segunda-feira, 16 de outubro de 2017

De pernas para o ar



O mundo, sabemos, anda de pernas para o ar e às vezes parece-nos completamente incompreensível.

Ontem foi um desses dias, um país a arder em Outubro.

Não consegui dormir e não estava perto de nenhum incêndio. A dor dos outros mexe muito comigo, perturba-me. Quero proteger-me mas nem sempre consigo. 

Esta manhã havia uma grande discussão em pleno bar, eram alunos aos gritos, exaltados uns com os outros. Pensei que discutiam alguma coisa da actualidade, talvez mesmo o dia negro de ontem. Mas não, era apenas uns que diziam que Messi fumava charros e outros que o diziam absolutamente limpo de qualquer mácula. Atónita, não consegui compreendê-los, ouvia o que diziam, mas não percebia de todo a importância do assunto. Só pensava nos mortos de ontem, nesse modo estúpido de se perder vidas. E no alheamento deles a tudo, no modo como conseguem, como tanta gente consegue. Sei que se lhes perguntasse diriam que não podem fazer nada, não podem e como tal não é com eles. Tenho vontade de chorar, já não sei se pelas mortes de ontem, se por uma parte significativa destes jovens alheados de tudo com os quais lido.

~CC~

3 comentários:

  1. CC, não estranho nem critico a atitude desses jovens em relação à temática da discussão uma vez que faz parte dos interesses "naturais" da idade, já em relação à discussão ao gritos discordo.
    De facto, não seria por estarem cabisbaixos que iriam alterar o curso dos acontecimentos, nem tão pouco o brilhante da discussão pode ser interpretado como desinteresse pelo que há à volta.
    É próprio da idade ter essa capacidade de encontrar alegria no meio do caos.
    Há fogos muito perto da zona em que estou, o ar que se respira está carregado de fumo, os parapeitos das janelas estão repletos de cinzas. Fiz a minha vida normal, incluindo as actividades de lazer e estou aqui a escrever, e não é por isso que me considero menos sensível ao problema e que não estou solidária com quem está a sofrer. Talvez aos olhos de outros, devesse estar a chorar. Sou mais pelo entendimento de que importa integrar e respeitar as várias formas de viver a dor, e a nossa bitola não tem de ser a de outros.
    Boa noite!

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  2. Sim Isabel, compreendo o que diz e faço esse esforço muitas e muitas vezes para os entender, perceber o que é significativo para eles, mas eu sou também a adulta e a professora, o meu papel é certamente fazê-los também ver outras coisas.

    E...

    a) a discussão aos gritos era absolutamente contrastante com a tristeza do dia ou talvez com a minha tristeza e b) a escola é imune ao que acontece lá fora, a prática de desligar é tanta (segue o programa e acabou) que se calhar até fomos nós a incutir este alheamento da realidade. Mais que uma vez tentei trazer os assuntos do dia para a sala de aula (por exemplo quando apareceu a figura da crinaça refugiada a boiar na praia) e tive muito pouco eco, uma vez uma aluna até me disse: são assuntos lá de fora! O que será o fora e o dentro?!
    ~CC~

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  3. Tenho, desde domingo, a impressão de que nada será como antes e de que o perigo espreita a qualquer esquina. :(

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