sábado, 13 de janeiro de 2018

Usar o preto



Não tenho dúvida alguma sobre a seriedade do assédio sexual e que existe como abuso de poder de alguém sobre um outro, de alguma forma em posição mais frágil, no mundo do cinema ou em qualquer outro. Tinha 20 anos quando um taxista me colocou uma mão na perna apenas por eu ir sozinha no táxi com ele e ingenuamente ao seu lado. E recordo outras coisas do género e sim, algumas vezes, de alguém que tinha poder sobre mim. Não é, como alguns dizem, que basta negar e acarretar com as consequências. É bastante mais complexo e mais difícil. As minhas situações foram básicas, ténues, daquelas que são sobretudo insinuação, tentativa, ilustração do poder, do que se perde por não querer, etc. Mesmo assim achei-as miseráveis. Mas o que possa ter perdido não era o meu emprego, a minha casa, os meus entes queridos, como acontece com muita gente. Qualquer comparação do assédio com um jogo de sedução entre dois adultos é pura desinformação, poeira para os olhos, não é disso que se trata. Aplaudo assim o movimento de denúncia. 

Contudo, tinha que haver um no entanto...

Vestidas de preto com trajes de alta costura e a brilhar muito. Todas de preto pois quem não veste, não é boa gente. Isso já não. Não é denúncia a sério, não é dor, é já outra coisa qualquer do domínio do politicamente correcto, do tem que ser, do "eu também" se não fico de fora.

Fico triste quando o que é bom se estraga num instante. E tenho receio de que isso esteja a acontecer. E que se venha a virar contra as mulheres (sobretudo elas, mas o assédio não é apenas no feminino). 

Não importa a cor que vestimos, vermelho para mim seria melhor para a indignação, mas se para ti for o branco, veste-o.

~CC~






3 comentários:

  1. Da denúncia, passa-se para uma espécie de folclore. Sem desrespeito pelo folclore, claro... Fruto destes tempos, talvez, em que tudo funciona em jeito de indignação de redes sociais.

    ResponderEliminar
  2. concordo em tudo.
    uma das três senhoras que não vestiu preto, vestiu vermelho, disse que era uma questão cultural, não iria para uma celebração de preto. também me ficou o travo amargo da impressão de que a demonstração de indignação, se tornou numa exibição.

    ResponderEliminar
  3. Luísa e Ana, sem dúvida:). Estranhos tempos em que levantar a voz, indignar-se, pode facilmente se banalizar.
    ~CC~

    ResponderEliminar

Passagens