terça-feira, 10 de setembro de 2024

Agora preciso de ensaiar pequenos passos de dança

 

A minha vida desenhou-se num percurso irregular mas com uma missão bem clara, nem lhe chamo profissional pois também muito tinha de pessoal. Nas fases boas e menos boas, com tropeços e quedas, nunca me perdi. E aqui e ali recebi o feedback desejado, aquele afago que chega do outro lado e nos agradece pelo papel que desempenhamos. Houve mesmo quem tivesse dito que estava à vista que eu amava o que fazia. Fui-me reforçando a cada conquista, a cada êxito. Não obstante, percebi também que se até os génios chegam a um ponto em que o caminho não é mais ascendente e se esquecem deles e do seu papel, também tudo o que disse, fiz ou escrevi, seria na minha área cada vez menos relevante. Aparecem outros a dizer o que dissemos há 20 anos mas é como se fosse a primeira vez que alguém o diz. A princípio não é fácil aceitá-lo mas depois sim e por isso deixou de doer.

Mas ainda Agosto estava a terminar e chegou um vazio grande, imaginem um poeta perdido das palavras, um actor que já não consegue representar, uma mãe que já não consegue cuidar, um piloto com medo de voar. Foi assim que senti o novo ano lectivo, um deserto a desenhar-se na minha alma, como se a água tivesse acabado. 

Ora o que nos distingue é o cérebro e o coração que colocamos nos trilhos em que nos movemos, toda a gente faz coisas, mas o modo como as fazemos faz a diferença junto do outro. Um empregado de café no modo como fala connosco, um médico que nos atende, um funcionário no balcão das finanças, o desempenho de cada função pode ser baço ou brilhante.

Durante dois ou três dias senti-me muito triste, perdida e com um inequívoco desejo de parar. E foi só quando compreendi o meu cansaço e me perdoei por ele que fui capaz de retomar lentamente o curso da vida. Estes acontecimentos têm sempre o condão de me fazer entender os fracos, os vencidos, os tristes. Foi um treino de humildade e empatia. Mas agora preciso de ensaiar pequenos passos de dança.

~CC~


7 comentários:

  1. Invejo-a CC por ter conseguido encontrar essa paz.
    Cada vez acho menos que a minha dedicação no trabalho sirva para alguma coisa.
    Um abraço,
    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra, a conquista da paz é ainda uma luta constante:)
      Um abraço

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  2. Miguel Sousa Tavares escreveu, e já o disse algumas vezes referindo-se à mãe: "ela dança". Não creio que haja maior elogio e no entanto não passa de uma constatação.
    A CC também dança.

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    1. Mas a Sophia dançava mesmo, tanto real como metaforicamente. Eu só tento:)

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