É Marc Augé que nos traz na análise da sociedade contemporânea o conceito de não lugar. São sítios despidos de história, de singularidade, habitados pela transitoriedade dos momentos que lá passamos., pelo consumo do produto. Uma loja de roupa de uma marca mundial é igual em todo o mundo, tal como uma loja de uma cadeia de supermercados ou até de livros, até o modelo de disposição dos corredores e das prateleiras é idêntico. Os não lugares estão a engolir-nos a identidade a uma velocidade assustadora, entrando e penetrando nos sítios históricos mais significativos das cidades, despindo os centros das suas lojinhas particulares, pequenos cafés, velhos alfarrabistas, floristas, sapateiros. Por vezes os não lugares mascaram-se ligeiramente para respeitar identidades que lhes seriam conflituais, é o caso de uma conhecida cadeia de hambúrguers que não vende carne de vaca na Índia.
Se puder, se tiver ainda força hei-de habitar e defender tudo o que se lhes opõe. Por isso me deu especial prazer o concerto que fui ver a uma sociedade recreativa que tem quase dois séculos de vida. Olho para aqueles espelhos enormes, lindíssimos na parede e penso em quantas pessoas se olharam neles como eu agora me olho. As paredes contam histórias, é essa a marca dos lugares.
~CC~
Até espaços que, à partida, poderiam ser "lugares", pela originalidade inicial do seu conceito, acabam por se tornar nesses "não lugares", pois se têm sucesso logo se verifica um fenómeno de multiplicação, de cópia e surgem dezenas a imitar. Falo em setores como o comércio, a restauração...
ResponderEliminarCC, habito, circulo, vivo, deslizo, praticamente na mesma medida em lugares e em não lugares, e considero isso muito bom. É liberdade, é desprendimento, é focagem para lá do essencial, ao mesmo tempo que posso estar e estou entre paredes com história.
ResponderEliminarJá disse pela blogosfera que já mudei de terra, trabalho, casa, algumas vezes e outras poderão vir. Guardo poucas coisas materiais para além daquelas que dou uso. Foi uma disciplina que tomei para mim sem esforço e actualmente agrada-me muito.
Garantida a sobrevivência, é o lado não material, o interior que me interessa. Daí acreditar e ter a experiência que nós temos uma capacidade extraordinária de refazer esses nossos lugares. O meu café, a minha loja, o meu bairro, etc., existem onde eu estiver, se quiser erguê-la com os meus hábitos e relações que estabeleço.
Por outro lado, acho os não lugares muito libertadores.
Luísa, sim, em parte. Mas há coisas inimitáveis como as sociedades recreativas (com tudo o que possam ter de mau...em Faro tem pelo menos duas: o Club Farense agora muito activo e os Artistas, também vale a pena espreitar o recente trabalho do Ginásio Clube de Faro, que nasceu a partir de uma experiência antiga interrompida muitos anos).
ResponderEliminarIsabel, nada a ver com as casas das pessoas que cada um habita como quiser, usando o que quiser para fazer a sua história. O que falo é do tecido social e da sua composição e da forma como este traduz a identidade das pessoas que são parte do lugar. De resto a discussão não é nova, podemos vê-la sob o prisma da globalização. Não defendo o antigo como "fechado" e "intemporal", nem tão pouco as identidades dessa forma. Contudo, certos traços das identidades colectivas têm que ser activamente defendidos sob pena de desaparecerem por serem um elo fraco, facilmente dominado. Uma forma simples é ir às coisas, ir às sociedades recreativas, aos mercados (também os de rua), aos alfarrabistas, às feiras, comprar directamente dos produtores, etc
Isso não é para mim, contudo, uma "religião", se for preciso também vou a um centro comercial ou a um supermercado, mas há coisas que evito fazer lá, como comprar fruta (é má e sei como exploram os grandes produtores e não deixam entrar os pequenos).
~CC~