por causa do tipo de música ou do ambiente.

O Festival MED em Loulé encheu-me as medidas durante algum tempo, depois foi-se banalizando, enchendo de mais para a capacidade do centro histórico, perdendo o rumo do mediterrâneo. Ou somos nós que com o tempo deixamos de achar graça. Ainda assim vou sempre uma noite porque o centro histórico de Loulé me chama sempre, é o perfume das especiarias, o colorido. E este ano houve Karina Gomes, não dei a noite por perdida.

Fui também a Sines e ao Andanças, em anos alternados, raramente mais do que um festival por ano. Sines tem normalmente um bom cartaz musical mas acho que lhe falta encanto. O Andanças é um festival muito coerente, bem pensado para quem o procura, com muita oferta cultural para além da música e da dança e muito espaço. É verdade que conquista os mais tímidos e desajeitados (como eu) para um pezinho de dança porque não obstante haver muitos praticantes que dominam por completo as danças do mundo, há também muitos iniciados, muitos que lá estão sem nada perceber do assunto. Contudo, nem sempre consegui deixar-me ir, quer porque há muito contacto corporal e grande desinibição relativamente ao mesmo, quer porque me cansava tanta entrega, tanto ardor. A participação é uma coisa fantástica mas se a todo o momento nos puxam para dentro da roda, isso pode cansar-nos. Gosto demasiado da minha bolha de 20cm ou preciso dela. Mas até era capaz de repetir.

Este ano deixei-me conquistar pela publicidade ao Bons Sons, parecem ter escolhido as palavras certas para me conquistar, nomeadamente pelo carácter comunitário do evento, por ser numa aldeia, por mobilizar a aldeia. O facto de ser música portuguesa também era chamativo, um cartaz em que metade eram consagrados mas outra metade nem por isso. Esperava uma coisa diferente, um festival diferente. 

(continua)

~CC~



terça-feira, 11 de agosto de 2015

A idade da inocência



Dizem que já não existe a idade da inocência e que como tal, ela não acaba. 

Mas não creio. Há aquela fronteira, mesmo que ténue, quando se começa a ser adolescente mas não se é ainda um jovem. Diria, entre os 12 e os 14, não mais hoje em dia. 

Vi acontecer hoje à minha frente. Eram dois miúdos e três miúdas entre os 12 e os 14, talvez nenhum ainda tivesse os 14. Subiram ao 6º andar do café do forum Luisa Todi, esse elevador que varia entre o zero e o 6 não os assustou. Vinham da praia e estavam sozinhos, em grupo. As primeiras saídas sozinhos, por certo, as primeiras idas ao café sem pais, nem outros adultos. Arranjaram as mesas com esmero para se juntarem todos num grupo. Depois falavam em morangos e frutos silvestres e imaginei-os a pedir gelados. Nada disso, eram batidos de morango, um para cada um e uma palhinha cor de rosa. Sorviam pelas palhinhas muito concentrados, muito mais deliciados que o grupo do lado que bebia mojitos, falava muito alto em francês, como se o mundo fosse deles.

Mas o mundo era realmente daqueles cinco miúdos, pertencia àquela felicidade. São inesquecíveis as primeiras coisas que fazemos na ausência dos adultos, nem que seja ir ao café beber batidos. E tiveram bom gosto, é uma das melhores vistas da cidade e os batidos são servidos nuns copos muito bonitos, um branco raiado de rosa digno de uma selfie, que felizmente não tiraram. Pelo menos enquanto eu por lá estive. Assim talvez guardem não na pasta do Telemóvel mas noutro lugar mais íntimo, onde moram as verdadeiras emoções que não se esquecem e não necessitam de imagens para serem lembradas.

~CC~





segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Nós e os outros



Vivo em duas terras turísticas, não as piores por certo. Setúbal e Faro são, contudo, duas cidades em que o turismo tem crescido, aqui nas terras sadinas, fruto do novo empreendimento de Tróia, em terras nacionais com a novela que aqui é filmada a dar uma ajudinha. 

