sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Apenas isso



Parte I - Chorei

Hoje chorei pela primeira vez umas lágrimas à toa, fruto do cansaço que senti por ter ido a um centro comercial. As pessoas andavam num frenesim patético em torno de roupa, adereços, comida, era como se as visse num filme, não conseguia sentir nada, só queria sair dali. Tenho que evitar lugares perigosos para a minha sanidade mental.

Parte II - Desejar

Ando às voltas com isto dos desejos.

Eu sei muito bem o que quero, eu quero apenas desejar. Eu desejava sempre muito, os meus desejos eram um fulgor, eram claros, eram inocentes. Quero apenas que volte a mim o acto de desejar plenamente, sem nada que corrompa esse clarão puro de luz e esperança. Desejar sem deixar entrar o pessimismo, a renúncia, a descrença. Quero que o meu corpo trema, o meu coração palpite, o espírito viaje. Não tenho desejos, só quero desejar.

~CC~



quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A diferença está nas pessoas


Concluo, com algum desagrado, que a diferença essencial no modo como os serviços funcionam, quaisquer que eles sejam, está nas pessoas. Digo isto com alguma amargura pois a função essencial de que me ocupo há 30 anos é formar pessoas. Com mais desalento ainda porque o doutoramento que tirei é na área das políticas e das organizações, ou seja, não é tanto a nível micro, mais macro, os olhares sobre o sistema. E porquê o desagrado, amargura, desalento?

Neste tempo em sou acompanhada na mesma instituição médica, contactei três médicos, todos homens. Apesar de estarem irmanados nas suas orientações, reunirem em equipa médica, possuírem orgulho em relação ao local em que trabalham, são completamente diferentes. 

Ao mais fraco chamo-lhe o boss por ser o chefe do serviço, supostamente o melhor, mais capaz. Até pode ser, mas não na comunicação nem na clínica. As consultas demoram no máximo 5 minutos e ele acaba-nos as frases, do tipo "ando aqui a virar frangos há muito, por isso sei o que vai dizer". Zero de empatia. Ao melhor e também ao mais novo chamo-lhe doutorzinho, parece quase da idade da minha filha e faz clínica a sério, ouve-nos, observa-nos, comunica. Infelizmente só me atendeu enquanto o chefe andava por fora, em congressos, comunicações e afins. Por mim teria feito a troca para sempre mas não tive essa sorte. O terceiro é cirugião e como sabem eles não são seres bem deste mundo. Por isso perdoo as vezes em que baixou os olhos cada vez que me encarou e o esforço que faz para encontrar palavras que não sejam excessivamente técnicas, até dói. Mas embora seja de poucas palavras, deu-me a mão e apertou-a ligeiramente quando eu entrei para o bloco operatório, para cirugião esse gesto já é muito. E quando chegou para me ver depois da primeira operação, começou logo a tirar adesivos, a apalpar-me a barriga, com um à vontade que me deixou tranquila. Tem um outro modo de construir empatia.

Estes três médicos andaram na mesma escola de formação e sabemos que as instituições são coisas que mudam pouco, os dois primeiros devem até ter idades próximas. Também fazem parte da mesma organização. Logo, onde reside tamanha diferença? Isto meus caros não me preocupa apenas pela minha situação particular. Isto preocupa todos aqueles que andam à procura de como as coisas podem mudar. De como podemos influenciar a mudança. De qualquer modo há muito que vou dizendo que não há formação sem transformação e essa, essa é que é difícil. Se a diferença está nas pessoas, como se mudam as pessoas?

~CC~


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

23-26 Dezembro



Percebo quem odeia esta festa, quem a tolera, quem a adora.

Nunca gostei muito de festas, muito menos as que somos obrigados a festejar, sem hipótese de saída, encurralados pela sociedade em êxtase. Odiei todos os telejornais a acabarem com capítulos sobre comida de Natal, decorações de Natal, famosos ou nem tanto a contarem as suas memórias de infância...um excesso, um delírio, uma inutilidade de minutos que poderiam ser gastos com coisas tão preciosas.

Acresce que esta festa implica o que em qualquer manual de psicologia vem descrito como a matéria mais combustível que há: a família. Não acabam mais as famílias que por obrigação se têm que juntar, muitas vezes sem nenhuma vontade de o fazer. Poderia escrever-se um livro inteiro de histórias sobre os pequeninos ódios familiares, os que não matam, mas minam como uma dor contínua.

Mas só me incluí no grupo de quase odiar esta festa até ao dia 23 de Dezembro. Depois cheguei a uma aldeia na serra, comecei por ver uma das árvores de Natal mais bonitas de sempre, feita por um jovem oleiro que com uma pedra de mó, um tronco repleto de musgo e uma dúzia de ovelhas em miniatura (feitas de barro e lã natural), mostrou como a simplicidade e a natureza são bonitas. Literalmente acampámos entre 23 e 26 de Dezembro, numa composição familiar variável mas com algumas permanências fundamentais. Por isso o meu Natal só acabou hoje. Todos foram iguais a si próprios e é esse o encanto de sermos nós, ninguém disfarça quem é. Sabemos tão bem os defeitos uns dos outros que são mesmo eles a parte que nos faz mais falta.

Obrigada Ernesto pela forma como fazes parte desta família, pela forma como tudo, literalmente tudo fizeste para nos acolher. Não esteve mesmo frio, apesar de ser na Serra.

~CC~




terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Abraços como combustível de luta



O que quero para mim neste Natal?

Simplesmente manter a normalidade. Isso significa que a matriarca fará o pudim de laranja, ainda que com ajuda, é que os seus 88 anos permitem, há muito que as filhozes fininhas da sua especialidade tinham passado para a minha área de intervenção. Este ano, a minha falta de força no braço direito não as permitirá fazer. Não lhes sentirei assim tanto a ausência porque a vida se faz tanto do que permanece como daquilo que se vai e eu introduzi pelo menos um novo doce que se tornou querido de todos.

Isso quer dizer que nos tentaremos manter juntos, pelo menos um núcleo duro, constituído pelas pessoas com as quais passo o Natal desde a minha infância, as duas manas, a minha mãe. Os que vieram depois, os nossos filhos. Também alguns dos pais dessas crianças, algumas já adultas. Senti imediatamente e inicialmente que a minha doença seria um motor de desagregação deste núcleo duro, era na casa do meu amor que o Natal se passava nos últimos anos e tinha conseguido o milagre de juntar a cada ano mais gente, não perder ninguém. Mas não era capaz de fazer o mesmo, de os receber no mesmo sítio e da mesma maneira. E então nós que somos do Sul iremos rumar mais a norte, a uma aldeia que quase ninguém conhece, a uma casa que pertence tão só ao pai da minha filha. E não quero usar palavras técnicas como famílias recompostas, novas ou o que quer que seja. Isto é só uma família, uma forma de se ser família, não se consolida por laços de sangue mas por abraços que se precisam para enfrentar a turbulência em mar alto. Esta família anda como o mundo, intensamente assolada por tempestades e maleitas (não apenas eu), pelo que todas as provas de sobrevivência dos afectos são o ingrediente principal da mesa, da festa. É isso que espero. Abraços como combustível de luta.

~CC~


PS. Desejo assim a todos vós que recebam pelo menos neste um abraço genuíno e quente neste Natal e que a vossa luta, seja ela qual for, se alimente com ele.





domingo, 18 de dezembro de 2016

À conta das células felizes que me sobram



Dia 16, sexta feira, iniciei o 3º ciclo da quimioterapia, o último antes da operação. Estes primeiros dias são os mais difíceis, um cansaço que nem sempre é sono, mas custa mais a ausência de quase tudo o que seja desejo, como é possível que um químico possa matar isso. Não é só não ter fome, é rejeitar ver pessoas a comer. Passará, um pouco mais à frente.

Penso que devia chorar pois ainda não o fiz uma única vez, quatro pessoas fizeram-no por mim ou por elas mesmo, já que a relação com algumas delas não justificaria tal. Em vez de chorar, escrevo. Sabemos como a escrita exorciza o mal, uma vez escrito saiu fora da nossa pele e já só dói metade.

