quinta-feira, 20 de junho de 2019

Sabor de silêncio



O (quase) silêncio do dia diz-me tudo sobre ele. Gosto de manhãs silenciosas na minha rua barulhenta. Ouvem-se apenas os carros na rua lá ao longe e não as dezenas de pessoas que todos os dias chegam de comboio e se dirigem ao centro de emprego. Olho-as muitas vezes pois é com elas que mais me cruzo e mesmo sem a rua ter passadeira para peões paro para as deixar passar, achava que por ser simpática, mas agora sei que é só para ver se têm olhos tristes. E têm quase sempre. Mas também falam muito alto, muitas parecem zangadas e outras devem estar mesmo.

Logo chegas tu, parece que não vens há tanto tempo. Chegas tu e parece que não estamos há tanto tempo os dois sozinhos. Não me adaptei ainda bem a essa mudança de estarmos quase sempre rodeados de gente. É por causa do nosso silêncio a dois. Gosto quando estamos calados e juntos. Para mim a intimidade é o silêncio entre as pessoas não pesar, poder fluir.

As estações do ano também têm ruído e amando o Verão sei que é a estação mais ruidosa de todas, é o seu defeito. 

Vou ver como é o silêncio da serra do louro, se o posso colher para descansar por dentro.

~CC~

5 comentários:

  1. Entendo. Busco silêncios para ler e apenas estar, para dormir e me preparar para tal, e durmo mais facilmente nas noites frescas; contudo, prefiro o verão que não é ruidoso em todo o lugar.
    E que consiga com alguém essa sintonia silenciosa a que chama intimidade já é muito bom, CC. Lembro-me de umas fotos de casamento que me mostraram há muito ano, eram imprevistas e os noivos - para mim desconhecidos - estavam separados por muita gente; mas era como se estivessem sozinhos porque os dois se olhavam como se. Nenhum deles era uma beleza de pessoa, os fatos absolutamente corriqueiros, mas o olhar...não podia haver nada mais lindo.

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  2. Pus-me a pensar, tens razão, ligamos mais ao corpo que precisa de descansar do que ao resto que também precisa.

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  3. Se fizer o trilho da crista já pode dar o dia por bem empregue, e pode ser que se encontrem na intimidade do silêncio da serra.

    A angústia do desemprego tem de lhes dar olhares tristes. Só alguém desempregado sabe o que é vivenciar o desemprego. Só alguém desempregado entende o que o outro passa, sente, enfrenta e o quanto luta para sair dele.
    São pensamentos e sensações, inúmeros currículos sem convocação para entrevista, desânimo, impotência, tristeza, despesas, será que estou muito velho?; acho que é porque sou muito novo, não me saí bem na entrevista. Passam dois, cinco, sete meses, um, dois anos! Quanto tempo mais vou ficar desempregado? E depois vêm os distúrbios emocionais como a tensão e a ansiedade que minam a autoestima do sujeito que, por sua vez, descrente de si, não busca mais emprego. Envergonhados, optam por isolar-se dos amigos e familiares.

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  4. que o colha bem, CC e que descanse muito, por dentro e por fora. beijinho

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  5. Bea, certos olhares dizem tudo sobre a cumplicidade de quem os troca. Não lhe aconteceu já nem ser preciso dizer nada para saber o que o outro(a) está a pensar?
    Luís, o cansaço do corpo custa-me bem menos do que o outro.
    Joaquim, magnífica descrição que faz de uma das coisas mais tristes que há, pelo menos para a maioria das pessoas: o desemprego.
    Laura, colher silêncio(s) é bonito.
    Abraços quatro
    ~CC~


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