Como em todas as cidades que vêm a sua população crescer para o dobro, sofro um bocadinho e sinto uma certa ambiguidade. É difícil chegarmos à taberna em que há um mês não era preciso reserva e agora ser, é difícil ver o areal de Tróia tão cheio, a fila para a compra de bilhetes. Este ano estão cá muitos franceses, também mais espanhóis, portugueses com pronúncia do Porto, o que não era até agora muito comum. Este ano ainda não tinha ido a Tróia, os bilhetes são caros e a água apesar de ser um espelho, costuma ser fria. Mas a paisagem é bonita, não obstante a construção. Hoje vi uma família inteira de golfinhos, um casal e dois filhotes, acompanharam grande parte do trajecto do barco, fazendo semi-circulos perfeitos, praticamente todos ao mesmo tempo. Lindos, tão bonitos que me emocionaram. E os miúdos no barco davam gritinhos de excitação, algumas velhotas também. Perdoei-lhes terem invadido o que durante o ano é só meu. Quem foi a África e viu um elefante ou quantidades enormes de macacos saltando de galho em galho mesmo à frente de nós, tem que perdoar a quem viaja, a quem quer ver, sentir. Há que partilhar a beleza. Contudo, devíamos pensar um pouco  na forma como ela se pode partilhar, o turismo de massas pode matar esta beleza.

A população de golfinhos no Sado tem-se mantido mais ou menos estável mas nunca vi tantas barcos no estuário, é esse equilíbrio que me preocupa. Aqueles golfinhos são parte da identidade sadina, temos mesmo afecto por eles, perdê-los seria matar um pouco a cidade.

~CC~






sábado, 8 de agosto de 2015

Filmes e livros


Férias são também filmes e livros.

Infelizmente durante o ano leio pouco, apenas artigos e livros de carácter técnico. Filmes vejo, sem eles não consigo passar.

Estranhei as duas estrelas de Longe de um homem, o filme é belíssimo. Infelizmente o (meu) Charlot só o tinha na sessão das 18h de Quinta e Sexta, ainda assim a verdade é que se apanham relíquias nestes fins de tarde de um cinema (pouco) comercial desta cidade de província e valha-nos o cinema não fechar em Agosto. Um argelino francês é argelino para os franceses e francês para os argelinos, este drama de nascer e crescer em terra de outros, foi vivido por muitos ocidentais no tempo colonial e não foi ainda devidamente explorado, este desenraizamento de não ter lugar nenhum que se possa chamar de seu. As relações que se tecem com o "outro" que já foi nosso irmão e nosso amigo e agora nos diz olhos nos olhos que nos mata se for necessário. É a não perder, tão lindo como pode ser também a história de uma amizade em tempo de guerra.

Li o último do Umberto Eco: Número zero. Fiquei com a sensação de que deveria saber ler em italiano, a tradução não me convence muito, alguns lugares comuns que duvido que existam na língua mãe do livro. Uma ideia fantástica mas a exploração deixa um pouco a desejar, talvez porque tenha querido escrever um livro de menor dimensão, ele que escreve livros de muitas páginas. Não desgostei, o autor é competente a contar uma história, mas não me maravilhei.

Depois peguei casualmente na Fera na selva, do Henry James, um clássico que ainda não tinha lido. E encantei-me totalmente não só com a história mas com a escrita, um modo de escrever que já não se encontra, uma capacidade de descrição dos estados interiores das personagens que é sempre acompanhada do modo como esses sentimentos se deixam também ver fisicamente. Mestria no uso da palavra. Maravilhosa a história de um livro sem história, todo ele é um vazio e é esse vazio feito mistério que nos prende. Alguém passa ao lado da vida porque passa ao lado do amor, é esse vazio de alguém incapaz de amar que nos dói do princípio ao fim, mais no fim, quando percebemos com o personagem que tudo o de grandioso ele esperava na sua vida e não tinha acontecido, afinal há muito existia sem que desse por isso, a mulher ao seu lado, o seu encontro. Mas a forma como o descobre é magnífica, ele vê noutro o desgosto de amor pela morte do ser amado, um desgosto que na mesma circunstância ele apenas sente aflorar. A dor de alguém que perdeu para a morte alguém que ama é de uma imensidão atroz e é do vazio dessa dor que ele surge monstruoso. Tao bom como o "Retrato de Dorian Grey", embora trez vezes mais pequeno.

Aceito sugestões, embora tenha entrado em regime de semi-férias.

~CC~



quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Duas fotos para ti



Se eu estivesse aí onde estás, sei do que sentiria saudade. Uma das coisas que me ia doer era não poder sair para ver o mar, é primordialmente terapêutico para a tristeza, deve ser o que em nós resta de peixe, ou de liberdade.

São para ti as fotos, pelos dias em que ainda estaremos juntas ao pé do mar, pela esperança de um Agosto em que venhas, mesmo que seja só Agosto. Aguenta firme a distância, o mau tempo, a língua estranha, os dias menos bons. E tem esperança, também em ti.

As praias mais bonitas são estas, este Alentejo. Já banhos de mar, sabes onde são bons. Uma novidade: este ano há bolas de berlim de alfarroba no areal algarvio. Bolas mulatas, anti troika :)




Beijo e parabéns
~CC~