Não tomo antidepressivos nem ansiolíticos, aguento-me à conta das células felizes que me sobram, tentando animá-las com a hipótese de cumprir os sonhos e desejos que são ainda fulgurantes dentro de mim. Parece que é o tempo de alinhá-los numa lista mas não sei se terei racionalidade suficiente para tal ordenação. Umas vezes aparece um com muita intensidade para no dia seguinte lembrar-me de outra coisa que sempre quis. Recorrente é apenas a vontade de retomar grande parte da vida, o que estranhamente me mostra que afinal era uma vida feliz. Na semana passada voltei por um breve momento às escolas difíceis que eu apoiava (como amiga crítica ou perita externa, mas confesso não gostar de nenhum desses nomes) e o encontro, verdadeiramente caloroso, evidenciou-me o quanto estou ligada a eles. E quantas vezes antes pensei desistir, não só pelo cansaço de acumular essa tarefa com muitas outras, mas por ter pensado que tinha esgotado o meu poder de ajuda e a minha crença na sua vontade real de vencer dificuldades e mudar coisas. A vida dá voltas e voltas, deve ser por isso que a terra é redonda.

E numa dessas voltas, também eu hei-de voltar, se não igual, um tudo nada semelhante ao que fui.

~CC~





terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Entulho natalício



Vi num pequeno largo três laranjeiras carregadas de laranjas, alinhadas na continuidade umas das outras, formavam um conjunto de verde harmonia. Ao olhá-las senti o aroma da laranja e do limão que acompanham esta quadra, só faltava a canela. Foi a única coisa que me tocou.

Deviam deixar a natureza vestir-se por si própria para festejar o Natal. Ela veste-se sem nós, há laranjas, limões, pinheiros, azevinho, castanheiros, nogueiras, água, neve.

A maior parte dos enfeites de rua são puras aberrações natalícias, como não chamar isso a pacotes de prendas penduradas em candeeiros? Quando há pinheiros naturais nas rotundas, estragam-nos com bolas gigantes brilhantes.  Há ainda umas árvores compostas de arame e luzes, uns cilindros enormes que parecem competir entre si para dizer qual é a cidade com a árvore mais alta, deve ter sido uma empresa a vendê-las a todas as câmaras, pois são praticamente iguais. E que dizer das aldeias de natal que são amontados de casinhas com um pai natal e vária mães natal, elas quase sempre de mini saia? As ruas estão cheias de entulho natalício, um carnaval antes de tempo, um desperdício.

Tudo isto fez com que não coloque em minha casa mais do que um apontamento minimalista que este ano ainda nem sequer encontrei. E isto é escrito por alguém que gosta muito do Natal.

~CC~








sábado, 10 de dezembro de 2016

Esta manhã




Uma semana sem a bomba infusora da quimioterapia. Sem o fio que me atrapalha e condiciona os movimentos, pude tomar um banho completo e enrolar-me numa toalha, isto, que é quase um nada, foi a suprema maravilha.

~CC~

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Ele, Daniel




É verdade, o Daniel também sou eu, tu, ele. Todos somos Daniel.

Afogados pela burocracia que tudo engole como um mostro silencioso, inumana, feroz, insaciável.

Ontem ao telefone para o centro de saúde; eu queria saber...Do outro lado: não é aqui! Telefone pousado com estrondo sem me deixar fazer a pergunta seguinte que me ficou a morrer na garganta. Sou eu quando o médico me interrompe depois de me ter perguntado pelos meus sintomas e continua a falar como se estivesse dentro de mim, somos nós sempre que somos atendidos por gente que nem nos olha e apenas se fixa no computador.

Daniel é todas as pessoas idosas que quando as bilheteiras estão fechadas não conseguem comprar um bilhete de comboio, remetidas para as máquinas que não sabem usar. 

Daniel sou eu a ler o decreto lei sobre incapacidades (desafio-vos), um objecto intragável que classifica ao pormenor cada parte do nosso corpo como se estivéssemos no talho. Daniel são todas as pessoas que não usam caixa directa e esperam ordeiramente na fila da CGD, agora que os balcões desataram a fechar (e pelos vistos ainda fecharão mais).

Ele revolta-se, ele deprimi-se, ele resiste. Não precisava morrer para nos mostrar o absurdo que é este sistema, mas é verdade, muitos morrem quando estão à beira da solução, é a exaustão.

Não percam, além de verem Daniel Blake, vão ver-se a vocês próprios, ao tio, a uma avó, um vizinho.

~CC~






terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Mas que loucura tão boa...



O barco, uma traineira pequenina veio andando devagar, quase de meio do estuário. Aproximou-se mais e mais da fina margem de areia, parecia prestes a encalhar. Lá de dentro um homem acenava, apenas um. Estaria talvez a sentir-se mal, pensei. Gritava qualquer coisa mas não se percebia bem. Preocupei-me com a manobra perigosa, com o pescador que a arriscava. Até que consegui ouvir o que dizia: olha o avô, aqui o avô!! Acenava e acenava mas era com alegria. Consegui então ver melhor, na estreita margem de areia uma mulher com uma criança ao colo, o bebé não conseguia ainda acenar mas a mãe fazia-o por ele. Que loucura trazer o barco até tão perto da margem para o neto o ver. Mas que loucura tão boa. 

~CC~

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Quase feliz



Nunca tinha achado o Outono tão belo. Demorei tempo e tempo a olhar o modo como as folhas vestiam o chão. Demorei tempo a ver as árvores daquela alameda, os seus troncos ocos onde as aves fizeram ninhos. Demorei tempo para espreitar se entre as sebes havia cogumelos. Abri e fechei o guarda chuva muitas vezes, ainda assim sempre contente por poder sentir a rua, o dia, o vento no início da noite.

Encontrei também uma aldeia a que poderia chamar minha. Não chamarei porque não fica no meu caminho, apareceu do nada para manter o meu sonho vivo de um dia ter uma aldeia. Pensei em tudo o que faria nela, com ela. Os amigos riram e comentaram que seria uma revolução. Mas não sou já capaz de tal, faria antes umas ondas pequeninas, qual mar em dia sereno.

Fui capaz de dormir fora, mesmo com a bomba infusora presa à cintura. Senti-me bem, quase feliz. Não sou, contudo, capaz de tirar este quase.

~CC~

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Tempo não é disponibilidade


Tempo e disponibilidade não são bem a mesma coisa, embora seja fácil confundir uma com a outra coisa. Tinha uma justificação simples até há bem pouco: sem tempo, sem disponibilidade. Encerrava muitas vezes nessa equação a possibilidade de ter novos amigos ou sequer a possibilidade de encontrar os velhos. 

Mas agora que, pela primeira vez em tantos e tantos anos sei o que é ter tempo, sei também que não é o mesmo que disponibilidade. O encontro com o outro requer muito mais que tempo. A justificação deixou de ser reduzida à equação com a qual pautei grande parte da minha vida.  Às vezes não quero porque estou em reserva, no modo de pausa. É tão bom ir como não ir, é tão bom estar como não estar. E não, não estou sozinha, estou comigo própria. Pela primeira vez em tantos anos tenho tempo para pensar, refazer teias, indagar o presente, questionar o futuro.

~CC~

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Fazer parte



A minha filiação às cidades é ténue. Contudo e pouco a pouco começo a fazer parte desta. E fazer parte é importante para todos os desenraizados como eu, talvez mais do que para aqueles que têm um lugar, que podem com facilidade voltar ao sítio em que nasceram. Uma coisa simples que quis fazer hoje foi tornar-me leitora da biblioteca municipal, afinal só os munícipes o podem ser. Para além de não ter casa para guardar mais livros nem dinheiro para os comprar, interessava-me explorar a ideia de integrar uma comunidade de leitura.

Começou mal, a pedirem comprovativos da morada. Mas alguém quer ser leitor de uma biblioteca onde não possa ir com regularidade?! Mas a prova foi superada com a apresentação da carta de condução. Depois de tudo tratado, ia subir. Mas a funcionária impediu-me, teria que deixar a mala, subir sem nada, nem telemóvel. Acho que só me pediram isto para entrar na prisão e bem me custou fazê-lo, mas compreendi. Mas numa biblioteca? São os roubos, justificaram. Mas há alguém a roubar livros usados? A biblioteca da minha escola está quase sempre vazia. Não podia deixar a minha mala que aliás é minúscula (garanto que não cabe lá nenhum livro), já que ali está o infusor. Pensei que seria didáctico mostrar-lhes e assim fiz. Prova superada, pude entrar com a malinha. Lá dentro, o que esperava: quase vazia.

