quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Haja saúde...


Num dos hospitais do Espírito Santo Saúde, conversa entre as funcionárias da recepção, bem na frente da cliente (eu mesma):

- Quando é que folgas?
- Amanhã
- Bolas, que sorte...
- Que sorte porquê?
- Também queria...
- E vais ter, todos aqui têm o mesmo numero de folgas...

Entra uma terceira na conversa

-Sim e gozem-nas bem porque quando os chinocas vierem aí, acabam-se as folgas, eles não sabem o que é isso

~CC~

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

E já saudade



A nossa foto num dos móveis antigos do que parece ser a sala da avó. Sim, de certa forma foi isso que aconteceu nestes seis anos, um espaço de conforto, quase intimo, onde levei tantos e tantos amigos, onde fiz reuniões de trabalho,  conversei comigo mesma, fiz almoços com a filha, alguns em que até esteve o pai dela. Foi a festa dos 15 anos, se me recordo, um bolo de chocolate com morangos como não há memória, tão lindo quanto delicioso. Eram uns miúdos ainda...Voltámos lá pelos 18 anos, agora só entre adultos, num pequeno jantar com muito riso à mistura, cúmplices.

Pode um restaurante fazer parte da nossa vida? Restaurante?! Sim, custa-me chamar-lhe assim, não é bem isso, é também um café, um salão de chá e, sobretudo, um porto de abrigo. Comentávamos entre nós a criatividade de cada menu, o arranjo esmerado de cada prato, a surpresa de cada sobremesa, tudo a preços que não são propriamente módicos mas são razoáveis, comportáveis. Houve algumas coisas tristes, partiu uma das irmãs que geria o restaurante, com aquela doença que bem sabemos pode ser veloz.

Fui despedir-me da minha segunda casa cor de rosa. Pensei que seria um bocadinho triste mas não tanto como foi. Um dos empregados mais antigos fez um esforço enorme para segurar as lágrimas enquanto conversava connosco, imaginava eu que tinham sido para mim seis anos importantes, afinal percebi como para eles tinham sido seis anos de entrega total ao espaço, já não falávamos de empregados mas sim de vidas.

Parece que irá abrir outro espaço, mais pequeno, mais rentável como agora se diz e valoriza. Não poderá ser igual jamais, embora deseje que corra bem. Duas casas cor de rosa numa vida tornam-na de facto bem menos cinzenta, ocorre-me assim um obrigada. E já saudade.

~CC~


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Quarto azul e outros quartos mais



A miúda que está grande cortou o cabelo quase pela metade, é verdade que era longo e ficou apenas meio longo mas é uma coisa que qualquer mulher nota, isto fez com que descobrisse que todos os rapazes amigos e adultos homens não tinham sequer reparado que ela tinha cortado o cabelo, ao passo que todas as raparigas sim.

Não quis ser demasiado má, dizendo-lhe que se fosse a vizinha do lado com a qual nem sequer falam, eles teriam reparado. É chato falar dos homens pois todas as generalizações são naturalmente abusivas e teríamos que dizer: tendencialmente os homens não reparam nas suas mulheres, nas suas filhas, nas suas mães, naquelas que partilham o círculo da sua intimidade. 

O filme quarto azul é o retrato mais fiel e acabado de como os homens lidam com as mulheres, respondendo-lhes amiúde com distracção, não reparam no peso das palavras que elas usam e na força que elas têm no coração. As mulheres são capazes de todas as tragédias enquanto os homens assobiam para o lado. O homem que tem um caso não é igual à mulher que tem um caso, o filme retrata isso de forma rigorosa, precisa. Ele arranja só uma amante, uma coisa volátil, que um dia irá desaparecer como chegou, sem dor nem história. Ela quer um homem que seja dela, só dela, aceitando que naquele momento não o é, mas projectando um futuro dos dois. Na anatomia do crime só ela é verdadeiramente culpada e ele é totalmente inocente, no entanto não me causou pena, nem senti simpatia por ele. Todo o homem que não ama e deambula entre mulher e amante sem verdadeiramente querer nenhuma delas não me merece respeito, preferi-a a ela, trágica e louca na sua obsessão amorosa. Pois, cresci mulher.

