domingo, 26 de janeiro de 2025

Para onde vai o vento?

 

A tua voz do presente, como ela é diferente. Ainda lhe associo apenas um rosto do passado. Ficam assim incongruentes, numa mistura de tempos. Ganhaste um leve sotaque brasileiro e com ele muita leveza, na minha memória tinhas voz de rádio e um sotaque puro de alfacinha que gosta de bitoques e de pasteis de nata. Há quem vá atrás das amizades que ficaram para trás num mergulho sem hesitação, há quem rejeite preferindo deixar tudo onde ficou, no lugar em que aconteceu. No nosso caso, dos três, seria num certo café do centro de Lisboa, antiga leitaria, em que persistíamos em nos misturar com os velhotes, de tanto o fazermos vários mais novos começaram a entrar e a poisar. Não sei se não afastámos os velhotes, não tinha essa sensibilidade que só chegou muito depois. Eu nada fiz, nem procurei, apenas aconteceu o que parece impossível, ter-me cruzado acidentalmente com essa menina girafa presencialmente na grande capital a que raramente vou e que há muitos anos não via. Continua a ser alta, mas não a sinto tão alta. Tenho a certeza do momento da ruptura daquela amizade e que fui eu que a fiz, em parte por mágoa, em parte porque precisava de ir ver outros lugares.

Certo é que já tinha acontecido antes, num momento que não consigo precisar e que nada fiz. Não estava disponível, enquanto agora segui o vento e o vento trouxe dois, por ora. Não sei se vão ficar ou se é apenas um cruzamento, aquele lugar em que vemos alguém e sabemos que seguirá para a direita e nós para a esquerda. O que me surpreende em mim é lidar bem com isso, com a insegurança e com incerteza. Eu costumo querer e saber a direcção dos ventos.

~CC~


6 comentários:

  1. Alguns dos seus textos, CC, são incólumes desabafos cifrados qb.
    Quando se encontra alguém que calça o mesmo número, por acaso ou não, aproveite. São dois? Aos pares é mais barato:).
    Bom domingo

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  2. Bea são meus e não são, quantas pessoas já não estiveram ou não estarão nestas ou noutras situações. Eu chamo-lhe uma espécie de eu colecivo, uma coisa aqui não faz sentido se não tocar a outra...e às vezes começa no colectivo e acaba em mim e outras é justamente ao contrário. Mas a Bea tem muita graça às vezes...aos pares:) Belo sentido de humor é o que é!

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  3. Para onde vai o vento? É um texto muitíssimo subtil que me levou para a situação política global. Provavelmente, a intenção do texto é uma outra. De qualquer maneira, aguardo com a cabeça fria e sem pressa a direção que o vento vai tomar.

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    1. Em Política continuo a saber qual é a direcção do vento que quero, não obstante nem sempre ver concretizadas as intenções daqueles a quem deposito o voto (é pouco isto). Ao contrário da Teresa, estou bastante preocupada. A direita e a esquerda no texto não aludem a política, só a rumos da vida mas a interpretação até podia ser essa. Contudo, na vida, já tenho tido boas surpresas com pessoas que politicamente até estão distantes de mim, pelo que aí considero sobretudo as pessoas, tal como elas são e se comportam.

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  4. Este seu texto terá várias interpretações, não arrisco nenhuma. Apenas digo que quando as pessoas voltam do passado já não são as mesmas. Quando fala da leitaria no centro de Lisboa veio-me à memória a Leitaria Garrett.
    Um abraço.

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    1. É verdade, ninguém é mais o mesmo, acho que isso está no texto também, até a voz mudou. O mais dramático é não me lembrar do nome real da leitaria pois nós usávamos outro nome entre nós, mas não era muito conhecida...e cheirava mesmo a leite fresco, uma coisa hoje pouco comum. Não interprete, sinta só, deixe-se ir pelos caminhos do texto e veja se eles ecoam algo em si. Um abraço

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