Perguntei pela comunidade de leitura, clube, ou como chamavam a pessoas que se encontram para conversar sobre um livro que leram. Não sabiam de nada mas achavam que sim, que havia. E uma lembrou-se da frase chave: está tudo na página da biblioteca, é lá que está a informação. Ou seja teria que voltar para casa para saber o que ali, local em que as coisas se passavam, não conseguia saber. Tudo bem, lá voltei para casa e fui à dita Internet pesquisar mas a página ou está muito bem escondida ou apenas permite a pesquisa de livros. Nem fazer parte virtualmente é possível, quanto mais ao vivo e a cores.

~CC~






sábado, 26 de novembro de 2016

Maçãs casanova



É sabido que com a quimioterapia o apetite se vai de todo, diria mais, todo o tipo de apetite. Comigo até demorou a acontecer, cerca de um mês. Aprendi a comer apenas não o que me apetece pois nada apetece mas apenas o que não rejeito. As maças casanova são agora o meu produto de eleição, desconhecendo, contudo, a razão de tal designação. A pesquisa feita não correspondeu aos meus intuitos literários, afirmando apenas a componente científica, indicando-a como a que mais fibra possui, entre outros aspectos nutritivos. Desconheço também a razão desta minha paixão já antiga mas agora completamente reavivada, não sou capaz de alinhar nada de racional sobre o fruto, nem bonito é. 

~CC~

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Tantas eu!



Assim sou eu...de Celina da Piedade*
Para além da música, vale mesmo a pena espreitar a animação.


* com um beijinho especial para a Ana

~CC~


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Manhãs



Lembro-me com exactidão das manhãs passarem tão céleres que quando tomava consciência do dia, já era hora de almoço. O almoço era quase sempre um pesadelo, cantina cheia, muito barulho, por último já levava a minha própria comida. Às vezes conseguia vir almoçar a casa ou à cidade, sozinha ou acompanhada era bom. Raramente parava para pensar nas manhãs dos outros, ainda que às vezes pensasse nos velhos, nos mais velhos, imaginando-os quase todos parados em frente à televisão. Pensava muitas vezes nas manhãs da minha mãe, era em quem mais pensava. 

Descubro agora as manhãs de quem não tem um horário regular, de quem não acorda no frenesim de ter que correr para o trabalho. Pensava que as praças, os jardins, os lugares junto ao rio, os cafés, tudo estaria vazio. Mas há muitos velhos a passear, a pares, ou sozinhos, mais homens que mulheres. Há gente jovem e menos jovem a fazer exercício físico. Há pessoas de todas as idades cuja grande companhia é o cão. Há casais jovens com filhos muito pequenos e mulheres sozinhas que gozam ainda a sua licença de parto. Depois o que mais custa: adultos, em plena idade de trabalhar. Estes últimos distinguem-se claramente dos outros por não parecerem tirar especial prazer da manhã livre que são forçados a ter. O olhar é mais parado, as mãos não têm onde poisar, desviam os olhos se encontram os nossos. Lembro-me só de uma excepção: o grupo das raspadinhas e das minis junto ao centro comercial. Mas nesse caso, penso que ali também se geram outros expedientes, outras fontes de receita. Afinal as manhãs estão cheias de gente, gente que nunca tinha visto. Dentro delas haverá também almas semelhantes à minha, suspensas, presas por um fio.

~CC~




terça-feira, 22 de novembro de 2016

Frágil



Uma necessidade tão grande de silêncio, de calma, o corpo a pedir-me repouso, recolhimento, eu espantada com ele, com a sua capacidade de mandar em mim, eu que tanto o massacrei a pedir-lhe sempre mais e mais e ele a seguir-me sempre e sempre, a puxar até ao limite. Procuro habituar-me a esta pessoa que se deita no sofá a meio da tarde e que se sente incapaz de sair de noite, esta outra.

Eu, na metade da minha energia, da minha capacidade, do meu ânimo. Eu, uma borboleta prestes a entrar no inverno. 

~CC~

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Tão fácil julgar



Na minha adolescência, vivida alguns anos com amigos de extrema esquerda, imersa num grupo de teatro que misturava grande qualidade com mensagem política clara nessa mesma linha, dizia-se com frequência: os americanos são estúpidos. Também acreditava nisso na altura. Mas havia os espirituais negros, a luta contra a escravatura, a revolução americana (é tão bonita a declaração da independência), o jazz.  Gosto de ver o pauzinho na engrenagem.

Com a vitória de Donald Trump essa frase (os americanos são estúpidos), dita de modo mais claro ou mais refinado, tem surgido com frequência. É tão fácil julgar um povo, todo ele como se nessa amálgama de gente não houvesse mais heterogeneidade do que homogeneidade. Que dizer dos portugueses que aguentaram 50 anos de fascismo? Que dizer dos italianos que escolheram Berlusconi e o aguentaram por mais do que um mandato (não era tão ou mais misógino?) E não falo já das manchas negras que o futuro pode trazer, mas claramente do que o passado recente nos trouxe. 

Os americanos são uma pluralidade de gente, estados claramente diversos, realidades distintas. Votaram por Obama para dois mandatos seguidos, se esquecermos que o fizeram, estaremos a desacreditar as pessoas que terão voz para lutarem lá dentro, para se oporem, para protestarem. O meu ADN é claro/escuro, mas sei que a luta está em puxar pelo claro, se a esperança morre, morremos com ela. E os nossos filhos?

~CC~






sábado, 19 de novembro de 2016

Entre nós (que ninguém nos ouve)



Vi-a à minha frente, empurrando um carrinho de bebé, uma mulher jovem, pensei: afinal não sou só eu que uso boinas. Entramos no mesmo restaurante e aí ficou claro que tal como eu, ela não tinha cabelo e por isso a boina. Encostou o carrinho à mesa e pude observar uma bebé de poucos meses, pequenina, muito cuidada, dormindo. Sorrimos imediatamente porque as boinas eram exactamente iguais, estilo basco, apenas de cores diferentes. Também as colocávamos de forma diferente. Ela viu o meu olhar para a bebé e disse; descobri ainda estava grávida. E eu respondi: ainda mais difícil. Sorrimos e ficámos caladas, ela estava acompanhada e eu também. Tive vontade que não tivesse sido assim, de saber se sozinhas nos sentaríamos uma ao lado da outra, por mim não sei, mas ela era menos reservada, bem disposta, falava muito com as amigas e sorria-me de quando em quando. Eu retribuía. Quando saí, pisquei-lhe o olho e fiz-lhe um sinal com a mão, esticando o meu polegar (vai correr bem!). Ela tinha um sorriso lindo e piscou-me o olho também, não teria mais que uns 35 anos.

As grávidas na rua só vêm grávidas, é um clássico. As carequinhas também se encontram por aí, debaixo de chapéus, com cabeleiras ou mesmo a descoberto em lugares interiores. Eu, como detesto o que é artificial e tenho uma pele ultra sensível não suportaria uma cabeleira, pelo que tenho um enxoval de boinas e chapéus que nunca julguei coleccionar. A verdade é que me mudou o estilo e que tento vestir-me de baixo para cima, agora sim, da cabeça aos pés. Já recebi os mais diversos comentários, todos simpáticos (creio que por ninguém ter coragem de dizer mal nesta situação) mas o que mais aprecio é aquele em que dizem que pareço uma parisiense, estando eu certa, que mais não é que a representação que as pessoas têm de uma parisiense. Já o meu amor inclina-se mais para as russas, tendo o cuidado de acrescentar que as russas são as mulheres mais bonitas do mundo. Enfim, nunca fui tão mimada, ainda me habituo ao que é bom neste estatuto.

