Ele diz-me que não sabe qual foi o dia mas foi de certeza no Outono. Foi nesse tempo em que a luz diminui e o frio chega, quando as primeiras chuvas assustam as flores e os pássaros.
Diz que também não sabe a idade da menina, embora eu lhe responda que isso é impossível. Não se pode ter esquecido, então ele aponta um intervalo, aí entre os 6 e os 8.
Digo-lhe que tem que saber as razões para a partida dela e ele fecha os olhos, posso então ser eu a ver que ainda há um vestígio de dor. Nega-me essa dor, afirma que até foi bom ter criado sozinho a filha, hoje mulher adulta e próxima.
As mães que deixam as filhas ao cuidado dos pais são para mim o maior mistério da humanidade. Não as consigo condenar, não as consigo simplesmente entender. E por não as conseguir entender faço-lhes a cartografia do abandono e da fuga.
~CC~
É como diz, CC, uma coisa difícil de entender.
ResponderEliminarE, no entanto, é possível entender...embora com muito esforço, é que nem todas as mães o querem ser por um lado, e por outro, há certas circunstâncias da vida em que perante o sufuco, só há uma saída. Há um conto muito bonito da Elena Ferrante em que ela explica isso...se eu pudesse procurava essas mães para falar com elas e as entender.
EliminarTambém as não compreendo.
ResponderEliminarOntem no comboio reparei que entraram mãe e filha. Conheço-as, sei quem são. Não me viram e sentaram-se juntas, cheias de sacos de compras, alguns lugares à minha frente. A dada altura a filha pousou a cabeça no ombro da mãe e suponho que adormeceu. Observei a confiança daquela cabeça abandonada ao sono e escorada no ombro materno. Cena tão bonita. E essas mulheres perdem este território, abandonam-no.
Às vezes é porque nunca construíram realmente esse território, não foram capazes ou a maternidade foi uma obrigação.
EliminarO seu tema, mais mordente que desgosto, consumiu-me o domingo. Não havia necessidade, podia ter deixado para segunda-feira :)
ResponderEliminarEntendo-a, e assim de repente, até considero um bocado contranatura as mães que deixam os filhos ao cuidado dos pais.
Mas e quando são os filhos que escolhem ir morar com os pais? É que também acontece!
Por outro lado, a salvaguarda do superior interesse da criança impõe que se alcance a solução que melhor promova o seu desenvolvimento harmonioso.
É preciso ter em conta também a disponibilidade e capacidade financeira dos progenitores em assegurar tais objetivos.
O superior interesse da criança não é um chavão desprovido de conteúdo, antes passa pela garantia de condições materiais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade, à margem das tensões e dos conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores.
Desejo-lhe uma boa noite com a satisfação de ler aqui na sua rua temas de inegável interesse.
A opção dos filhos deve, quanto a mim, ser respeitada, e tenho vários casos na família em que assim aconteceu. Nada contra...mas aqui e de outra coisa que se trata- abandono e fuga.Trata-se de quem desaparece...
EliminarObrigada Joaquim.
CC, será de pressupor que os filhos/filhas são mais das mães e que devem ser elas, as mães, a ficarem com os filhos/filhas? Porquê?
ResponderEliminarSe for assim, não me identifico.
Em condições normais em que os pais que se separam reúnem condições de vário tipo (às vezes dá jeito a um lado fingir que não tem), devem ambos ficar igual tempo com os filhos, até porque não tem de ser a mulher (ou o homem) a contribuir mais nesta empreitada.
Uma das desigualdades silenciosas entre homens e mulheres apanha-se muito por estes meandros, e ambos continuam a perpetuar.
Elas, também muito pelo facto do controle social 'impor' que é mal visto uma mulher reclamar partilha igual em vez de querer ficar na dianteira com os filhos ao cuidado da mãe; a eles muitas vezes dá jeito, que assim ficam com mais tempo para uma série de coisas, ficam com a vida mais facilitada para se reorganizarem afectivamente, etc..
Isabel, não é o contexto deste post - o divórcio- nessa matéria concordo consigo e como já disse ao Joaquim tenho exemplos desses na família e em alguns fui eu própria a defender que a criança ficasse com o pai, fruto de um conjunto de variáveis que me pareciam de facto mais benéficas para a criança. O contexto aqui é "abandono e fuga", quem desaparece sem deixar rasto e por muitos anos...são essas mulheres que procuro entender e mesmo nessas circunstâncias, sem qualquer condenação.
