quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A idade dos primeiros lamentos



Os jantares semi trabalho-quase amizade são assombrados pelas nuvens da meia idade, há quem já tenha tido a doença (bicho mau), há quem a tema, há quem veja em tudo os sintomas de que está perto. Já não se consegue comer tudo e como todas conduzem de volta a casa, bebem pouco, já ninguém fuma. Os preâmbulos que dantes começavam com algum tipo de exame aos filmes vistos, aos colegas com charme, às últimas notícias das política, são agora gastos com longas descrições do cansaço, do mal estar físico centrado ou não numa parte do corpo específica, das muitas tarefas que as organizações por iniciativa própria ou de algum organismo central estão sempre a criar para encher o tempo e torturar de forma miudinha os seus trabalhadores. Há queixas, há lamentos. Costumava detestar isto. Ainda quase não consigo dizer nada, tenho imensa relutância em queixar-me, em dizer coisas sobre mim, em revelar sintomas de dor ou mal estar, prefiro ignorar, fazer de conta que não existem, esquecer. 

No entanto percebo ultimamente que me faz bem perceber que há mulheres a envelhecer como eu, a comprar leques para enfrentar a menopausa, a dormir de janela aberta, a ouvir pela noite o miar dos gatos. Ainda oiço mais do que falo mas esta terapia espontânea de jogar sobre a mesa os sintomas torna-nos bichos humanos a enfrentar o envelhecimento, na velhice não serão apenas os preâmbulos, será grande parte da conversa que teremos e será bom tê-la com alguém. A minha tolerância aumentou imenso em relação à fragilidade alheia e de algum modo à minha. Não que ser forte, ter esse rumo da resistência, essa vontade, tenha deixado de ser a minha meta, foi ela o meu norte toda a vida e se a perder espalho-me ao comprido. Mas ganhei outras ambições, outras metas, outra relação com o mundo. 

~CC~






2 comentários:

  1. tal e qual, também não me queixo, mas gosto de me sentir acompanhada no meu silêncio. é bom que alguém o faço... ahah
    abraço!

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