terça-feira, 20 de maio de 2014

De vestido comprido



A moça dança com o seu vestido comprido preto e lábios vermelhos a combinar com a faixa vermelha. Treinam há meses para dançar esta valsa no término do Ensino Secundário. Ele traz uma gravata vermelha a combinar com a faixa dela. São bonitos os dois. Na semana anterior a vida parou em torno dos pormenores: o penteado, as unhas, os adereços. As minhas limitações ficaram evidentes diante de mim, pouco ou nada habituada a estas andanças femininas, não tinha muito para aconselhar e assistia mais ou menos espantada a este eclodir das borboletas numa Primavera que estou longe de conhecer. Passei a minha adolescência do lado do contra, vestida de saias compridas e a deixar que a única cor possível para além do preto, azul e cinzento fosse uma pitadinha de roxo. Não tive rituais,coloquei-me deliberadamente de fora de tudo o que era apreciado pelas maiorias, não dancei disco, enfiei-me num teatro onde construí uma comunidade à prova de bala e saí de lá na entrada da idade adulta, sufocada, a precisar de respirar o ar do comum dos mortais. 

O que faço é tactear este mundo que não me fascina mas que não sinto já vontade de rejeitar, tento perceber o que os fascina tanto. Parte da magia reside no uso do vestido comprido, são lindos os vestidos e a maior parte fica muito bem neles. Depois a sensação de se viver um momento único, um ritual sem repetição, a construção da memória, aquele pequeno momento de uma vida que prosseguirá depois em tantas direcções. A turma e a foto da turma, o discurso de despedida, um discurso que ainda ri, só tem uma ponta de tristeza lá dentro. Aprendi com o tempo a tolerar, às vezes até a gostar do que é diferente de mim, do que vivi e vivo, do que acredito, do que quero. E quando o amor é grande, o outro amado torna-se mais importante, há que acompanhar, estar, mesmo quando o que faz e onde vai nem seja aquilo que mais aprecio. A valsa das meninas de vestidos compridos no final do Secundário, enfeitada por uma meia lua brilhante, tinha até poesia.

1 comentário:

  1. Cada vez acho mais que os filhos servem para nos ensinar a vida, uma outra forma de vida. Não tive vestido comprido mas tive o primeiro blaser e gravata. Lindos. E nem gosto de gravatas...

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