Entre a luz e a negritude caminhei neste ano que finda. Recuso colocar estas luzes e cores na balança, até porque nenhuma tem peso, às vezes a luz inicia o dia e a noite traz a negritude, mas também pode acontecer o contrário.
Os dias com luz trouxeram de volta a música, descoberta ou redescoberta a cada Domingo. Trouxeram a leitura e as suas formas de partilha, primeiro com o clube de leitura que criei com os estudantes e que, por ser premiado, abriu horizontes. Depois o outro, da livraria mais bonita da cidade, uma entrada difícil num grupo já formado e muito intelectual, um pouco excessivo para meu gosto que não sou dada a pedantismos, nem a lições de cátedra. Mas pouco a pouco tem melhorado, já podemos rir e dizer que não gostamos, mesmo que o livro seja de um prémio Nobel. Menos cinema do que é habitual, mais teatro. Alguns festivais e festas, nenhum festival de música de renome, bani-os da agenda. Novos roteiros culturais noutros lugares, quase todos no município de Montemor o Novo, talvez um sinal, gostava que fosse. A luz rodeou também os amigos que regressaram de um lugar tão antigo como marcante chamado adolescência. Tinha-os lá deixado por renúncia, despeito e revolta. E fui lá buscá-los com apaziguamento e ternura. Outras teias, sobretudo as criadas no mundo profissional, não consegui manter ativas, julguei-os para ficar, mas eram mais frágeis do que supunha, não resistiram ao descruzar dos caminhos. Algumas ligações permanecem suspensas, estão entre o que pode avançar e manter-se e o que pode morrer, tudo o que não se rega acaba por secar.
O trabalho foi pesado, tão bom em recompensas frutuosas e missões concretizadas, quanto alvo de tensões, conflitos e afastamentos, umas que consegui entender e outras que são da ordem do irracional, dos ódios pequeninos que desfazem em pedaços organizações que tudo tinham para serem exemplares.
Nos dias e momentos mais negros tive sobretudo medo do meu corpo sucumbir novamente e de não haver ninguém suficientemente próximo ao meu lado, capaz de me ajudar e apoiar, cavou aí a ansiedade o seu buraco. Dias houve em que também temi por este mundo e por este país, pela agressividade com que uma direita conservadora e xenófoba traça o seu caminho ascendente.
Nos dias mais luminosos senti-me intensamente grata pela vida, tocada pela beleza das pessoas, emocionada por ter uma filha tão especial, nutrida por novos projectos e novos lugares, ao mesmo tempo que amava os que já sinto como meus e são raiz e poiso. Deixei que a saudade me habitasse sem dor excessiva, reconhecendo que a perda de pessoas que amamos abre um lugar que fica para sempre. Talvez tenha querido, por vezes, apaixonar-me, mas não aconteceu verdadeiramente, terrenos movediços afastam-me, preciso de reconhecer que o chão que piso é seguro para poder caminhar, aceitei-o sem drama. Creio que em nós o desejo do amor nunca morre, mas pode-se viver apenas com ele. Fui por vezes tão leve que achei poder voar e outras tão pesada que achei que não conseguia erguer-me.
Esta é a minha rua e gostei quando por aqui vieram passear e deixaram a marca do vosso sapato ou do vosso pé nu, agradeço-vos a companhia e acredito que a escrita pode ser um lugar de encontro.
~CC~
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