domingo, 3 de fevereiro de 2013

Do medo



Na Insustentável leveza do ser do Milan Kundera há durante todo o tempo um casal em desiquíbrio permanente, quando finalmente eles parecem alcançar a paz e sentimos que vão ser felizes, estão dentro de um jipe e na estrada, no momento seguinte já não estão neste mundo.

Eu ainda cá estou.

Não há contudo melhor forma de explicar o terror do que quando ele invade como uma nódoa um sorriso que tinha vindo a crescer mais e mais em mim.

Aconteceu-me.

Em plena estrada nacional a caminho do meu Sado, feliz como há muito não me sentia. O coração cheio daqueles miúdos que eu tinha conhecido naquela tarde, meninos e meninas ainda, mas já com tanta vontade de mudar as coisas, de ajudar, de fazer mais pelos outros. Dispostos a ser tutores dos mais novos, dos mais problemáticos, dos mais difíceis. Eu e o educador social ali com eles de corpo inteiro, ele meu parceiro e eu parceira dele.

Vinha a caminho de casa depois de uma semana intensa de trabalho e de conversas muito boas olhos nos olhos, essa história de quando os olhos finalmente aceitam olhar-se.

A noite estava escura e o trânsito intenso, permitindo usar apenas os médios. Um bicho grande e branco atravessou o meu caminho sem que o travão a fundo pudesse evitar o embate. Dispenso-vos da descrição de um momento negro. Estou aqui, o bicho não existe mais, o carro não sei se voltará a andar ou a ser o que era. Agora varro o medo dentro de mim e esta sensação de que as estrelas de vez em quando se conjugam para me tentar levar deste mundo.

Inesquecíveis todos os que estiveram comigo nesta ocasião e foram muitos. As certezas das coisas nascem nestes momentos de aflição profunda.

Aconteceu-me e foi a segunda vez que foi grave.

Mas quero viver, quero muito viver.

~CC~

 

2 comentários:

  1. A vida, está visto, também a quer viva ou já teria aproveitado as oportunidades que criou. Viva a vida.

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