quinta-feira, 30 de julho de 2020

Fetiche (em jeito de resposta)



Acredito que sim. Mas também depende do que estiverem a ler.

Comigo aconteceu o oposto. Fui beber café a um local desportivo, desses clubes de ténis e de padel. A meio da manhã e nenhuma mulher, apenas homens nos campos e no café, não supunha, mas não é coisa que me incomode. Quase todos entre os trinta e os sessenta. Longas e entendiantes conversas sobre a forma física, o jogo, a performance, o último grito em proteína. Tanta saúde, tão giros, nota zero no resto. Se voltar a encontrar algum, não  me lembrarei dele.

~CC~

Os dias com ela



Os dias estão cheios da solidão dela. É uma solidão que grita, estrebucha e desconforta-nos. Cada um de nós tem uma vida cheia de outros desafios e ainda por viver. O mais difícil é que já nem sabemos fazer-lhe companhia, nada do que temos para dar a parece satisfazer. Digo que a vida tem sempre um horizonte, algo que ainda queremos, algo que ainda não fizemos. Mas às vezes não lhe descortino esse querer. Os dias com ela tornam-se pesados e não é o peso da tarefa, é muito mais, é a ausência do gosto pela vida (à qual apesar de tudo se agarra) e por estar connosco. É o pânico que lhe sinto quando os bisnetos lhe tocam à porta, já não consegue inspirar-se na alegria que eles trazem.

~CC~

terça-feira, 28 de julho de 2020

Como eles...



Era um bando tão grande de pássaros brancos a voar para cá e para lá, não seguiam a direito rumo a algum lugar, quando pareciam ir, volteavam e tomavam outra direcção.

Sinto-me assim às vezes, um entre eles.

~CC~

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Nudez



Parecemos às vezes caminhar por estradas tão distintas que tenho dificuldade em me lembrar do tanto que nos une.

Para mim o amor é uma palavra absoluta, redonda e transparente. É um vínculo, uma importância dada ao outro, um saber que ele nos faz falta. Quando é para ser, deve sê-lo, quando não é, não deve. Talvez o reduza a uma coisa demasiado simples, mas é dessa simplicidade que preciso, que se assemelhe mais a água do que a fogo, mais a terra do que a ar.

Gostaria de ir pouco a pouco reduzindo a minha vida às matérias essenciais, como quem se vai despindo para finalmente entrar nua na idade madura.

~CC~

terça-feira, 21 de julho de 2020

Por aqui



Nos dias de trabalho mais a Sul fico a maior parte do tempo num escritório emprestado bem na baixa da capital. Almoço por aqui. É um confinamento um pouco mais doloroso por saber o mar ao virar da esquina, mas resta sempre a esperança de um banho de mar matinal ou ao final do dia.

Hoje, no café-restaurante, era eu a única portuguesa. Imaginam a nacionalidade dos outros? Todos Ingleses. Devem ter boas casas para ficarem de quarentena no regresso. Ou então, ninguém controlará coisa alguma. Não, não são residentes no Algarve, estavam efectivamente de férias. Também oiço os aviões a chegar com alguma regularidade, não posso aferir se exactamente a mesma de antes.

Às vezes, parece simplesmente que andamos a brincar às pandemias, talvez mesmo seja só um jogo on line. Ou simplesmente um jogo do qual não consigo descortinar todas as facetas, muito menos quem serão os vitoriosos. 

~CC~

sábado, 18 de julho de 2020

Quero esquecer-me de tudo



Todo o corpo me está a enviar sinais de paragem e eu forço-o, peço-lhe mais um bocadinho de força, de coragem, falo-lhe das maratonas e de que como os atletas procuram resistir até ao final da meta. Um ano anormalmente longo em que apenas Agosto se afigura como trégua.

O corpo fala-me,  só me aponta a direcção do por do sol em pleno Verão, dizendo-me que é por ali que tenho que parar, sorver, apreciar, contemplar. Diz-me que cada dia não voltará mais, que a terra não voltará a passar no mesmo sítio, nunca mais será aquela data, aquela hora.

As coisas, todas as coisas de trabalho, por mais importantes que sejam, começam a fazer pouco sentido. É-me difícil estabelecer o diálogo com quem me pede mais e mais. Torno-me capaz de não atender telefonemas, é toda uma aprendizagem nova, deixá-lo tocar, enquanto vejo o nome da pessoa luminoso no écran a piscar e a piscar. Em alguns casos já nem sou capaz de ligar de volta. Pouco falta para que me autorize a esquecer-me de tudo.

~CC~

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Sim, era eu



Não a vi. Confesso que tive pena

Mas se viram passar uma comitiva de uma carrinha e dois carros com um grupo de pessoas com instrumentos musicais que paravam às portas de umas casinhas isoladas em lugares rurais, aqui no lado sul da minha cidade, cantando e tocando músicas que os idosos dantes ouviam no Centro de Dia, sim, era eu a mulher de vestido branco de bordado inglês com um ar extenuado mas feliz. 