~CC~




segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Coisas e causas domésticas



As amizades que desaparecem não doem como um amor que acaba. È como comparar uma dor forte no peito a uma dor suave e duradoura numa parte qualquer do corpo, não mata, não nos traz ódio, é só uma tristeza que fica, que parece ir, que volta às vezes. Ontem à noite raspei uma courgete para a salada e lembrei-me de quem me tinha ensinado a fazê-lo. Lembrei-me por causa desse gesto pequeno, tão trivial, tão doméstico, de tantas outras coisas que tinha vivido com essa amiga. De uma amizade boa que permitiu atenuar momentos de dor, meus e dela. Não, o caso dela não é igual ao de outros amigos que o tempo afastou, que vivem longe de mim, mas que ligam às vezes. Há doçura quando ligam, há saudade. O silêncio dela comporta alguma dor que não sei interpretar, alguma zanga que não disse, algum mal estar que não transpareceu inteiro e pleno. Se voltar teremos perdido meses das nossas vidas, coisas que não dissemos, tempos que não vivemos. Se não voltar ficará a sua memória, mais alimentada por coisas boas do que por más. É bom que a possa guardar assim, mas preferia que não tivesse ido. Não gosto de perder amores mas amigos muito menos. Envelhecer é também querer que as coisas permaneçam, que não mudem, é querer o conforto de quem nos conhece.

~CC~

domingo, 19 de outubro de 2014

Fora de casa



Os dias amanheceram chuvosos e cheios de nevoeiro na serra. Quando descíamos até à cidade as nuvens mostravam-se mais distantes e o calor fazia-se sentir. Não chovia mas permanecia no ar uma humidade tropical que nos amolecia. Os congressos são liturgias com partes muito boas (ver os amigos, os conhecidos, aqueles que admiramos profissionalmente...) e outras a cheirar a velho, a carecer de renovação urgente (a tendência a endeusar certas personalidades, a alimentar egos cheios de mais, a fazer aparecer gente que ainda carece de crescer muito para andar por aqui, o marcar presença pela pressão "bibliométrica" a que estamos sujeitos...). Três dias de coisas boas, menos boas e outras curiosas (como ouvir tocar pela primeira vez um gamelão).

Hoje o dia nasceu de sol em plena serra e foi possível notar a cor das folhas das árvores, a variar entre o amarelo, o laranja e o vermelho, uma prendeu-me o olhar pelo seu vermelho absoluto, de parar a respiração. O polje ainda não se encheu de água, apesar dos muitos cogumelos que dizem estão a brotar da terra húmida. Faltou-me a caminhada pela serra, desci demasiadas vezes à cidade. Encontrei, contudo, pérolas. Entre elas uma livraria linda e dinâmica numa cidade a pulsar de vida cultural. 

~CC~

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Como um dia de chuva leve


Um outro na nossa vida, penso no significado disso enquanto registo a ténue tristeza que invade corações que assinalam rupturas recentes. Já vi rupturas dolorosas, quase sempre trazidas por traição, alguém que foi trocado quando a relação não tinha sido dada por finda. Sei da fúria, da zanga. 

Mas as rupturas leves, semi doces, em voz sussurrada, em que todas as razões parecem tão sem razão, esvaziam mais. O inesperado não reside no amor ter acabado mas sim na forma como foi definhando sem deixar marca, um arrastar lento de uma dor que nem se nota. Porque se entristece quando já não brilhava? Porque se chora quando já não se ria? Porque o outro faz ainda falta, é ainda aquele calor que passa numa festa de cabelo, numa mão que se dá, num telefonema de auxílio. Antes ele era qualquer coisa que nem se notava, nem se sentia falta, mas agora que se foi é a sua ausência que alastra por todo o lado. Estas são as rupturas que se choram baixinho. Fico com uma vontade de abraçar estas mulheres, mas não se consola quem não grita, quem não se zanga, quem não protesta. Ainda assim, fico com vontade de as abraçar.

~CC~

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Da luta





Dona Ermelinda está entusiasmada com a possibilidade deste governo se ir embora, é vê-la a cozinhar com este desígnio. 