~CC~

PS. Iniciei ontem o 2º ciclo da quimioterapia, serão 3 antes da intervenção cirúrgica. Apenas ligeiramente enjoada, a aguentar-me.







terça-feira, 15 de novembro de 2016

domingo, 13 de novembro de 2016

Domingo



Seguro ao colo o bebé de três meses. Tem um cheirinho tão bom. Já esboça um sorriso de quando em quando. Os olhos rasgados são parecidos aos da sua mãe. Sinto esperança cada vez que alguém nasce, felicidade se é de  alguém próximo. Mais ainda num ano em que morreram tantos, tanta gente boa. Nunca gostei de anos pares, a minha preferência é sempre pelos ímpares. O bebé olha em redor, fixa os objectos, fixa-se em mim, mas é na mãe que ira mergulhar dali a nada, no seu calor, depois adormece tranquilo. O sono dos bebés é um sono de anjos, há muito pouco de inferno dentro deles. 

Depois fui ver o mar. E a lua chegou tão enorme, tão cheia. 

~CC~

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Felicidade



Uma semana sem a bomba infusora. Poder usar o braço direito muito mais à vontade, poder mexer-me na cama, poder sair de casa sem ter que disfarçar o fio, poder tomar banho muito mais livremente.

Até me esqueço da carequinha.

~CC~

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Ela (Her)



Imagino a tristeza profunda de Hillary Clinton. Estava com ela, claro. Mas como muitos, mais pelo que se lhe opunha do que por ela própria, penso que é nisto que a derrota começa.

É uma tristeza que nos varre a todos, à excepção de uma maioria que em silêncio votou e decidiu. O meu profundo respeito pela Democracia não permite que os insulte. Mas permite que me interrogue sobre as muitas falhas, algumas estão na Educação e na Cultura. Acreditar que o homem é contra o sistema, o homem vive dentro do sistema, apenas o discurso lhe foge para o popularucho, isso parece chegar para acreditar que é do "contra".

E a mulher. Queria muito gostar dela pela solidariedade feminina que corre no meu sangue. Mas tinha dificuldade, o meu afecto tolhia-se ao pensar nela. Como milhares de pessoas, sentia a falta de autenticidade. Dizia muitas vezes que ela tinha começado a perder no dia em que aceitou aquele marido, no seu perdão estava a fraqueza dela. Pensava muitas vezes em como é possível não ter virado a mesa, fechado a porta, começado nova vida. Tentava, contudo, fazer um exercício típico dos europeus: separar a vida privada da vida pública. Esta separação que nos é muito cara não tem qualquer eco na maior parte do mundo. Ela esforçou-se muito, merece a nossa consideração por isso. Contudo, o outro candidato do partido democrata teria sido infinitamente melhor. Não importa que fosse homem, aquilo que defendia era melhor, ele era melhor.

Já o tinha dito aqui, o século XXI avizinha-se mais difícil do que a segunda metade do século XX, vivemos alguns tempos de paz que nos trarão saudades. Os braços, contudo, não se podem baixar.

~CC~







terça-feira, 8 de novembro de 2016

19º dia


Os médicos são. às vezes, de uma precisão espantosa. Disseram que pelo 20º dia o cabelo começava a cair. Acordei várias vezes esta noite, incomodada, sem saber bem com quê. Pela madrugada olhei para o lençol, estava cheio de pequeninos cabelos (já estavam muito curtos). Sei-o desde o início, mesmo assim custou-me. Sei-o desde o início, mesmo assim esperei que não acontecesse. Não poderei passar desta semana a ida à máquina zero. Vou pensar em mim como uma árvore.

~CC~

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Laços



Ela escreveu: desculpa não estar próxima.
Ele disse: preciso de contacto corporal e encostou-se a mim docemente.

Mas eu já não sei bem o que é a proximidade. Já não sabia antes mas agora ainda menos.

Tenho um amigo da adolescência que passo anos sem ver. Telefona muito e passamos muito tempo ao telefone, sinto sempre que está próximo, no entanto, falta qualquer coisa. É o cheiro, o toque, saber como está agora o cabelo dele, se engordou, se continua magro, se se veste bem como vestia. Acho que precisava de o abraçar, embora a nossa relação nunca tenha sido muito efusiva desse ponto de vista. No entanto, tenho uma amiga que me abraça muito e tenho esgueirar-me de tanto contacto físico, não é por ali que me aproximo dela, outras coisas talvez.

O nascimento de duas crianças no Brasil, uma há dois anos e outra há um mês, sobrinhos netos, motivou aquela família (ele foi o meu primeiro sobrinho e como tal muito importante para mim) a criar uma aplicação que unisse os avós dos dois lados da família, uns na beira e outros no Algarve. Depois tudo se alargou, entraram tios, sobrinhos, primos...neste momento entre São Tomé, Brasil e Portugal chegam uma média de 20 mensagens por dia. Nunca quis entrar na onda até ao nascimento desta segunda criança. Sabia que não teria tempo para ver, muito menos para participar. Mas percebo agora que teria arranjado esse tempo se tivesse consciência do que estava a perder. Os vídeos, as fotos, os comentários, tudo nos permite estar muito mais próximos uns dos outros.

Depois os congressos, bem sei que é um salto tremendo, da família e dos amigos para os congressos. A maior parte deles não tem história, não faz história. Em muitos deles, criei, no entanto, contactos que ficaram. Não sei se chamo amigos aos que por aí entraram, talvez sim. Recebi um mail da organização de um congresso, mais concretamente de alguém que faz desde sempre parte da organização de um congresso. Faltei desta vez, avisei claro, mais que isso, uma colega foi por mim. O mail dela tocou-me, era simpático, mais que isso, carinhoso. Dizia que tinham sentido a minha falta. Ora não esperamos tal coisa dos organizadores dos congressos, a minha tendência sempre foi pensar naquilo como numa indústria; mecânica, organizada, funcional. Claro que aquele é um congresso que se realiza todos os anos, vamos sabendo quem vai, é como um encontro que está marcado com os que vão sempre. Esses talvez sejam, estejam próximos.

E os que passam por aqui repetidamente, os que deixam e não deixam sinal? Sempre tive uma relação muito desprendida com este blogue, no fundo sempre achei que estava aqui sozinha a escrever, para muito poucos, quase ninguém. Mais que isso: sempre li blogues sem pensar muito nas pessoas que estavam por trás deles e apenas no início desta vida tive algum interesse por saber quem eram. Mas até isso tem estado a mudar. E tenho a certeza de que não é por agora me sentir mais sozinha, nunca tive tanta gente a escrever-me, a contactar-me, a ligar-me. Tudo tem a ver com a forma como olhamos para a vida, com o que valorizamos e não valorizamos.

~CC~

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A santa solidária



No Verão, na serra de Montemuro, tomei os pequenos almoços mais demorados da minha vida. Ficávamos entre uma hora a hora e meia sentados à mesa. Não era a comida, embora o sumo de melão fosse delicioso. Eram as histórias da dona da casa.

Sempre gostei das manifestações da religiosidade popular porque estão impregnadas do mais profano que há. Por isso gostei de saber da santa, daquela santa. Se formos à Igreja tristes, ela chora connosco. Se formos à Igreja alegres, ela sorri-nos. Assume as nossas dores, é solidária, amiga. Isto sim é uma santa a sério, não promete milagres, não vende banha da cobra, modifica apenas o seu rosto, a sua expressão, adaptando-a aos sentimentos que trazemos.

Só me fez mais confusão a história de não se deixar despir perante a presença masculina, se há um homem na igreja, os seus braços ficam hirtos e ninguém lhe consegue mudar as vestes. Foi assim que descobriram uns assaltantes que por por lá se esconderam. Mas pronto, é uma santa, só os gregos as deixavam nuas (ou quase) e as chamavam deusas.


~CC~

terça-feira, 1 de novembro de 2016

(Do meu) Corpo



No filme "Virgem Prometida" assistimos a dois processos de transformação do corpo sexuado, uma rapariga torna-se num rapaz, mais tarde, esse rapaz, já adulto, quer voltar a ser uma mulher. O bisturi não entra aqui, é apenas a postura, a roupa, o olhar. Qualquer uma das buscas é impressionante na exposição de um eu dorido, em busca, em permanentemente insegurança. Gostei muito.

