quinta-feira, 12 de março de 2015

A outra margem



Há dezanove anos atrás fiz o impossível, consegui que a minha filha nascesse naturalmente no mesmo dia em que o parto estava, em princípio, marcado para ser induzido. Foi apenas um pouco mais cedo porque a consulta estava marcada para de manhã e a miúda deu sinais de querer vir conhecer o mundo logo que se pôs a noite. Consigo-me lembrar de cada minuto como se fosse hoje, o que mostra que a minha memória é do mais selectivo que há, uma vez que há determinadas fases da minha vida, às vezes quase um ano inteiro, do qual não tenho recordação alguma.

É trivial dizer que o nascimento de uma criança muda para sempre a vida dos pais mas conheço casos em que não é bem assim. Tudo depende mais do cordão umbilical que se vai construindo e também do modo como nos vamos desligando dele ou ligando de uma outra forma. Para cada fase é preciso uma dose de intuição e sabedoria e o amor vai mudando e mostrando outras formas de ser. Não tenho saudades do bebé que ela foi, ainda que tenha sido calminha e muito bonita. Gosto dela como é agora, ainda que com as pequenas coisas das quais gosto menos, gosto de ver cada etapa, cada conquista, mesmo que com ela venha um receio novo. Tirou agora a carta de condução, gosto do que isso lhe irá trazer de autonomia mas acrescenta um medo novo. Tenho, contudo, a absoluta certeza de que ela enriqueceu e completou a minha vida de uma forma única, não apenas por existir mas por ser quem é. Tento fazer-lhe justiça e não construir sonhos e desejos de futuro por ela, prefiro analisar com ela os múltiplos caminhos, as escolhas possíveis, as decisões que não são fáceis. Por respeito pelo que ela é e não por aquilo que eu sou, escolho uma prenda como um bilhete para um dos festivais mais badalados do Verão (não me apetece fazer-lhes publicidade). E acredito que o amor também é isto, não vermos nos outros a projecção do que somos ou queremos ser, mas alguém singular e distinto de nós, que por o ser nos leva também a ver lugares do mundo onde sozinhos não iríamos.

Parabéns A.

~CC~






2 comentários:

  1. Parabéns a ambas! Que possam longos anos partilhar essas diferenças.
    Beijinhos

    (Hoje também por cá se come bolo de aniversário, o da minha mãe.)

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