sexta-feira, 29 de junho de 2018

Que é feito dela?



Bem sei que o cansaço se acumula mais do que a poeira em cima dos móveis. E que quando ele se deposita assim em nós, só o conseguimos sacudir deixando entrar a letargia, a renúncia, o abandono. Estou quase a chegar a esse limite.

É um dizer não que se vai pronunciado devagarinho até tomar força e se entregar a mergulhos de mar, tardes que se prolongam até se enrolarem nas noites, livros que se começam na incerteza de chegarem ao fim tantos são os passeios a chamar-nos. Que bom é sair apenas para ir comer um gelado. Até os blogues ficam em pousio.

Será esse cansaço dela? Sim, comecei este post a pensar nela, em como gosto dela e em como me faz falta. Penso que está bem e está de férias. Penso que está mal e por isso se distancia e se cala. Pergunto-me, pergunto-lhe. E isto tudo respeitando o seu silêncio.


~CC~

terça-feira, 26 de junho de 2018

Verão



Andar descalça outra vez, descalça, descalça, descalça.

(essa memória de toda uma infância)

~CC~

domingo, 24 de junho de 2018

É só um bocadinho



Estava, via-se, fora do seu caminho habitual. Descera um pouco mais à cidade e entrara naquele café habitado por gente das artes e das letras. Curiosamente o café não tinha só mesas e cadeiras mas também um sofá. E ele entrou e sentou-se ali a usufruir do silêncio daquele tempo depois do almoço em que não há quase ninguém e há uma penumbra fresca e silenciosa. Nós trabalhamos ou tentamos, cada uma numa mesa com o seu computador, bebendo também aquela calma, tão contrastante com o bulício da manhã.

Encostou-se no sofá e dormiu um bocadinho. Quando acordou ligou à mulher: ainda demoro mais uma meia hora, dormi um bocadinho e agora preciso de acordar, estou naquele café de que te falei, onde te disse que gostava de entrar um dia. Do outro lado o ralhete e ele a tentar acalmá-la: ninguém viu que eu dormi, foi só um bocadinho, não fiz figura triste nenhuma, não comeces já a ralhar.

Eu vi mas não digo nada a ninguém, muito menos à mulher dele.

~CC~

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Coisas mínimas



Hoje, pela manhã, um arco-íris inteiro na minha janela. Todas as cores direitinhas como quando somos meninos e os desenhamos.

Só fiquei sem saber em qual dos lados eu deveria ir procurar o pote, não um pote de ouro, só de vida.

~CC~

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Cafés com história




A comer um folhado de Loulé, a ouvir poemas do Fernando Pessoa, a adormecer o meu cansaço sonhando ver por ali o António Aleixo, quase o senti. Foi na casa do meu avô, um pescador com a quarta classe, de Olhão, que li pela primeira vez um poema dele. O meu avô tinha três livros, os três eram de poesia e dois eram do António Aleixo. 

~CC~

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Duas malditas lágrimas furtivas



Eu não sei. Não sei de foi o dobrar dos cinquenta. Não sei se foi da doença. Não sei se são eles que são melhores do que eram antes. Do facto de ter ficado doente estavam eles no 2º ano e da minha ausência e do meu regresso estar associado ao percurso deles. Se é desta chuva miudinha que não larga.

Duas malditas lágrimas furtivas.

Um esforço para conter mais. E parte passa não só por eles como pessoas, mas pelo trabalho que realizaram nos seus estágios.

Achar que vou ter saudades deles, da maior parte deles.

Que diabo, nada é como era antes. Não me emocionava assim, não me entregava assim. Sabia tão bem tecer as fronteiras. É claro que sempre houve alunos que ficaram, alguns que continuaram a escrever e a ligar mesmo depois de terem saído. Uma minoria de qualidade, de primeira.

Nada como agora. Estou aqui a recuperar da emoção de quarta e quinta, atontada.

A ver vamos se regresso ao formato que aquele moço mais atrevido caracterizou.
O meu pai professora viu-a e perguntou: mas é daquela professora pequenina e magrinha que vocês todos têm medo? Ele diz que respondeu que não era medo, era respeito.

Respeito é bom e custa, oh se custa a conquistar. Mas se calhar também pode combinar com as duas lágrimas furtivas. É claro que ainda lhes chamo duas malditas lágrimas furtivas.

~CC~








terça-feira, 5 de junho de 2018

Rir juntos


Quantas histórias ficaram a ecoar dentro de mim, não obstante o mergulho no intenso trabalho que me esperava.

Uma das melhores foi contada pelos brasileiros, povo tão irmão. 

Diziam eles que o Saramago numa sessão de apresentação de um dos seus livros no Brasil, foi interrompido por alguém na plateia pedindo: por favor, pode falar mais devagar, não estamos entendendo você por causa do seu sotaque. E o Saramago respondeu-lhe: então nós inventámos a língua e eu é que tenho sotaque?

Podermos rir juntos disto anula todo um possível drama entre colonizadores e colonizados. E não seria assim em todos os países pelos quais andámos armados em donos.


~CC~

sábado, 2 de junho de 2018

Com asas



Foi a primeira vez que fui interrompida na moderação de uma mesa redonda por punhos erguidos, gritando "Lula livre".  Mais tarde, "Catalunha Independente". Só faltou um português começar a cantar a Grândola. A verdade é que a cantamos depois todos juntos em pleno jardim. E juro que era um congresso académico puro e duro. Mas as pessoas andam inquietas, preocupadas, indignadas. Não sei se uma direita mais e mais conservadora dará azo a uma esquerda mais radical, mais revoltada.

A mim a revolta não me dá para grandes gritos, mais para silêncios e lágrimas. Aconteceu-me na mesa final dedicada aos direitos humanos.

Mas não foi um tempo triste, apesar destes traços indignados, imperou a alegria de uma comunicação em múltiplas línguas: catalão, galego, castelhano, basco, português do Brasil, português de Portugal. E a alegria de estar com aquele pequeno grupo que trilhou um percurso académico em conjunto sem perder elos de companheirismo e amizade.

E ir, ser capaz outra vez de ir, dos aviões, da exposição pública, de comer com os outros em sítios públicos e quase o mesmo que eles. De andar e andar numa cidade desconhecida, de aguentar o cansaço.

As asas, acho que já não as quero deixar.

~CC~