segunda-feira, 28 de abril de 2014

O leitor de dicionários



Hoje descobri. Foi uma passagem ténue num artigo sobre Gabriel Garcia Marquez. Dizia ele que o seu avó, com quem viveu praticamente toda a infância, era um leitor de dicionários. Acendeu-se uma luz sobre a estante paterna e sobre ele debruçado sobre os seus dicionários, preferencialmente ilustrados. Calhamaços imensos sem qualquer leitura que ele lia afincadamente como se fossem romances. Brilhou ali algures esse amor da minha infância e a extrema admiração que tinha por ele, um amor que morreu tão cedo e que só se iluminou um bocadinho quando ele estava prestes a deixar-nos.

Penso no único dicionário que tenho dele, encafuado na garagem, um dicionário por certo viajante entre Portugal, Angola e o Brasil, acompanhando aqueles seus dedos amarelos de fumo, os olhos já tão enevoados e o coração cada vez mais de passarinho. E não o teria guardado porque na voragem de deitar fora todo o lixo que ele acumulou anos e anos, não tinha já forças para seleccionar nada, para ter qualquer critério. È que dele vinham as melhores e as piores coisas e se as piores nos outros nos são toleráveis, nos nossos pais são terrivelmente dolorosas.

Mas sei que mora na minha infância um leitor de dicionários que um dia me leu histórias e me fez feliz, desse bocadinho de luz se expandiram todas as células que me fazem amar as letras.

~CC~


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