quinta-feira, 6 de junho de 2013

O alfabeto do amor



Em geral quando se apaixonam as pessoas têm noção da importância das palavras, usam-nas como verdadeiro fermento do que está para nascer, inventam-nas como parte do reportório do (seu) amor. Em alguns casos que conheço o primeiro amor foi também o primeiro livro de poesia. A primeira grande admiração que tive por outro ser humano (o meu pai) foi recheada de escrita e de leitura. Noutros amores, as palavras foram um mero jogo de sedução, poeminhas copiados para a troca, dolorosamente artificiais. Esses morrem como borboletas chamuscadas nas lâmpadas de Verão.
 
Mas mesmo o amor que foi amor porque perde tão facilmente o alfabeto? São os tachos, as compras no supermercado, a conta da luz, o choro dos filhos? Ou simplesmente esse hábito de considerarmos conquistado o que nunca será, de ganharmos vergonha de quem está ao nosso lado, de acharmos que sabe o que sentimos só porque sabe e se sabe não é preciso dizer. Lembro-me dolorosamente de como disse ao meu ex.marido que não era necessário ligar-me todos os dias à hora de almoço porque as colegas comentavam e eu tinha vergonha. Como pude ter vergonha do que era tão bonito? Nunca sabemos quando é que um casamento começa a morrer, mas às vezes acho que foi nesse dia que o meu começou a morrer, nesse dia matei algumas letras do alfabeto do amor.
 
Quando imagino um quotidiano poético não é por romantismo piegas, é por sentir que, como José Gomes Ferreira, devíamos ser capazes de imaginar as musas sentadas ao nosso lado nos elétricos em direcção a Alfama e todo o amor devia ser claramente um fogo a ver-se arder.
 
 
~CC~

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