segunda-feira, 3 de abril de 2017

Corpo


A máquina avança sobre o meu corpo e tenho medo. Como é possível, já fiz dezenas de vezes aquele exame. Mas agora é como se eu e a máquina tivéssemos perdido a intimidade, ela voltou a ser um objecto estranho a puxar-me para dentro e para fora. Tenha calma, demora segundos. Tem razão, mas também eu preciso de uns segundos, de uma volta lá fora. Depois volto, consigo fazer o exame.

Menos estranha que a máquina as mãos do fisioterapeuta, estranhamente nunca me assustou nem intimidou. Tem um ar de menino, não de homem. Olho-o e parece-me que ele é ainda uma criança, nada de agressivo pode vir dali. Como construo confiança com base nestes meros sinais. Ele fala muito e quase nunca o oiço, percebo apenas quando dá instruções e deixo-me guiar. São instruções doces. Creio sempre ter ficado a meio do esforço que me pediu mas ele conhece bem a dinâmica do reforço e procura entusiasmar-me. 

Queria dizer-lhe como é estranho que cuidar do meu corpo se tenha tornado a principal tarefa da minha vida, eu que tanto me esqueci dele. Mas há coisas que não posso dizer-lhe, não alcançaria. Chega-lhe ser um menino, um bom menino. Hoje brincámos às provas de esforço, consegui 14 voltas para 6 minutos, coisa que o deixou feliz. Como eu queria ficar feliz quando ele fica, podia embalar-me naquela motivação de profissional recente, que bom seria.

~CC~

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