Também eu sinto a parte direita do meu corpo meio amputada. Perdi peso e não me fica mal, há muito que o queria. Mas o cateter permanente instalado na veia cava tirou-me a força desse lado, sinto formigueiros ao longo do braço e às vezes dor. Tenho dificuldade em conduzir. Não posso vestir tudo o que quero, anulei os vestidos e as camisas compridas. E se eu gostava de vestidos. Mas mais importante que isso é mesmo este sentimento de ter deixado em parte de ser uma mulher e passar a ser apenas um corpo, parte dele sequestrado, quase máquina. E o cabelo não caiu ainda, daqui a pouco isso acontecerá e já marquei na minha cabeça o dia para o corte de 2cm. A imagem é uma parte importante da nossa identidade, só o sabemos quanto, quando alguma coisa em nós se quebra, emigra, desaparece.

Como a rapariga do filme creio que terei que depois aprender a ser um corpo sexuado, uma mulher. Não é que aos 50 anos os rostos se voltem quando passamos mas ainda me sentia um corpo feminino íntegro, ajudada pelo facto de ter sempre gostado de ser uma mulher. Penso em coisas que nunca pensei antes para não perder totalmente a minha imagem, como, por exemplo, usar maquilhagem. Depois rejeito a ideia, não me ficaria bem. Hei-de encontrar-me de alguma forma.

~CC~



sábado, 29 de outubro de 2016

Madrugar



Há quem se deixe ficar pela noite dentro e acorde quando o dia já nasceu há muito.

Eu sempre madruguei. Estudava de manhã algum tempo antes de sair de casa. Quando trabalhava e estudava ao mesmo tempo, ainda no tempo da licenciatura, também o fazia, colocava o despertador para as cinco e meia da manhã e o pequeno almoço era entre os livros. Saía por volta das sete, sete e meia.

Fiz a minha tese de doutoramento a levantar-me às seis e a escrever grande parte entre as seis e as nove. É assim tarde para mudar. Acordo invariavelmente por volta das seis, seis e meia e raramente consigo dormir mais. Por isso vos posso dizer, caso o serviço interesse, a hora a que nasce o dia. Hoje às 7h30m começou a clarear, passados seis minutos a claridade já ganha à noite. Uns são felizes porque vão trabalhar e outros infelizes pelo mesmo motivo. Eu era geralmente feliz por o fazer e tento não ser infeliz agora por ter que parar.

Faço um chá e leio, leio tudo o que aparece, mas sobretudo o que antes nunca tive tempo para ler. Chaves para compreender o mundo estranho em que vivemos, acabei agora mesmo um pequeno ensaio escrito por um jovem, filho de amigos, que explicita a oposição entre sunitas e xiitas no médio oriente. Sou bastante indisciplinada, poderia aprofundar leituras mais relacionadas com a minha profissão, mas como basicamente tudo me interessa e não há coisa que não tenha relação com uma outra, tento viajar a partir do meu sofá.

~CC~




quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O caçador que se rendeu ao rouxinol



O homem vivia encarcerado no perímetro urbano da cidade, metade do dia passado no balcão do banco, desfiando papelada que o enfastiava. O seu coração estava além, na serra. Bastava levantar os olhos, correr até à janela e via o seu recorte com clareza. Que pretexto pode arranjar um homem para se sentir carne e terra? A caça.

Então ele tornou-se caçador. Depressa surgiu o grupo e com eles a tasca, os casebres onde dormiam, as madrugadas frescas na serra. Depois já não era a presa nem a perseguição que o moviam mas as noites estreladas, o silêncio, o mover dos animais no restolho. Procurou ansiosamente uma casinha onde ficar aos fins de semana. Depois ampliou-a e os fins de semana já não faziam sentido, precisava de ficar a semana inteira.

Quando o rouxinol começou a cantar na sua janela pelo começo da noite, já nem sequer era um caçador, apenas um apaixonado pela serra. Um rouxinol trouxe outro, pelo início da Primavera e até ao final do Verão, podia ouvi-los todas as noites, como um concerto que a natureza trouxera só para si. Um dia, porém, o homem trouxe os amigos da cidade e eles trouxeram com eles as violas. Foi uma festa noite dentro, bebida, cantoria, barulho. Os rouxinóis não gostaram, abandonaram-lhe a janela. Cresceu no homem uma tristeza pequenina, todas as noites perguntava à mulher: será que não voltam mais? E ela respondia: um dia virão, vais ver.

E no ano seguinte, ali por volta de Maio, foi ela mesmo a primeira a ouvi-lo e correu a chamar o homem. A lágrima furtiva dele ficou entre os dois no longo abraço que deram. O homem que ela apertava entre os braços não era certamente o mesmo que conhecera, mas este, ainda o amava mais.


~CC~


PS. Há muito que recolho histórias dos lugares por onde passo, tomo às vezes notas, mas raramente tenho (tinha) tempo para as escrever. Esta é uma homenagem (como dizem nos filmes, baseada numa história verídica) aos dias que passei este Verão na serra de Montemuro.




domingo, 23 de outubro de 2016

A mulher bomba



Gostei muito do filme do sobre o Snowden, todos conhecemos vagamente a história mas ali tudo parece mais consistente e claro. Por isso o nome deste post é também, de certa forma, uma homenagem à coragem que teve. Corro assim o risco de ao colocar este título ser espiada por uma qualquer agência secreta ao serviço de qualquer governo, maus da fita são quase todos. Tenho uma caneta com uma frase sugestiva que me foi oferecida pelo SEGURA.NET que diz: na Internet nada se apaga. 

Com a minha bomba infusora de produtos de quimioterapia 24h ligada a mim, presa por um cinto que parece o que tradicionalmente os turistas usam para não serem roubados ou o que se usa nas caminhadas, de qualquer modo bastante foleiro, com fios que não se conseguem totalmente esconder e estão ligados a um cateter implantado abaixo da clavícula, posso a todo o momento no supermercado ou no cinema ser considerada uma mulher bomba. Para além do óbvio desconforto, claro que medicamente justificável, preparo-me para enfrentar o mundo com isto atrás, para os olhares de esguelha, os mais abertamente curiosos e até uma paragem por um segurança ou outro mais zeloso, na certeza porém de que se vivesse em Londres ou em Nova Iorque e andasse de metro teria provavelmente uma carruagem só para mim e poderia a qualquer momento ser barrada. Há que explicar ao mundo que nem todas as bombas rebentam ou são carregadas por terroristas, como eu, há milhares de pessoas a transportar medicamentos ligados às suas veias, que não podem deixar de correr por um minuto. 

Eu sou só uma mulher bomba infusora, o que tento rebentar está no meu interior, não no meu exterior, há muito que não acredito no recurso à violência para mudar o mundo, por muito que por vezes nos apeteça esbofetear alguém. Se virem por aí alguém com uns fiozinhos pendurados (de perto vê-se que não são eléctricos mas ao longe não) e um cinto atado à cintura, não corram a chamar o polícia mais perto.

~CC~







quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Sim, o tempo é relativo


Acontecem coisas boas dentro das más.

No dia 21 de Setembro foi a data da primeira consulta em que o resultado da biopsia indicava: carcinoma do estômago, ou para sermos mais precisos, da junção eso-gástrica. No dia 21 de Outubro, esta sexta feira, ou seja, apenas um mês depois iniciarei o primeiro tratamento de quimioterapia.

Todos correram contra o tempo numa imensa rede que envolveu amigos e familiares mas também gente mais ou menos desconhecida. Devo ter feito cerca de 10 exames num mês e uma laparoscopia que é considerada também uma operação cirúgica, é feita com anestesia geral mas que no meu caso serviu sobretudo como um exame e permitiu perceber que não havia metástases fora do estômago, a primeira das boas notícias a chegar. Poupo-vos à descrição dos exames, o pior de todos para mim é relativamente fácil para o resto das pessoas pois não provoca qualquer dor, trata-se da ressonância magnética, pela impossibilidade real que é estar dentro de um tubo daquela dimensão. Não é a dor o que mais custa, é um vazio de incredulidade que chega de quando em quanto, como se tudo isto fosse apenas um pesadelo, é a dificuldade de pronunciar coisas no futuro. Dantes pensava o futuro como coisa de anos, agora penso-o como o que gostava que acontecesse no Natal ou no Carnaval.

