domingo, 28 de julho de 2019

Veja com o coração que tem



Cada um vê uma cidade com o coração que tem.

É linda a vieira que simboliza a cidade de Santiago e para mim ela é água e mar e o arrepio de beleza que me provoca é fruto da minha rendição à natureza, do meu respeito por ela. São também belas as construções medievais, a pedra escura que respira entre os parques verdes cheios de Camélias. O modo como as múltiplas igrejas escuras se intrometem no céu azul.

Vejo que para eles a emoção é outra e procuro entendê-la nos muitos rostos que esperam e esperam para dar um abraço ao apóstolo dentro da catedral. Mas sinto dificuldade em perceber o que encontram e porque se comovem assim. A cidade deles é outra, mas igualmente bela, intensa e comovente. E todos cabem cá, cada um com a sua emoção, se nos respeitarmos.

Uma cidade vê-se com o coração que se tem. Eu vi-a comovendo-me com os símbolos e frases que por todo o lado se afirmam contra a violência machista, com a vontade de me deitar nos muitos tapetes de relva dos parques, com a admiração pelos múltiplos museus de arte contemporânea em que se afirmam exposições que são gritos de revolta pelas misérias da humanidade. Vi-a admirando o modo como falam e escrevem a sua identidade por todo o lado, sem sufocar com ela.

Sabemos que o turismo faz viver e que o turismo mata. E não há um turismo mau e um bom, por mais que gostássemos de ser os do lado bom. Mas o turismo pode ser mais inteligente do que é agora. Andámos por ruas apinhadas e andámos por bairros lindos quase desertos, parques vazios e museus sem ninguém. 

Podemos levar de cada lugar não o que todos querem ver, o que é preciso ver, o que nos dizem para ver, ou não apenas isso. Podemos levar o que o nosso coração escolhe.

~CC~





quinta-feira, 25 de julho de 2019

Chuva de Verão


Os dias têm um acordar cinzento e levemente molhado e poderia facilmente ficar triste, não fora ter decidido que quero ser feliz.

Pode parecer estranho tomar esta decisão. Mas conheço pessoas que parecem ter tomada uma decisão contrária e tudo ou quase tudo as parece tornar infelizes. Em alguns casos talvez não sejam bem elas, é uma derrota a puxá-las sempre para baixo, um interior que fica facilmente mais cinzento que estas manhãs do norte. Dizemos-lhes que são bonitas mas elas acham que troçamos delas. Dizemos que têm valor mas elas desdenham desse nosso olhar. E tudo o que lhes dizemos tem que ser bem medido, pois sabemos que a mais leve das críticas abre um poço fundo. Então, já nem sabemos bem que dizer-lhes.

Os dias de verão costumam nascer luminosos e azuis no sul que conheço bem. Mas aqui não nascem  ou não nascem tantas vezes e aceito-o com a naturalidade de quem escolheu estar noutro lugar e tem que o aceitar como ele é. Mas conheço pessoas que querem estar sempre noutro lugar, estão sempre a pensar em mudar para um lugar que por ser perfeito só existe na imaginação delas, pois quando lá chegarem quererão outro. Cansam-se e cansam os outros nesse caminho.

A decisão de ser feliz foi acontecendo em mim e materializou-se com os anos, à medida que ia valorizando o facto de só ter esta vida. Se tenho mais desconheço-o e por isso não posso trazê-lo à minha consciência como ingrediente de felicidade. A chuva desta manhã é só uma chuva de Verão, apagará fogos, molhará a terra, deixará meninos tranquilamente em casa com os seus brinquedos e mudará os planos de algumas famílias, reinventarei os meus.



terça-feira, 23 de julho de 2019

Sargaços



É o cheiro e a cor do mar do Norte.

E os amontoados de Sargaços junto à orla da espuma que exalam aquele odor forte.

A bruma cerrada das manhãs.

Outros horizontes para gostar.


~CC~


quinta-feira, 18 de julho de 2019

Coisa(s) pública(s)



Ela disse alto, ao telefone, em plena hora de ponta, no comboio: nós já não éramos felizes juntos. E continuou, explicitando, que contudo fora ele a terminar o casamento e que isso lhe tinha custado muito. Estava habituada a ser casada. Contudo, hoje, passado algum tempo, agradecia-lhe. Eu que tenho a convicção que são as mulheres a chegarem à ruptura, mesmo só porque sim, sem terceiros envolvidos, fiquei um bocadinho espantada. Mas ela não referiu se o marido teria ou não outra pessoa, talvez não fosse coisa que se pudesse dizer alto no comboio. Mas a conversa era íntima, pois ela manifestava estados de alma, anseios, angústias e vontades.

Fico espantada com as conversas íntimas que as pessoas têm em espaços públicos em que sabem que todos as ouvem, fazem-no sem pudor, sem qualquer preocupação. Sou incapaz de o fazer, nesses espaços o telefone é apenas para recados, informações, coisas triviais. Ainda sou daquelas que espero chegar a casa para ligar com tempo, no silêncio, sozinha e em paz, usando em público com o interlocutor(a) que ligou um: "já te ligo" ou "ligo mais tarde". É por estas coisas pequenas que se vai descobrindo o quanto pesa o século em que nascemos.

~CC~

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Ladaínha feliz



O que me apaixona é a cor deste mar.

Não, o que me apaixona é a cor deste céu.

