sábado, 31 de outubro de 2020

Notícias da vizinha do lado

 

Foi num destes domingos já passados. Abri a porta de casa e ouvi barulho na cozinha. Corri ligeiramente o cortinado e confirmei a presença da vizinha na varanda. Com ela, uma amiga.

Tudo parecia ser como antes, os copos de Gin, as gargalhadas, a música alta.

Mas durou apenas uma tarde, aquela tarde. Desapareceu novamente e verifiquei que a varanda estava tão suja como antes. Significa isso que nem a limparam para a tarde de festa, fizeram-na ali entre a sujidade deixada pelos pombos. Só não fiquei mais estarrecida por imaginar que depois de umas quantas bebidas todos os lugares se possam assemelhar a um pedaço de paraíso. O mundo está mesmo a ficar um lugar estranho.

~CC~


quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Acordar

 

Uma coisa que me caracteriza?!

Acordo feliz e com energia, raramente triste e sem vontade de nada. Adoro pequenos almoços, são a minha refeição do dia preferida, tenho fome.

Ao adormecer nem tanto, pesa-me a intensidade do dia, o que coloquei na lista e não consegui fazer e a falta de uma série televisiva que dure não mais que 45 minutos e me ilumine. Não ligo a jantares, a não ser em dias de festa ou saída.

E tu?

~CC~



segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Não como nós

 

Ele pergunta.

Já fiz idêntica pergunta a mim própria muitas vezes.

Já respondi também, mesmo que sem poder ter a certeza do que penso e digo. A identificação é um sistema complexo.

As pessoas mais pobres, vulneráveis, de grupos minoritários ou tão simplesmente de classe média ou média baixa não desejam ser representadas pelos seus iguais, primeiro porque ver essa imagem no espelho é confrontar-se outra vez consigo próprio e com a sua dor. Em segundo lugar, não acreditam que essas pessoas, uma vez no exercício do poder, se lembrem de as quem as escolheu para as representar, pensam que, ao invés, se vão aproveitar para esquecer isso e frequentar a mesa do rei. Basta ver junto de quem vendem as revistas que mostram o interior das vidas de luxo. Se há quem fuja à regra, há. Se pode ser diferente, pode. 

Há mesmo quem nunca sonhe com Porches ou Ferraris e nem consiga compreender o encanto de uma pista de Fórmula 1.

~CC~







sábado, 24 de outubro de 2020

Transparência

 

Já foi o café onde encontrei, como proprietária, uma irmã de uma amiga a quem há muitos anos tinha perdido o rasto. Depois ela desapareceu como tinha chegado, sem aviso relativo ao destino de partida. Por isso, quando a olho atrás do balcão, ainda é a pensar na outra. Desabafa ela que suspeita que o álcool gel lhe está a tirar as impressões digitais. 

Digo-lhe que não se incomode que eu já não as tenho. Ela olha-me incrédula e mostro-lhe os meus polegares, dizendo-lhe que apenas ali sobrou alguma coisa, são eles que constam no meu passaporte. Mas foi antes da pandemia, suspeito agora que nem já os polegares poderão provar a minha existência. Não lhe digo, contudo, o resto, ou seja, que não me desagrada a ideia de ser etérea. 

~CC~


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Espelho meu

 

O espelho era antes um olhar breve, nem dava por ele.

Agora estou sempre a ver-me nele e a ter consciência do que os outros vêem. Isto de ter que lidar diariamente com horas e horas da minha própria imagem, ainda por cima a fazer gestos, a falar, a inclinar os olhos e a cabeça, é uma tortura. E o pior, mesmo o pior, é que ganhei consciência de como, ao falar, coloco a boca de lado e deste espacinho feio nos dentes do maxilar inferior. Será que posso criar ícones de mim, avatares, outras imagens para me substituir?! Se há criatividade nos fundos que usam, ainda não a vi aplicada às pessoas. Eu, poderia, com vantagem, ser um girassol falante, um golfinho ou uma grande nogueira.

~CC~


terça-feira, 20 de outubro de 2020

E o riso das árvores...

 


Vou desfazendo as malas aos poucos, durante o tempo que aqui permaneço. Isso justifica que tenha de lá tirado o fato de banho e me agarrado a ele já com saudade. E é com pesar que irei arrumá-lo na gaveta, agora que sei que até um voo tropical está fora de horizonte. Parece ser um tempo tão longo até ao Verão. 

Água essa há, desde ontem em catadupa como se tivesse vindo para ficar. Sei muito bem do seu valor, ao contrário de mim as árvores devem estar a rir-se, vestindo os seus fatos de banho para um enorme mergulho.

E o riso das árvores abafa a minha tristeza, quase a calo.


~CC~



segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Diz-me uma coisa

 


Diz-me uma coisa que te caracteriza.

