quarta-feira, 6 de maio de 2015

Que parva que eu sou



Paro na padaria/pastelaria porque na minha casa o pão é a única coisa que não pode faltar.

- O tempo voa, sabes que só falta meia hora para sairmos?
- Olha que bom.
- Bom? Chegamos a casa e continuamos a trabalhar...

É esta a vida de muitas mulheres, sol a sol, só mudando a tarefa. E contudo, dou comigo a ter inveja destas duas empregadas de pastelaria. Queria chegar a casa e ter que fazer o jantar e arrumar a cozinha e colocar a máquina da roupa a lavar. Mas não consigo fazer nada disso, como qualquer coisa à toa, enfio a loiça na máquina a correr, olho para o cesto da roupa e penso que ainda espera uns dias. Continuo a trabalhar até às 23h, meia noite, até o cansaço me levar a desligar o computador. Apeteciam-me tarefas manuais, sonho com uma pequena horta, um jardim, perder tempo a cozinhar bem, fazer mais docinhos caseiros, experimentar receitas novas. Chego absolutamente extenuada a Maio e Junho, aqueles meses em que me apetecia parar o tempo. Disse que sim a coisas demais, por amizade, por respeito, por necessidade de dinheiro, por pensar que ia gostar de as fazer.

É uma vergonha ter inveja de duas empregadas de pastelaria que estão a queixar-se, e com razão, da vida não lhes dar o descanso merecido. É uma vergonha pensar que queria ir para casa fazer o jantar devagarinho, saboroso, com carinho.

~CC~

1 comentário:

  1. Há uma frase do Pessoa - Álvaro de Campos, do poema "Tabacaria", que me ocorre frequentemente e por cuja lembrança me penalizo sempre: «E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.».
    Na verdade, temos direito aos nossos devaneios, ainda que, por vezes, nos pareçam parvos e até insultuosos para as pessoas que invejamos e têm, à partida, uma vida mais difícil do que a nossa.

    (Acabei de ver, no email, um comentário a publicar no "letras". Obrigada!)

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