quarta-feira, 15 de julho de 2015

A fé dos outros


Fui a Fátima.

Não por mim, não sinto nada, comprovei novamente que não estremeço, não enterneço. Ora não há religião sem emoção, sem tremor. Mesmo sem ter uma religião já senti esse estremecimento. A ouvir uma missa em latim em Florença, por exemplo.

Fui com outros, pelos outros. Trata-se de um hipermercado religioso, as pessoas chegam de mãos vazias e partem com sacos nas mãos. Cada uma delas levará em média duas a três coisas do lugar, coisas que povoarão casas, pescoços, pulsos.

E espanta a diversidade de quem vai, fiquei cerca de hora e meia numa esplanada a observar quem passava. Famílias inteiras, desde os avós aos netos, juntas como se fosse domingo, comendo gelados (entre o sagrado e o profano há uma grande harmonia). Um casal evidentemente gay, um homem mais velho, outro mais novo, cúmplices e calados. O casal de meia idade que chegou em lambretas que esticaram o mais que puderam para lá chegar, cada um na sua, muito compostos mas quase de certeza oriundos de um lugar bem rural. Muitos brasileiros e brasileiras, quase sempre aos pares. Mulheres, sempre mais mulheres, sozinhas, aos pares, em grupos. Passa uma camioneta que anuncia um museu que nos faz viver novamente o milagre de Fátima com recurso a multimédia, simula tudo a acontecer, ora aí está como a tradição se conjuga com a modernidade. Pergunto-me se Fátima terá uma página no Facebook e quem responderá pela dita. 

A fé dos outros é a fé dos outros mas isto é tão gigantesco, tão comercial que não consegue tocar-me. Lembro-me na ilha de S. Nicolau, em Cabo Verde, de ter ido ver a rocha escribida, lugar considerado mágico, a própria mão de Deus teria escrito naquela rocha. Não havia placas para lá chegar, nem templos, nem multidões. Senti respeito pela veneração que as pessoas tinham por aquelas pedras, embora fosse claro que era apenas um fenómeno natural de erosão, emocionou-me. Em Fátima, o meu coração não bate mesmo mais forte.

~CC~






2 comentários:

  1. sabe, no meu caso, é a fé dos outros que mexe comigo, como que por admiração, contágio :)

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  2. Nunca fui a Fátima, aliás, parei na estação de camionagem em Fátima, passei de carro ao igreja nova, mas nunca fui ao santuário, porque nunca senti vontade, nem necessidade.Quando "revelo" esta minha "falta", há sempre alguém que se espanta ou que se indigna.
    Talvez um dia possa, na presença do lugar, sentir alguma emoção.
    Abraço.

    (Quanto ao Porto, é uma bela cidade. Ainda que sem companhia, vale a pena deixar-se seduzir. ;) )

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