Digo-te.

Quando eu era jovem escrevia livros inteiros em sonhos, capítulos e mais capítulos. Depois passaram a ser apenas contos, histórias, micronarrativas. E agora sonho só frases, algumas que passam de noites para noites e são para mim próprias misteriosas.

Tirar a sombra dos olhos

Onde o vento faz a curva.

Foram estas as das últimas noites.

~CC~


Nota: A segunda juraria ser o título de um livro de alguém bastante conhecido, se souberem quem, digam.






sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A incluir

 

Tenho vindo a adquirir novas competências de teletransferência, quando o coração está num lugar consegue levar-me mesmo que o meu corpo esteja noutro sítio. 

É verdade que isto não está escrito nas 141 páginas da visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030, mas creio que um autor poeta deve reconhecer esta manobra de resiliência. E ainda para mais sendo um conterrâneo. 

~CC~




quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Pedagogia da proximidade

 

Não medem exactamente bem a palavra distância. Ou não sabem qual o seu peso. Por isso usam-na a todo o momento.

À distância dos que amamos. 

A distância é um buraco negro, desses que até que engolem pedaços de céu.

Não podemos ficar distantes. É agora que temos que ficar próximos.

Imagino assim uma pedagogia da proximidade. Como se as palavras pudessem ser carícias pousadas sobre a pele e o os olhos aprendessem a sorrir por si só para colmatar a boca tapada.

Ontem abri pela primeira vez, em tantos meses, a porta da casa a alguém que não é da família. Colocámos as máscaras, sorrimos com os olhos, nada foi fácil, mas aconteceu.

~CC~







domingo, 11 de outubro de 2020

Tomamos posição!

 

Nós tomamos posição!

E tu? 


Começa hoje a campanha: Mobiliza-te contra o sexismo! (1)

(1)  Mais informação aqui.

~CC~




sábado, 10 de outubro de 2020

Como elas

 

Como elas, uma e outra mulheres de fogo.

Não, eu também não quero que se instale esse ridículo novo normal. Não quero habituar-me a ele como quem veste de vez uma outra realidade. Não usem também a palavra resiliência, gostava dela antes, mas agora tornou-se tão banal que já não serve, prefiro resistência ou mesmo combate. Ou mesmo luta.

Prefiro saber que o que vivemos é mesmo um tempo de loucura, de estranheza, de tristeza.

E ainda assim não enlouquecer, entristecer às vezes e estranhar quase sempre.

~CC~


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Banho de mar

 

Um Outubro assim, de sol e mar.

É como uma estrada que tomo na bifurcação sabendo que era a outra que devia tomar. Quando já a percorri absorvendo o cheiro a ervas, a maresia, a silêncio e, sobretudo, a liberdade, volto atrás e tomo a outra bifurcação. Fresco o banho de mar e ainda tão bom.

Vou seguindo pela estrada certa, cheia de agitação, barulho, ecos do mundo e, sobretudo, muito trabalho. Aguento-a na esperança de amanhã acordar e ser outra vez este Outubro de sol, ou aquele outro, em que experimentei pela primeira vez o sabor do teu beijo.

Quando a chuva chegar, acabam-se as bifurcações, os enganos, o faz de conta que ainda não começou mesmo, mesmo a sério. Espero não ficar excessivamente triste a cada hora que anoitecer mais cedo.

~CC~


sábado, 3 de outubro de 2020

Atravessando o Outono

 


Se com o meu abraço eu pudesse torná-lo feliz. Mas os meus braços parecem-me pequenos, magros e desajeitados. Os meus braços são insuficientes. E o calor do meu abraço só aquece uma parte do seu corpo, sei que a outra me escapa porque há parte de mim que também lhe escapa. Mas ainda lhe quero muito, há uma ternura transbordante quando penso nele e no que para mim significa. E ele não quer ser feliz, isso não lhe diz nada, como tal, talvez o meu abraço sem força ainda lhe chegue, talvez este calor tímido, este beijo doce, este sorriso que lhe ofereço. Queria saber e não sei, não sei realmente. Talvez ele não saiba também ou nem queira saber. Pequenas dúvidas com as quais a vida segue, não podemos realmente tropeçar nelas, talvez seja isso a vida e não outra coisa qualquer. Ou será?

Talvez seja apenas o Outono a agarrar-me. O final dos dias é já frio.


~CC~


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Retro

 

Voltei a ouvir CD em modo de repetição. 

É uma coisa que há muitos anos não fazia enquanto trabalhava.

Custa-me a tirar o "Cinema" e a mudar para outro CD. Podia ficar eternamente a ouvi-lo de tão belo que é.

 Agora que a oiço dou-me realmente conta de quanto a casa cheia de música me fez falta.

~CC~