A minha vida intensamente preenchida de trabalho foi abruptamente interrompida e há coisas que sei que não recuperarei facilmente, é fácil o esquecimento. No entanto estou em paz relativamente a isso, fiz praticamente tudo o que queria fazer em termos profissionais e académicos. É recente o corte, ainda estou a ajudar quem ficou no meu lugar, a acabar coisas, ainda não me chegou o vazio, não sei se alguma vez chegará. Dizem que a debilidade em que ficamos nos ajuda a desligar de tudo, talvez.

Apenas um mês, para mim parece que passou muito tempo, que até eu já não sou bem eu mas outra em processo de transformação. Muita força não vem de mim mas do que os outros me dizem de mim, penso que se sou como eles dizem, se sou mesmo assim, então não poderei desiludi-los.

~CC~

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Quê flô..


Sérgio Trefáut filmou os Lisboetas em 2004 mas nunca o tinha visto. Vi-o numa sessão cultural feita na minha escola. 

Estes lisboetas são os novos lisboetas, um conjunto impressionante de imigrantes, quase todos homens. Duas das personagens ficaram na minha memória, melhor, a doer no meu coração. Uma delas é mulher e é portuguesa e falarei dela depois. 

O outro é um rapaz que vende flores, rosas anémicas embrulhadas em plástico que ele tenta impingir a todos os casais e depois, com o desespero de nada vender, a qualquer pessoa, sozinha, acompanhada, de qualquer idade, qualquer nacionalidade. Quando a noite cai, junto ao rio, confessa a um pescador que não apanhou qualquer peixe, que ele também não vendeu qualquer flor. Lembrei-me de todas as vezes que eu também não comprei uma flor daquelas, o que me doeu mais no filme, nem é não comprarem mas sim o desprezo, a maior parte recusa-se a olhar para ele, a maior parte nem sequer diz: não obrigada(o). Não é um sentimento assistencialista que me move, afinal ele nada pede, ele vende um produto que ninguém quer. De repente vi o mundo pelos olhos tristes daquele jovem, os bolsos vazios depois de um dia de trabalho. Hei-de comprar uma daquelas rosas, por pouco que goste de rosas. Não salvarei todos os moços que apregoam "Quê flõ", talvez não faça mais do que tranquilizar um bocadinho a minha consciência, o meu mal estar. Mas é assim, somos seres imperfeitos, contraditórios, às vezes basta-nos fazer alguém um bocadinho mais feliz.

~CC~

domingo, 9 de outubro de 2016

Cabelos, perucas e chapéus


A princípio parece que tudo é uma batalha fácil, chegamos ali, cortamos o bocado doente e voltamos a ser o que éramos.

Depois vem mais um exame e mais outro. Nada parece ser já tão fácil. Depois chega a palavra danada: quimioterapia. As palavras constroem o mundo, ditam-no, Só esta disparou em mim como um choque eléctrico: afinal estou mesmo doente, isto não foi apenas um pesadelo da noite passada. Ocorreu-me uma asneira ou outra, das leves, já que as mais pesadas não aprendi a dizer, andaram tão longe da minha educação, que pena tenho disso agora, fazia-me bem soltar umas quantas, mas não sei.

Cortei o cabelo um bocadinho mais curto enquanto a cabeleireira trazia o catálogo das perucas, afinal há catálogos de tudo e nunca me imaginei a ver um destes. Por mais que queira não me imagino com cabelos artificiais. Pensei em pedir-lhe o catálogo de chapéus, mas talvez isso fosse noutra loja, talvez ela levasse a mal. E um catálogo de lenços para cabeças carecas, será que há? Dantes não imaginaria, mas agora acho que sim, alguém no mundo já deve ter inventado tal coisa.

Quando eu e o meu amor ainda mal nos conhecíamos mas já namorávamos fomos a Salamanca num Inverno muito frio. Comprei um chapéu e ele dizia que eu parecia uma russa, chamava-me Tatiana. Hei-de comprar uns tantos e inventar nomes para eles de acordo com a cor e o modelo, isto se o cabelo cair realmente, dantes era certo mas agora parece que varia de acordo com a corzinha malvada do líquido que nos põem na veia.

~CC~ 





quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Pelo menos pelos óculos



Por volta dos 45, os óculos tornaram-se inevitáveis para ver ao perto. Tenho apenas dois pares, uns ficam sempre em casa e outros andam comigo na mala desde há dois anos para cá. Perco amiúde os que ficam em casa, enquanto os da rua subsistem heroicamente face à minha tendência para deixar as coisas por aí. Se vivesse numa mansão, a explicação para tal era compreensível, muito canto para se ocultarem. Mas moro numa casa de bonecas, não percebo em que lugar se podem esconder. Estou em crer que afinal isto é um castelo e tem amplas galerias que comunicam com a cidade ou que há fantasminhas (pequenos como a casa) que se divertem à minha custa. 

Acresce que tenho especial carinho pelos de casa por os ter herdado da minha sobrinha que os trocou por uma operação à miopia e anda agora sem adereços deste tipo. Não fora outras coisas adicionais como a necessidade premente de um beijo, um abraço, este seria um motivo forte para a tua visita, já que da outra vez os encontraste depois de um desaparecimento de dois meses. 

~CC~

domingo, 2 de outubro de 2016

O imenso ruído do mundo


Hoje, no comboio Algarve Lisboa, uma mulher, pasme-se, alemã, conseguiu falar durante toda a viagem, toda, acompanhando o que dizia, em voz muito alta, com gestos efusivos. A companheira de viagem só tinha direito a uns monossílabos, acenos de cabeça e pequenas e curtas frases. Não sei se se trata de um contágio latino ou se definitivamente estamos enganados sobre os povos do mundo.

Muito mais grave foi a gritaria que ouvi nas duas últimas visitas ao hospital, um público, outro privado. Não, não eram os doentes a queixar-se das suas dores e maleitas, esses, pelo contrário, primavam pelo silêncio. Já o pessoal médico, enfermeiros e auxiliares falavam alto entre eles como se os doentes não existissem, contando tricas de trabalho, questões pessoais e tecendo revoltas contra chefes e afins. Faziam encomendas e contavam instrumentos e materiais em falta à nossa frente, como se simplesmente não existíssemos. Uma autêntica praça instalada nas salas de exame e internamento, como se estivessem nas suas próprias casas ou mesmo a negociar na feira, Para onde foi o silêncio que se fazia sentir nos hospitais? Aquele ambiente em que se falava sempre baixinho e se condenavam as visitas se faziam muito barulho? Lembro-me com clareza de ser assim. Se ao menos falassem connosco para nos aliviar do peso da angústia dos exames que vamos fazer, das doenças que temos, do incómodo que é aquele cortar repentino dos nossos quotidianos. Não, connosco, eles não falam. Pedi isso à enfermeira naquele dia: fale comigo, converse, isso distrai-me. A espera numa maca, já imobilizada, é das coisas que me custa mais e estava há muito nesse situação. Perguntei-lhe se trabalhava ali há muito tempo, se gostava, se...às tantas, ela, claramente incomodada, disse-me; é o seu marido que está lá fora? Vou chamá-lo, assim pode falar com ele. Antes não lhe tinha ocorrido dizer-lhe para entrar.

As coisas mudaram e para pior, instalou-se uma espécie de Anatomia de Grey misturada com novela mexicana. Foi assim, que com uma sedação claramente insuficiente, tudo fiquei a saber sobre os meninos do médico que me fez o exame e da preocupação com que estava em não chegar a horas de os ir buscar à natação.

Saudades do silêncio, do silêncio nos lugares, nas pessoas. Saudades de ouvir falar baixinho.

~CC~












quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Manobras cosméticas



Os estudante denominam agora as praxes como actividades académicas, numa interessante manobra cosmética. Quase nada mais mudou, apenas o nome, terrível a nova designação pelo uso da palavra academia. Talvez não estejam tão ferozes, tão convictos, nos que já frequentam os últimos anos senti que era quase uma obrigação. Os nossos antepassados gregos são já apenas pó, mesmo assim é uma ofensa à sua memória.

Também já não entram nas escolas ou faculdades, envergonham-nos nos terrenos adjacentes, deixando as salas de aulas desertas. Nesses locais baldios, pontuam as barraquinhas das marcas de cerveja, afinal nunca se deve perder uma oportunidade de vender.

