As coisas de todos os dias, o valor dessas coisas. Comer pão, nozes, uma maçã. Beijar, o sabor do beijo. Poder ir a um restaurante. Falar com pessoas, estar em público, sorrir. O medo de uma pequena coisa nos fazer perder tudo isso. A tensão que sobe e pode estoirar. O coração que se pode cansar de repente. O ar, sempre esse ar que me pode faltar. O pânico que pode tão facilmente vencer a racionalidade (sim, já tive essa prova).
Quando se aproxima uma intervenção cirúrgica, mesmo que pequena, aparentemente simples, tudo balança. Algo pode sempre correr mal, aqueles medicamentos que tomamos e que podem interagir de forma sinistra, as contra-indicações que parecem pendurar-se em nós como fantasmas. Os pensamentos estapafúrdios: quero os meus papéis todos queimados; se calhar estou a comer isto pela última vez, como fica desarrumado o meu gabinete.
Nós e o nosso medo, esse bicho papão. Acresce em mim essa dificuldade de me entregar nas mãos de quem quer que seja, o toque, qualquer ele, a sentir como uma intrusão, os 20cm da bolha protectora tornados de aço ou o meu corpo feito de vidro. É difícil explicar pela racionalidade comum, há coisas que são de facto cicatrizes das quais nem nós conhecemos inteiramente os contornos, como se a nossa compreensão de nós próprios esbarrasse em fronteiras invisíveis. Depois a coragem, dessa só sabe quem sente o medo.
~CC~
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