Aconteceu numa manhã na serra de Montemuro, lugar de ser feliz. A manhã acordou cinzenta, estendi a mão e vi as cinzas muito lentamente a cobri-la, depois peguei nos bocadinhos de cinza e desfiz entre os dedos e eles ficaram negros. E o fogo andava longe, a mais de 30km. Essa cortina de cinza encheu-me de silêncio, que todo o centro do país possa arder assim é uma coisa que indigna. Mas as pessoas em comunidade falam e a fala traz o alívio do que é partilhado, pesa menos.
E assim foi também naquele fim de tarde, naquela praia bela, ainda com aquele recorte selvagem, aquelas ondas grandes e altas que os surfistas procuram domar, a cada 5 minutos o apito que não nos deixa entrar na água para além da meia perna. Foi assim que Lisboa chegou, esse lugar icónico, igualmente bonito, a tornar-se lugar de tristeza e de morte. Há sítios que pertencem a todos, mesmo que agora já não sejam iguais a antes, quando a nossa Lisboa ainda não era este destino tão massificado. E a tristeza ficou assim naquele gélido silêncio com que o que é incompreensível nos chega e nos aterroriza. Felizmente não estava ali sozinha, quando acompanhados de quem se gosta muito, a partilha do que se sabe e não se sabe, do que nos junta e nos revolta, traz algum alívio. De resto sabemos quanto a nossa dor é apenas ínfima se comparada com a daqueles que são realmente afectados, quando neles penso estremeço um pouco e espero que haja alguém que os possa abraçar e confortar. Não me inclino para respostas fáceis nem para impulsos justiceiros, revolta-me tanto os rios de tinta e horas e horas de comentário político sobre o assunto como qualquer silêncio que se faz ou venha a fazer-se.
E o que mais indigna é que tanto conhecimento gerado no mundo não seja capaz de mudar o que realmente importa.
~CC~
Há mais de um ano que não ligo a TV; se está ligada, não me sinto no direito de calá-la - a vontade de uns não é a de outros -, mas tanta vez apetece. Portanto, pouco me demoro. Recuso assistir comentários sobre desgraças como esta que podiam ter sido evitadas. Ignoro a quem as culpas serão assacadas, mas a serem, caem sobre o elo mais fraco. Já é tempo de pensarmos que existem desastres que não podem acontecer. São erro humano que mata e estropia. Não há pior. Sacrificam-se inocentes. Pelos vistos não bastou cair uma ponte. Que filhos tens Portugal!...
ResponderEliminarÉ uma tristeza, uma amargura que a companhia não minora. Ela vive por si, incendeia.