~CC~

domingo, 12 de outubro de 2014

Eram meninas


Eis que crescem. Lembro-me de como eram inquietas, vivas, brincalhonas, às vezes faziam birras, só gostavam de comer algumas coisas, desarrumavam muito, ajudavam pouco. Já tinham este brilho que hoje me parece em ascensão, como se fossem estrelas a traçar o caminho até encontrarem o seu lugar para poderem brilhar em pleno. As três meninas mais próximas, uma quarta que vem um pouco depois. Agora senta-mo-nos com elas à mesa, já não lhes fazemos a mesa à parte para que nos pudessem deixar em sossego, entre adultos. Elas são já jovens adultas e o país ainda não lhes roubou a esperança, querem estudar, querem trabalhar, querem ser. Ainda riem muito e é tao bom ouvi-las rir. Escolheram caminhos tão diferentes, uma já acabou economia, outra escolheu uma escola profissional de teatro já no secundário e outra acabou se iniciar o seu percurso universitário em medicina dentária, mas ainda a sonhar com medicina. A sensação quando as vejo, tão bonitas, tão inteligentes, é de que não podemos perder estas mulheres, que há uma luta inteira que passa pelo futuro delas, pelo que nós trabalhamos por este futuro delas.

~CC~

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Outro(s) espaço(s)


Terei tempo para mais alguma coisa. Não, nem mais uma. Mas ela fotografa e aprecia como ninguém. E não é mais, é o tempo que uso para fazer nascer sabores, aromas, é cá dentro, o que se passa cá dentro, nada feito de propósito para o blogue, para fotografar, é dentro da vida de todos os dias. A maior parte das vezes sem qualquer receita, é invenção com base no muito que já vi e provei, sem qualquer intenção que não seja mostrar o que se põe na mesa quando nos queremos esmerar mais um pouco, num fim de semana ou num dia de semana com um bocadinho mais de tempo. O que há mais por aí é blogues de chefes e protochefes. Este é da Dona Ermelinda.

http://donaermelindaf.blogspot.pt/

Ermelinda era o nome da minha avó algarvia, uma mulher calada que colocou no mundo mais de oito filhos (na verdade quase todas raparigas), alguns que precocemente faleceram. Gosto de Ermelindas, mulheres do povo e de muito aguentar. Aposto que sabia fazer peixe assado, xarém, e pouco mais. Também não havia muito mais.

E a pares é diferente, faz-me ter saudades do meu primeiro blogue que era colectivo. Depois disso fiquei para aqui a morar sozinha. Ora provem...

~CC~

sábado, 4 de outubro de 2014

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A idade dos primeiros lamentos



Os jantares semi trabalho-quase amizade são assombrados pelas nuvens da meia idade, há quem já tenha tido a doença (bicho mau), há quem a tema, há quem veja em tudo os sintomas de que está perto. Já não se consegue comer tudo e como todas conduzem de volta a casa, bebem pouco, já ninguém fuma. Os preâmbulos que dantes começavam com algum tipo de exame aos filmes vistos, aos colegas com charme, às últimas notícias das política, são agora gastos com longas descrições do cansaço, do mal estar físico centrado ou não numa parte do corpo específica, das muitas tarefas que as organizações por iniciativa própria ou de algum organismo central estão sempre a criar para encher o tempo e torturar de forma miudinha os seus trabalhadores. Há queixas, há lamentos. Costumava detestar isto. Ainda quase não consigo dizer nada, tenho imensa relutância em queixar-me, em dizer coisas sobre mim, em revelar sintomas de dor ou mal estar, prefiro ignorar, fazer de conta que não existem, esquecer. 

No entanto percebo ultimamente que me faz bem perceber que há mulheres a envelhecer como eu, a comprar leques para enfrentar a menopausa, a dormir de janela aberta, a ouvir pela noite o miar dos gatos. Ainda oiço mais do que falo mas esta terapia espontânea de jogar sobre a mesa os sintomas torna-nos bichos humanos a enfrentar o envelhecimento, na velhice não serão apenas os preâmbulos, será grande parte da conversa que teremos e será bom tê-la com alguém. A minha tolerância aumentou imenso em relação à fragilidade alheia e de algum modo à minha. Não que ser forte, ter esse rumo da resistência, essa vontade, tenha deixado de ser a minha meta, foi ela o meu norte toda a vida e se a perder espalho-me ao comprido. Mas ganhei outras ambições, outras metas, outra relação com o mundo. 

~CC~