domingo, 11 de agosto de 2013

Lado A



Uma ribeirinha corre lentamente junto à casa, o fio de água tem a pressa dos cágados que descem por ela e se ocultam dos nossos olhares. Este lugar poderia ser desenhado por uma criança para ser a aldeia perfeita e por isso parece não existir realmente. Quando nos afastamos da aldeia e a olhamos de uma das encostas, o conjunto das dez/vinte casas e das suas ruas pequeninas lavadas e floridas, afigura-se um postal.
 
Hoje, aqui na cidade, o conjunto harmonioso das casas de xisto, as pequenas ruas cheias de flores, o caminho para a fonte, as pequenas hortas muito cuidadas, o forno colectivo do pão, o silêncio total a cada manhã e o céu maravilhosamente estrelado a cada noite, os telemóveis sempre abandonados porque sem rede, os cães mansos que por lá vagueavam como propriedade semi colectiva, os gatos fugidios, o casal de velhos ainda novos que nos trazia bolos acabadinhos de fazer, tudo parece ter sido afinal uma fantasia minha para me abrigar.
 
Esta aldeia foi posta aqui para ser a minha aldeia porque eu nunca tive uma e esta é a ideal para quem ama o campo e detesta a matança do porco, se inebria com o cheiro intenso das ervas mas não tolera o cheiro do leite acabado de ordenhar. Eu não sou do campo, eu sou alguém da cidade que ama o campo. Estou na fronteira das coisas, sou um produto de fusão, habita-me a contradição própria dos impuros. Esta é a aldeia perfeita para mim porque é uma aldeia e já não é uma aldeia, é tradição e já não é tradição, é gente da aldeia mas que viveu uma vida na cidade e agora voltou, escolheu a aldeia para viver, ela não foi uma fatalidade na vida deles, deixaram-na quando a vida ali era insuportável e voltam com a luz, a água canalizada, a recolha selectiva do lixo (sim, esta aldeia tem).
 
Diria que voltaria uma e mais vezes, se ela pudesse ser o meu lugar. Mas foi paixão temporária, ainda não o meu amor para sempre, aquele que busco.
 
 

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