Não, o que me apaixona é a cor desta areia, junto a este mar, debaixo deste céu.

Não, o que me apaixona é a tua presença na cor desta areia, junto a este mar, debaixo deste céu.

Existirmos vivas, juntas, faladoras, cúmplices, na cor desta areia, junto a este mar, debaixo deste céu.

~CC~

sábado, 13 de julho de 2019

Constatações matinais



É sem dúvida o melhor sítio para lavar o carro, no meu caso, uso-o no máximo duas vezes por ano. É longa a fila, logo às 9h da manhã de sábado. Na fila de dez carros, predomina a presença masculina, apenas eu e outra mulher. É a proporção inversa da fila do supermercado.

~CC~

terça-feira, 9 de julho de 2019

Não há B, nem C, nem D


Pouco a pouco os electromésticos foram avariando. 

E vieram os diagnósticos, pagos evidentemente. O valor da proposta de cada arranjo pouco abaixo do valor de uma máquina nova. Se adicionado o valor da deslocação, muito próximo mesmo. Diz o entendido que tenho sorte, cada um dos novos não durará metade do que estes duraram (cerca de 14 anos). Significa isto que apesar da tecnologia estar cada vez mais avançada, tudo durará cada vez menos. Já tinha percebido isto mesmo com os carros, lembram-se que duravam uma vida? Os miúdos que neles andavam a comer guloseimas eram os mesmos que neles aprendiam a conduzir. 

Olho para a mobília de quarto da minha filha comprada há meia dúzia de anos, também está toda estragada, os cantos descolaram e a pretensa madeira de faia ficou baça e feia.

As coisas são agora feitas para serem descartáveis, jogadas fora. Pergunto-me amiúde para onde irá todo este lixo. Pergunto-me como fazer diferente, sem conseguir arranjar solução. As máquinas estão ali paradas e ando a lavar roupa e loiça à mão, sei que não é sustentável para mim, mas adio, penso, repenso.

A vida moderna está cheia de paradoxos, de contradições, de dilemas. Fingir que é simples o caminho para um planeta sustentável é ilusório, com pequenas coisas até já consigo fazer o caminho, mas com outras tenho muita dificuldade. Mas a consciência essa está sempre lá: não há planeta B, nem C, nem D...


~CC~


domingo, 7 de julho de 2019

Mapa de paladar(es)



Uma semana de muitos encontros, festas e festinhas, muitos dias a comer fora. Tudo isso a par de muito trabalho,.

Alguns na minha cidade, um fora, esse ficará talvez para outro dia.

Num deles só se pode comer a vista que é linda, de tirar a respiração. A comida é dispensável, nem sei como é possível fazê-la tão sem sabor. Pedimos picante, sempre disfarçou. 

No outro, sem vista, numa ruela escura delicio-me a ver a senhora, já de bastante idade e a arrastar uma perna, a tirar do expositor de peixe as folhas de couve onde os exemplares de várias espécies repousavam. Grandes folhas, muito verdes. Lembro-me que era comum vê-las nos expositores por baixo do peixe mas agora é uma raridade. O sabor da comida anunciou-se logo pelo cheiro. Uma pena a televisão ligada e as flores de plástico.

Eu gosto de quase todos os lugares, dos mais finos e gourmets, às tascas mais recônditas, aos restaurantes que ficam no interior de clubes desportivos/recreativos que são quase só para os sócios, aos recantos de comida ao ar livre em festivais e outras coisas do género. Gosto de perceber o que é, como é, de quem é, quem lá vai, como se vai lá. Há muito para além da comida e há a comida. A senhora das folhas de couve e as folhas de couve eram por si só um achado, qualquer coisa de singular que registei nos meus sentidos todos. O meu mapa dos paladares é feito destas pequeninas coisas, um lugar que me ficou por uma coisinha pequena, não o esqueço mais.

Não me encanto com qualquer coisa mas há tanta coisa que me encanta. 

~CC~






quinta-feira, 4 de julho de 2019

Leis gerais particulares (1)



A minha loja favorita de roupa enviou-me um sms a anunciar descontos de 50%. Apetece-me ir lá mas lembro-me de uma das minhas leis gerais particulares: não compres uma nova peça de roupa enquanto não vestiste uma nova que já compraste.

~CC~

quarta-feira, 3 de julho de 2019

De volta



É verdade que a música retrata um ele que chega e uma história de amor que (re)começa. Nada nela se adequa à sua chegada, a não ser aquele ritmo de valsinha brasileira.

Mas foi a música que ouvi dentro de mim quando a vi chegar. Ela diz que é outra. Talvez...mas ainda se esquiva a abraços apertados, tem o mesmo sorriso grande, as duas rosas de cor no rosto. O brilho nos olhos que traz também vi algumas vezes, mas agora parece estar intenso, fruto do muito mundo que viu.

Teremos tempo para avaliar as maturações interiores, os desejos que ficaram, as coisas que ainda fizeram falta. Certo é que nunca esteve na realidade longe porque o longe é um desencontro que nunca sentimos, uma dor que nunca se instalou. Esteve sempre perto, agora é só um perto diferente, feito de mais sentidos, mais calor, mais hipóteses de partilha.

É bom que tenha ido, é muito bom que tenha regressado.

~CC~

PS. O Erasmus é de longe o melhor passaporte europeu que há.