~CC~

domingo, 25 de setembro de 2016

22 de Setembro



Fiz 52 anos no dia 22 de Setembro. No dia 21 a médica conseguiu finalmente contactar-me, andava à minha procura desesperadamente por causa do resultado das biopsias (que deviam ter chegado só a 25). À porta chamou o meu marido, disse-lhe que entrasse. Tudo ficou dito nesse instante. Mas o meu acompanhante não era o meu marido, apenas um colega e amigo da escola, por isso ficou lá fora. Os vínculos têm designações estranhas para os médicos, eu podia preferir que fosse um amigo em vez do marido a ouvir o veredicto.

Foi a prenda de anos mais absurda que recebi por ser tudo ao contrário de uma prenda de anos, era apenas uma semente de tristeza que tentei, tento não deixar germinar.

A médica abraçou-se a mim o que estranhamente deixei, não gosto de me deixar tocar por estranhos. É verdade que ela me chama princesa, é doce, e diz que eu sou maravilhosa. Parte daquilo talvez conste em algum livro de medicina mas a parte que conta é a que é mesmo dela, é genuína. Deve ter muitas princesas, mas eu passei a ser mais uma e isso é o que importa.

Foi um bocadinho triste o acordar mas não foi o meu dia de anos mais triste de sempre. Lembrei-me de quando fiz 15 anos e queria ir lanchar fora com as minhas amigas mas não tinha dinheiro para tal, a minha mãe disse-me que faria um bolo em casa e podia trazer 3 ou 4 amigas. Assim foi, ela fez um bolo com cobertura e diluiu o Tang num jarro. Nada daquilo era o que eu queria, sentia-me triste como só aos 15 anos nos podemos sentir, uma mistura crua de hormonas de crescimento com a revolta imensa perante o destino.

A minha luta mais dura foi para sair da pobreza, coisa que fui conseguindo muito a custo mas sem amealhar o que me era merecido pelo trabalho intenso dos anos. O mais difícil foi fazer duas licenciaturas, um mestrado, um doutoramento, tudo isso sempre com muito pouco dinheiro. Agora é só a luta contra a morte, já lhe ganhei duas vezes (dois acidentes graves), serei mulher a sério se lhe ganhar uma terceira, mas se perder, que se lixe.

Não, o dia 22 de Setembro de 2016, apesar de ser aquele em que acordei pela primeira vez sabendo que tinha cancro não foi o mais triste da minha vida. Talvez seja apenas o primeiro dia de uma outra vida que tenho que aprender a viver.

~CC~

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Diário de luta



Começo hoje o diário da luta.

Maldita palavra essa biopsia onde o que sai não é nada parecido com raspadinhas, euro milhões ou jogo do galo.

De todas as palavra estranhas em linguagem médica a palavra carcinoma é de senso comum, percebo-a. Assim acabou o meu romance comigo própria em que me ia curar a sol e mar. Parece que é preciso mais.

A luta é a parceira da vontade de viver, da motivação.

Mas não sei quanto durará a vontade, a luta como a designação correcta. Por ora será.

Parece que há coisas magnificas escritas sobre essa luta, talvez ajudem, gosto de ler.

~CC~


domingo, 18 de setembro de 2016

Meia idade


Elas crescem, expandem-se, voam.

Quando penso em querer viver, viver muito mais, penso sempre em vê-las, saber como serão as suas vidas, poder embalar os bebés que terão ou não, assistir às suas carreiras, às experiências que terão, às viagens das quais trarão cheiros e fotos.

É mesmo isto a meia idade, não significa não querer coisas para mim, mas querer cada vez menos isso sim. Querer mais para eles, para elas (se uso "elas" é porque tenho uma família onde as mulheres jovens são sem dúvida a maioria, há apenas um príncipe, muito mais princesas).

A mais nova veio agora para a faculdade e serviu-nos chá e bolo numa casa minúscula com um quintalinho amoroso no meio da cidade. A casa fica na rota dos aviões, olharei para lá cada vez que voltar a Lisboa, pensarei se sempre terá plantado mais qualquer coisa no quintal.

O bebé novo de uma das mais velhas cresce a olhos vistos.

Festejaremos na Terça os 18 anos daquela escolheu ser actriz, era uma bebé feliz de olhos e caracóis pretos. Que conseguirá com esta escolha tão arriscada que fez e que foi aquela que não pude, não consegui fazer. É bom ter suporte para poder arriscar.

Quero ver tudo, quero ser futuro. O sentido da minha vida já não é apenas o da minha vida. Intensificou-se essa sensação ao ser mãe mas vai agora muito além, diversificou-se com todos estes caminhos que se traçam, os quase filhos, os sobrinhos, um quase neto. Os "quase" ficam mal mas é como se não me sentisse direito de apropriação total, ficam sempre a um passo daquele abraço sem medo dos outros, mas gosto deles também, interesso-me.

Os rios cruzam-se, bifurcam-se, encontram-se mais além. A vida tem imensa piada, não sei a razão de tanta angústia vir perturbar-me às vezes, ou talvez saiba, mas quero sempre vencer, vencer isso e muito mais.

A minha irmã mais velha dizia muitas vezes perante provas que iríamos enfrentar: vou acender uma vela.  E não há ateia como ela. Mas a vela era a nossa chama, a nossa força.

~CC~


sábado, 10 de setembro de 2016

Do ser e do não ser



A ida a Roma mostrou-me em toda a sua plenitude que posso ser o que sempre não desejo ser: turista. Confrontou-me com muitas coisas, entre as quais as que são contraditórias em mim. É esta coisa de ser eu e ainda o outro. Há muitas perguntas a ecoar em mim, quase todas são sempre para quebrar as certezas das coisas, as dos outros e as minhas. Fui mais turista em Roma ou numa praia fluvial no rio Paiva? Quando olhava no centro de Portugal para as pessoas que faziam os seus grelhados e colocavam os rádios num som o mais estridente possível, para os emigrantes portugueses a falar com os filhos no seu francês com sotaque, para os mergulhos em fila dados em pirueta por um conjunto de jovens ruidosos, nesse caso, com toda a distância que me separava deles, senti-me de fora, uma estranha naquele lugar que lhes pertencia. Mas era o meu país e o lugar não era turístico.

No centro do coliseu em Roma estremeci muitas vezes, emocionei-me e horrorizei-me. O horror não advinha das correnteza de gente em magotes a encher o espaço, mas da própria história, da noção que parte das minhas células contêm uma parte de tudo aquilo. Ensinar a violência, o horror como espectáculo, a estratificação social, as mulheres na última fila, de onde não seria possível ver quase nada, o pão e o circo. São vinte séculos e tão pouca mudança. Senti-me parte de tudo aquilo, fez-se luz para tudo o que parecia distante nos livros de história mas também para tudo o que daquilo ecoa na modernidade.

Emocionei-me estupidamente também entre gente e mais gente que enchia a Fontana de Trevi, como se de repente estivesse ali dentro do filme e pudesse olhar os anos 60 com os olhos do Fellini. Percebi o que significam os ícones da modernidade, já os vimos a todos, mesmo que sejam nos lugares mais distantes e no entanto perto deles, quando os podemos tocar, só aí são verdadeiros, existem mesmo e são a nossa história. Por isso odiei Roma, amei Roma. Odiei por me sentir parte daquela horda de gente que estraga os lugares, consumindo-os como um produto. Amei porque senti com intensidade cada estátua romana de cabeça cortada, cada coluna romana perdida no meio da cidade, porque imaginei o Teatro Marcello no seu esplendor, cada fonte achada em qualquer lugar da cidade, cada gelado, amei porque aquilo somos nós, sou eu. 

Acresce que o italiano foi desde sempre a única língua que quis aprender a falar. Embora em Roma o italiano não seja tão belo como noutros lugares de Itália, como a cidade está cheia de emigrantes e são eles que encontramos a trabalhar em quase todo o comércio, o italiano falado por eles não tem o mesmo fascínio. O meu deslumbre na Fontana de Trevi, tão mais intenso que na praia fluvial do rio Paiva (e eu que gosto tanto de rios) espantou-me, afinal há em nós sempre um lado desconhecido, qualquer coisa que não conhecemos, não dominamos, não sabemos acerca de nós próprios.