~CC~


(com um obrigado especial ao rapaz das duas letras que combinam com CC)

sábado, 11 de julho de 2020

Litoral



Há tanta beleza neste mar do Alentejo. E o odor, este cheiro forte e salgado. Aprecio as ondas tão grandes, absolutamente incapaz de entrar nelas.

Há quem não tenha medo de nada, em grupos que sem dificuldade chegam e ultrapassam os dez, parecem ter pressa, urgência em viver, não querem ser impedidos, confinados, amarrados.

Até eu por vezes pareço esquecer-me do medo, mas na maior parte das vezes ele não me larga e permaneço vigilante.

Os empregados do bar da praia, a esses nunca os achei tão cansados, subitamente envelhecidos e quase derrotados por trás das máscaras. São eles quem se sujeita mais ao risco.

As crianças pequenas, essas continuam a exclamar praia, omitindo o "r", com os olhos grandes e espantados de felicidade. Os pais, esses bem os avisam: não se cheguem às outras pessoas. Será que algum dia se lembrarão deste estranho aviso? Espero que um dia o esqueçam, eu gostava quando as crianças se abeiravam com os baldes para eu encher de água.


~CC~

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Bem vinda, o Universo estava à tua espera.



Nascem blogues no sul da margem mas no centro do meu mundo.

Que voz jovem e já tão bonita, densa, profunda.

Bem vinda, o Universo estava à tua espera.

~CC~

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Volver



A magnólia já não tinha flores. Já não há rosas de campo, as rosas albardeiras, apenas as de jardim, uma delas de um vermelho escuro, a minha cor preferida para rosas. Fui rever os caminhos molhados de onde voltava com os ténis cheios de terra, no tempo do grande silêncio, em que quase só se ouvia o latir dos cães. Agora estão secos, há mais ruído, um pouco mais de gente. Ouvi dizer que os turistas tinham aos poucos regressado.

As duas árvores de fruto do quintal estão cheias, as ameixas já as colhemos, as maçãs precisam de mais tempo. Deixei umas sementes na terra e algumas cresceram, uma abóbora, dois pés de milho e umas plantas que não sabemos reconhecer. Agora deixei lá um abacate, às vezes, com sorte, nascem. Já não fugimos da chuva, agora, há grelhados no carvão no quintal. Tentamos, sem êxito, dominar as moscas que chegam atraídas pelo cheiro.

Quando nos emprestam uma aldeia e lá vivemos um mês, quando isso acontece em tempos difíceis, quando é lá que aprendemos a fazer bem pão e ainda temos a marca da queimadura que aconteceu nessa interacção com o forno intensamente quente, quando aprendemos como é amarela a gema do ovo comprada na pequena mercearia e são bons os seus biscoitos com sabor a limão, mas, e sobretudo, quando quem nos acolhe tem sempre tempo para nós, há que voltar, mesmo que para visitas mais breves. Há coisas que agradeceremos sempre, uma e outra vez, por se repetirem do mesmo modo.
~CC~

sábado, 4 de julho de 2020

Questões literárias


Ela pergunta muitas vezes pelos livros da nossa vida: os dez, os dez mais importantes!

Não sei se com os anos a minha lista seria e será sempre a mesma, há livros que eu sei que não devem constar de nenhum Top Literário mas tenho com eles uma relação especial (já vos contei anteriormente como me espanto com a lista dos mais vendidos, isso nem conta). Acho que não os devo recomendar por receio de o outro não sentir o mesmo que eu, pois a sua qualidade literária não é o motivo maior da minha escolha, mas o modo como se entrelaçaram de modo singular num momento ou mais da minha vida. Três deles: Maria Tonta como eu; Quem me dera ser onda; Baía dos Tigres. Nenhum deles muito conhecido, nenhum deles considerado obra única.

Há outros que são mesmo grandes obras literárias, praticamente obrigatórias em qualquer estante. Falo, por exemplo, dos Sinais de Fogo, do Jorge de Sena. É uma obra magistral que nunca passará de época.

E o vosso Top 3? Desenhavam-no a partir da monumentalidade e qualidade da obra? Ou do efeito que teve em vós? Ou das duas coisas?

~CC~


quinta-feira, 2 de julho de 2020

Menos muros


Fui em espírito à abertura entre fronteiras entre países vizinhos, irmãos com fronteiras não é bonito.

Às vezes sonho muito alto com um mundo sem qualquer fronteira. Menos muros.

Estou aqui hesitante entre ir a Salamanca ou a Sevilha, duas cidades espanholas que me ocupam parte do coração. Brinco, não tenho agenda nem hipótese, mas a vossa escolha, qual seria?

~CC~