sábado, 16 de agosto de 2014

As mortes deste Verão


Como se pode morrer se é Verão? Mortes em contraste absoluto com o desejo de festa, os muitos festivais, os miúdos a encher de água os baldes, a grande quantidade de bolas de berlim vendidas, as ruas cheias de gente à noite. Por todo o lado há festa, por todo o lado há pessoas a querer esquecer o ano que passou e o ano que vem, tudo num único mês. A alegria tem duas faces e ora me parece bela, ora me parece absurda.

As esplanadas estão espantosamente cheias, um sumo de laranja natural pode custar 4,5 euros e um café 1,5 euros. Esperei hora e meia para comer uns petiscos vegetarianos numa mercearia gourmet da moda, ao meu lado cinco velhotes tinham posto as cadeiras ao luar e conversavam como se a sua rua não tivesse sido tomada por gente estranha e os carros não persistissem em passar naquela estreiteza.

As sardinhas acabam às 11 da manhã ou vendem-se as últimas por volta do meio dia, estão caras, mas são o peixe do momento, de repente todos sabem o que é a dieta mediterrânica e todos querem um sumo detox, há também night runners em todas as cidades e sabemos que em Inglês é que este desporto tem mais charme, se fosse em português seriam apenas uns tontos a correr à noite. A minha cidade persistindo na historicidade do seu passado operário, chama-lhe ainda corridas nocturnas e por isso aparecem homens barrigudos e cinquentonas com muita celulite e sem roupa de marca.

E no entanto morreu Robin Williams que a muitos ensinou a rir e a mim deixou-me sempre a chorar, mesmo sabendo que o clube dos poetas mortos era mesmo para chorar. Morreu Dóris Graça que eu mal conhecia mas cujo nome me soa familiar como se tivéssemos partilhado em tempos as mesmas tertúlias. Morreram tantas pessoas cujo nome não sei na faixa de Gaza. Até eu quase morri este Verão não obstante estar aqui viva a escrever. Pode morrer-se estranhamente numa tarde quente, basta que os fantasmas nos assaltem para nos sugar o sangue e nos tirar o ar, de repente acaba-se a alegria, começa o Outono com chuva intensa e simplesmente nos tornamos a sombra do que somos. Depois há que voltar a viver, soprar as teias de aranha, respirar devagar como faz quem sobrevive. Robin Williams devia ter feito como eu, morria só um bocadinho, soluçava sem nenhuma racionalidade, gritava como um peixe fora de água...e depois abraçava alguém que o amasse para lhe pedir a energia para poder continuar. Morrer de vez é que não vale, não pode ser, até porque é Verão. É Verão e há frutas que nunca há, podemos comer melão, melancia, estão a chegar os figos e as uvas. E este Verão aprendemos a fazer gaspacho agridoce alentejano, uma delícia gelada que não combina com a tristeza. 

~CC~


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