Também eu cresci com os livros de Gabriel Garcia Marquês. Li em transe no final da adolescência os cem anos de solidão e perdi-me totalmente entre a genealogia das suas personagens de assombro, inteiramente presa dos odores que os corpos soltavam e dos bichos que transgrediam todas as formas conhecidas, creio ter sonhado muitas vezes com as formigas gigantes que vinham comer as crianças pequenas, tremendamente parecidas com as da minha própria infância. Anos depois, tantos anos depois, em Moçambique, olhando para um formigueiro maior do que eu, donde saiam formigas gigantes, tive a certeza de que tudo em cem anos de solidão era verdadeiro. Cresci até doer com todos os outros e nunca mais deixei de acreditar que todos os amores deviam ser gigantescos como no amor nos tempos de cólera, quis ser amada toda a vida, por toda a vida, como aquele homem faz com aquela mulher. Os corpos já velhos na busca de um prazer que é aquele das peles amarelas pelo tempo e é o da juventude no fulgor que não tiveram. Voltei a cem anos de solidão já adulta e não o li com menos espanto, capaz agora de usar outra racionalidade e ler nas entrelinhas.
Também eu sinto e digo também eu por ler e ver por toda a parte o desgosto desta morte, afinal ele podia bem ter encontrado uma erva mágica capaz de lhe dar eternidade, continuando a trazer-nos coronéis mansos e viúvas alegres e a voz do povo, sempre tão dorida, sempre tão capaz de cantar.
Ficam os livros, estas palavras que podemos ler e reler sempre, que outras e outras gerações podem vir a amar como nós amámos, amamos.
~CC~
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