domingo, 2 de setembro de 2018

Bicho humano



Uma parte da tristeza do regresso ao trabalho foi atenuada pelo "Amor é" bem alto na rádio, enquanto se juntavam mais e mais carros na autoestrada de volta. Todo o programa (creio que a passar em repetição) foi em torno do livro "O romântico incurável", escrito por um psicólogo que relata os casos de desejo, frustação, amor e raiva que ao longo dos anos conheceu e procurou tratar através da terapia. 

Nunca tinha ouvido falar do livro nem do autor mas fiquei com vontade de ler. O Júlio Machado Vaz envelhece bem, continua a ser bom ouvi-lo, mesmo que o que diga nos seja afinal familiar, o que sabíamos já. Gosto dessa sapiência que não se arroga de sabedoria e se mistura com o senso comum. 

Achei piada ao modo como discutiram o ciúme. É tão comummente sacralizado como a quinta essência do amor ou, pelo contrário, odiado como um mal humano do qual devemos ter vergonha. Provavelmente a verdade anda ali pelo meio, se amamos uma pessoa é bem possível que não a achemos apenas digna do nosso amor mas também do amor de outros, que queiram o que nós temos, se é que ter é qualquer coisa que se possa dizer de alguém. E que a nossa insegurança surja, será que não aparecerá então esse alguém mais merecedor, mais belo, melhor, alguém por quem o nosso amor se interessará mais do que por nós? O ciúme nem precisa de um objecto concreto, é só conjectura, incerteza, dúvida. Excessivo mata-nos e mata o outro, é cinza. Já da sua ausência total ninguém fala? Existirá? Será mesmo verdadeiro o poliamor? Júlio conta-nos como no pós 25 de Abril se tentou decretar à esquerda o fim do ciúme, esse sentimento burguês de posse. E como falharam. 

Todos os sentimentos humanos me interessam em particular. É aliás o que mais me interessa, o bicho humano tem qualquer coisa de feio mas sem dúvida muito de belo também.

~CC~



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