ResponderEliminarCC, mas no contexto deste post, achas mais aceitável/compreensível/mais fácil de entender, etc., os homens-pais que deixam os filhos/filhas ao cuidado das mulheres-mães?
Eliminar(A minha questão, e que já era o que queria fazer notar da primeira vez, é o facto de ali dizer "mães" e, portanto, dar ênfase ao papel da mulher.)
De forma genérica e por ora acho mais difícil compreender as mulheres-mães porque os papéis sociais ainda se encontram em mudança e por isso não são ainda completamente equivalentes, mas espero que daqui a uns tempos já não possa dizer assim, que os pais me sejam igualmente incompreensíveis (o meu próprio pai não foi difícil de compreender, como muitos homens da sua geração, não era vocacionado para a vida doméstica) De resto a base da história é verdadeira e várias vezes verdadeiras, conheço três casos destes.
Eliminar~CC~
Não entendo. Não condeno. Há-de haver motivos. Talvez se reconheçam nefastas, sejam pérfidas por natureza, amorfas no plano sentimental, tenham tido gravidez indesejada por muito motivo também não linear. Sei lá. Mas que elas perdem uma dimensão importante e a possibilidade de uma relação única que alimenta o crescimento pessoal dos dois envolvidos e até de quem com eles contacta...isso é inegável.
ResponderEliminarBoa tarde
Leia Elena Ferrante "Os dias do abandono", sei que não devemos gostar de escritores da moda, mas quando a moda é boa, até não me importo. Não há ninguém como ela a escrever sobre as contradições e ambiguidades da maternidade.
ResponderEliminar~CC~
Gosto da escrita da Ferrante, ser escritora da moda não me afecta se goste da forma como escreve.
EliminarNão comentei antes porque nunca tive a felicidade de ser mãe... e há coisas que só mesmo passando por elas.
ResponderEliminarE porque não devemos gostar de escritores da moda, ~CC~?
Hummm, isso parece-me um preconceito... ou uma moda ;)
Há bons escritores e maus escritores, that's all.
A Ferranti escreve bem e esse conto foi escrito em 2002. Fui ali espreitar a primeira página (que é demolidora) só para relembrar, faz parte das "Crónicas do mal de amor" que já li há uns anos.
Ainda não arranjei coragem para atacar a Tetralogia, talvez este inverno...
Boas leituras!
🐧
Olá Maria
ResponderEliminarEu fui uma espécie de tia mãe, acho que gostava tanto do meu sobrinho como se fosse mãe dele, pelo que acredito que há maternidades alternativas...mas se não aconteceu, não se é menos mulher por isso.
Sabe que há uma certa intelectualidade que despreza os escritores de "best sellers" ou mesmo aqueles de que toda a gente gosta...por exemplo, dizem mal do José Luís Peixoto, etc, etc...a mim pouco me importa se são ou não lidos, mundanos ou bichos do mato...baste que goste da escrita deles e da Ferrante gosto, do Peixoto por acaso também (ainda que não da mesma forma de todos os livros).
~CC~
Eu sei, ~CC~, é a tal intelectualidade que diz sempre nos questionários que leu a Recherche e o Ulisses e o Borges e a Yourcenar, etc. e, possivelmente, apenas leram sinopses :)
ResponderEliminarDo Peixoto, provavelmente não gostam das tatuagens... Eu gosto dele há muitos anos, antes de ser famoso, quando escrevia poemas na revista Rodapé (da Biblioteca de Beja) e na revista da editora Alma Azul (de Alcains e Coimbra). Aliás, o primeiro prémio que ele ganhou (antes do Prémio Saramago) foi um "fantástico" prémio de 500$00 quando vivia em Coimbra.
Gosto imenso dele, como escritor (mais duns livros que de outros) e como pessoa; penso que a fama não lhe subiu à cabeça.
Geralmente também eu fujo dos tops nacionais, embora goste de seguir alguns prémios (algumas desilusões, claro, mas também boas surpresas).
Sigo com interesse o Nobel, o Man Booker e o Goncourt (entre outros) e adoro descobrir novos escritores.
Dia feliz.
⚘
Há um livro de várias histórias sobre mães e filhas, um livro cru(el), que corre num equilibro entre a caricatura e a banalidade, que fala do que ninguém assume. Desde hiperprotecção, síndrome de Münchausen, pedofilia, filhas agressoras, etc, etc...
ResponderEliminarChama-se O Insecto e outras histórias de Mães e Filhas e é de Claire Castillon.