terça-feira, 15 de outubro de 2019

Sim, já é Outono


Qual foi o dia exacto em que calcei meias? Em que tive frio de noite? Em que não consegui tirar os sapatos e andar descalça pela casa? Quando comecei a fechar a janela da sala?

Também tento dizer a mim própria que é bom. Tento agarrar-me à cor das árvores para amar a mudança de estação.

Mas a minha pele rejeita a lã, os pés rejeitam o aperto dos sapatos, perco os guarda-chuvas. E agora dói-me absurdamente o ouvido, latejando.

Custa-me, custa-me a habituar-me a esta transição. E não é propriamente pela chuva, pela chegada da chuva, em algures lugares de África chove muito.

É uma sombra, a chegada de uma sombra. É a minha luta para que não me engula, não me absorva, não me entristeça.

~CC~

6 comentários:

  1. Querida CC, está a pedir colo, um chá quentinho, uma mantinha, um agrado mais demorado.
    Foi ontem e hoje que tudo isso me aconteceu. Mais hoje que ontem. Gelaram-me os pés, vesti um casaco, calcei sapatos e meias. E um friozinho fino levou-me ao edredon e ao pijama - ainda os menos quentes.
    É verdade que há uma sombra cada vez mais próxima. Mas quem sabe a contorna e olha para o lado da luz. Mesmo se a luz é apenas um lume de chão. Também aquece. E o fogo é tão bonito. Não vamos deixar que a engula ou absorva. E se a tristeza vier, há-de ir como chegou: sozinha.
    Um beijinho de boa noite

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  2. Outono. Em final de tarde anuviada e ventosa, estaciono o carro no largo da estação. Aos poucos, os comboios despejam as pessoas no seu regresso a casa, depois de um dia de trabalho na grande cidade. É assim a vida das cidades-dormitório; sai-se de manhã, regressa-se à tardinha e o dia é um deserto de pasmaceira. Um carro pára ao lado do meu com um casal jovem lá dentro. Ninguém sai. Esperam, também, por alguém.

    No auto-rádio Chris Rea canta ‘there she goes with the wind in her hair and a smile on her face’. No carro ao lado, e através dos vidros, apercebo-me de um movimento de mãos furtivas, de avanços e recuos persistentes, correspondido com repulsas e chegas para lá. Como neste jogo não há lugar para três (pensava ainda eu), saio do carro e encosto-me a um carvalho-cerquinho a proteger do vento e a fingir distracções. Agora, espreito-os a uma meia distância que considero suficiente para que a sua reserva de intimidade não seja ofendida. Subitamente a moça sai do carro e senta-se num banco de ripas de madeira por baixo de outra árvore. Ele baixa o vidro do pendura e chama-a ‘Susana! anda para dentro, vá lá não faças fitas’. Em vão.

    Espreito as horas; o comboio deve estar a chegar. Olho para a frontaria da estação e começa a sair gente. Preparo-me para voltar ao carro mas estaco na equidistância do trajecto. Uma rapariga sai da estação e caminha na minha direcção. Cabelo curto asa de corvo, anca estreita e modelada na bicicleta estática, um sorriso no olhar. No peito que o decote mostra, vislumbro o início dos seios. Ao vento, a manga larga da blusa roça-me o braço e … there she goes. Viro-me para a ver passar e aspirar um pouco da luxuosa fragrância exótica e sedutora deixada para trás.

    Pára junto ao banco de madeira e exclama ‘cá fora com esta ventania?’. Susana de pé retribui o sorriso e oferece-lhe os lábios sequiosos que ela aproveita e reconhece para um beijo ávido e profundo. Viro-me, é difícil olhar para o vento, é difícil fugir do efeito que causa. Entro no carro. Chris Rea canta conformado um ‘anyway take a look, there she goes’.

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  3. Coloquei hoje o edredão na cama e finalmente chove por aqui. Para afastar essa sombra é agarrar-se às cores quentes do outono, às folhas que escolhem vestir-se de ouro e rubro, ao esplendor dos frutos da época, ao cheiro doce da castanha assada. :)

    Melhoras para esse ouvido.

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  4. Estou preocupado consigo CC. Está tudo bem? Queira que sim e bom domingo.

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  5. Bea, tivesse eu uma lareira, uma coisa assim tão simples e acho que encararia de outra forma o inverno.
    Joaquim, estou viva:) Gostei da sua história, quando é que cria um blogue? Quer que eu crie e lho envie de presente?
    Luísa, valha-nos a natureza, é sempre ela a salvar-nos da sombra.
    ~CC~

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  6. ando aos estalos com o outono.
    ainda estou amuada e estarei.

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