sábado, 22 de julho de 2023

Aluados

 

A orquídea tem apenas duas flores, despedindo-se da sua época áurea de floração. Parece que foi a sua última Primavera, não me parece que vá hibernar mais um Outono-Inverno para depois ressurgir. Conheço quem se lhe assemelhe, faz-me palpitar o coração de preocupação parecendo que é o seu último suspiro, mas depois ressurge devagarinho ainda e ainda, cada vez com menos vigor, mas ainda assim respirando. Preciso destes genes, que sejam eles a circular por mim e a fazer-me agarrar à vida. Como é que é ela ainda o nosso centro?!

Nestes dias de noites mal dormidas parece que me vou dissolver, às vezes acho que não estou viva, realmente acordo mas não sou visível para ninguém.

Mas depois aparece alguém que me vê. Hoje foi aquele velhote sentado na minha mesa a falar-me de uma embarcação que não pode morrer por ser típica do seu bairro de sal, haveria que reconstruir um barco que pudesse não apenas ser um exemplo desses do passado mas sim um transporte do futuro, uma espécie de tuk-tuk que cruzaria o estuário, uma frota deles, um esplendor. Depois levantou-se de repente e pediu desculpa por me ter ocupado o tempo e desapareceu tão rapidamente quanto apareceu do nada, a cabeça cheia de sonhos num passinho pequenino. Mas ando com um caderninho e apontei-lhe o nome, sei por onde anda.

Ele existe mesmo e eu também e o que nos une são certamente os sonhos improváveis. Gosto de pensar que um dia nós, os aluados, nos iremos todos encontrar.

~CC~


2 comentários:

  1. A nossa cidade é de uma beleza sem igual e as pessoas, em geral, muito autênticas.

    Muitas primaveras floridas pela frente, e muitos encontros felizes também.

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  2. Talvez na próxima primavera ela volte a rebentar, CC. Se não, compra outra. Não é a mesma coisa, mas é uma orquídea. Tenho assim uma que este ano se desunhou a florir, é um nunca acabar de flores. Contudo, as folhas foram murchando e parece-me ser o seu canto de cisne. Das cinco que tenho, é provável que algumas não sobrevivam ao inverno; e a que floriu em extraordinário tem doença que observo sem lhe descobrir causa. Que podemos fazer, se a vida das flores chega ao fim?! Acontece o mesmo aos humanos. É amá-los enquanto existem connosco.
    Não sou crente nesses contactos de rua; julgo sempre que têm o seu interesse momentâneo, alegram o momento, ensinam-nos alguma coisa. Mas não é neles que moram as amarras de que precisamos quando as precisamos. Quase sempre não passam de curiosidades a que somos gratos, breves fogachos de luz. Mas isto sou eu, quem sabe a CC encontra novo amigo.
    Um beijinho e bom fim-de-semana

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