~CC~




terça-feira, 6 de setembro de 2016

Setembro (2)


Tudo novo. Férias em Setembro. Eu e ela.
Onde estamos? Como chove e se come gelados no mesmo dia?
Como é que tanto cansaço pode ser tão bom?
~CC~



quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Setembro


Agosto foi uma montanha russa de emoções. Os melhores banhos de mar a uma temperatura há muito não sentida, noites estreladas e silenciosas no campo, muito calor, algum frio, teatro de excelência, família junta de quando em quando com aquele barulhinho bom de estarmos juntos, um bebé novo, quase um neto. Também a maior angústia, a maior ansiedade, muitos exames médicos, uns meus e outros de me quem está muito próximo, desorientação que custou a organizar, ainda custa um bocadinho.

Venha Setembro com calma, é o meu mês. Da primeira chuva até gosto. O tempo refrescou um pouco, a minha pulsação parece estar a regressar pouco a pouco a valores normais. Os diagnósticos vão chegando pouco a pouco, não são bons, mas apontam rumos. A minha amiga enfrentou todo o seu tratamento face a um tumor no cérebro com uma coragem que nos entusiasmou a todos. Tive a coragem de dizer não a mais uma proposta de trabalho que chegou com carácter de urgência- dantes aquele "precisamos" e já para a semana, teria tido para mim um carácter imperioso. Tenho que dizer mais não, mesmo que isso signifique menos dinheiro, o excesso de trabalho está a matar-me lentamente, como uma dose de veneno que bebemos pouco a pouco. Há que voltar ao yoga, iniciar o Tai Chi, procurar mais vezes o silêncio do campo.

Lembrar-me que a vida é uma coisa de que gosto imenso e que tirar esse gosto a mim própria é simplesmente transfigurar-me em algo que não quero ser,

~CC~

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Montemuro (I)



Eu moro quase no Algarve, ou seja, moro quase metade da semana lá, normalmente de Quinta a Domingo, quase todas as semanas no ano. Por isso estar lá no Verão não é bem estar de férias, não tem o encanto da descoberta, da novidade, do espanto.

Para mim as férias têm que ter espanto, deslumbre, sentir que estou a aprender, a viver qualquer coisa que não está no horizonte do meu quotidiano. Quando escolho uma aldeia a norte, é disso que se trata. 

Desta vez com uma atracção muito intensa: como é que em Campo Benfeito, a 1000m de altitude, numa serra fria e quase nua, se faz um festival de teatro? Como é que por lá sobrevive um grupo um ano inteiro, de grande qualidade? Mais que isso, um teatro singular que se afirma com traços de estilo muito próprios e se parece superar a cada peça?

Já o ano passado tinha ido à procura disso no Bons Sons, mas não encontrei quase nada, tudo me pareceu um mero golpe de marketing, a aldeia não estava, nem se envolvia no festival. Não basta ocupar a igreja local com concertos, não basta deixar que os habitantes permaneçam nas suas casas (também não faltava mais nada) ou deixar que a associação local explore os comes e bebes.

Campo Benfeito é outra coisa, é uma história de resistência, de tocante abertura ao mundo num lugar em que o gado passa pelo meio da aldeia e é preciso olhar a cada momento para o lugar onde colocamos os pés. É verdade, cheira a bosta por todo o lado, o pavilhão do teatro parece um armazém pré fabricado e barzinho do teatro é um balcão diminuto onde se vendem meia dúzia de coisas. Não há marcas de cerveja, de telemóveis, de nada, não se vê nenhum famoso patrocinador. E que bom teatro passou por lá, do melhor, digo-vos. E a sala? Sempre cheia, num dos dias não sobrou um lugar e foi preciso improvisar mais. E quem está no teatro? Todos, todos de todas as idades, vão bebés ao colo dos pais, crianças, adolescentes, jovens, adultos. Não há idade limite. Nunca tinha visto tal no teatro. A princípio assustei-me e pensei que dado que a maior parte dos espectáculos era para adultos, o inferno começaria dentro em pouco com as crianças a rir, a chorar, a falar. Apenas num espectáculo muito difícil (em castelhano e bastante pesado) estiveram menos tranquilos. Tudo me tocou, me emocionou, até o frio de rachar (para mim, claro) que fazia à noite em pleno Agosto - 11 graus.

~CC~~



quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Quando é Inverno em pleno Verão



Desabituei-me de comer, desabituei-me de dormir, sobrou apenas a dor de estômago, primeiro ténue e depois cada vez mais intensa.

 Não se trata de paixão propriamente, apenas da preparação para a endoscopia e para a colonoscopia, um apenas que quase me tirou a alegria. Espero retomá-la pouco a pouco até chegar à dose certa que me faz gostar de existir.

Esta é a vida que não vem nos blogues nem no Facebook, muito menos no Verão, são as mazelas do corpo, a idade, a luta para que tudo continue a fazer sentido.

Há Inverno em pleno Verão ou o Verão tem lá dentro alguns Invernos.

~CC~

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Os últimos banhos




De Montemuro (Campo Benfeito) a Setúbal, um mar à noite, banhos de encanto puro,

~CC~



terça-feira, 9 de agosto de 2016

Voltar à praia onde fomos felizes



A nostalgia relativa ao passado não costuma invadir-me.

Mas hoje vi com esses olhos nostálgicos as meninas a brincar Verão atrás de Verão naquela que foi a praia mais significativa da(s) sua(s) infâncias. A felicidade daqueles momentos só agora me é dada a ver com clareza, não tínhamos consciência dela. Somos também felizes agora, de outro modo é certo. Quando se cresce os laços deslaçam-se mais, a pressão que as meninas faziam para estar juntas também nos juntava mais a nós, adultos.

A praia também mudou, encheu-se de gente, tornou-se moda, ao mesmo tempo que se deteriorava: a areia diminuiu, o mar ficou coberto de algas, fomos assim abandonando aos poucos a ideia dos 20km de distância que na altura mal nos custavam a fazer. Voltámos hoje, eu com receio de me desiludir novamente. Mas não, parecia a mesma praia de antes, até os caranguejos voltaram a encher a ria na maré baixa. A única praia que tem um único vendedor de bolas de berlim, o único que nem precisa de as apregoar, tal é a clientela.

Lemos agora lado a lado, vamos ao banho e ela demora-se mais do que eu, mesmo sem ficar com os lábios roxos da infância. Caminhamos, rimos, calamo-nos. Ainda somos felizes e a praia ainda está aqui, tão bonita, tão cheia de vida. Logo, logo, haverá uma pequena piscina formada pela maré ao encher e os meninos e as meninas deitam-se nela à espera das ondas pequeninas que não os podem magoar. Vejo-os, vejo as nossas meninas. 

Ter lugares é ter passado e ter passado é ter uma identidade, reconhecê-la, mesmo quando ela é tão mosaico como a minha.

~CC~




quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Verão (coisas pequenas)


As crianças, como elas são agora.

Na praia a menina com cerca de 4 anos chorava dizendo que queria ir para casa, os pais tentaram-na convencer por todos os meios, a luta durou cerca de uma hora e ela ganhou.

Outra menina permanecia imóvel no estrado de madeira, enquanto o pai a tentava convencer a pôr o pé na areia enquanto ela choramingava: areia não, areia não.

Vi muitas cenas destas nos últimos dias, a mais aguda, a de uma menina com a mesma idade que nem sequer conseguia estar na esplanada porque os passarinhos podiam vir e picá-la e só pedia para ir para casa fazer as "coisas dela". Quando eu era criança rebolávamos na areia para nos tornarmos croquetes antes do mergulho aparatoso no mar. Na geração seguinte, as meninas da minha família estavam na água até as irmos chamar porque já tinham os lábios roxos. Mas a geração seguinte já prefere a piscina. Ouvi de algumas educadoras de infância que têm cada vez mais dificuldade em fazer com que os meninos pintem com os dedos. 

~CC~






segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Eu/Ele


Eu e ele somos as pessoas mais diferentes que há no mundo, as mais parecidas. Pensamos do mesmo modo em muitas coisas e de modo completamente diferente noutras. Temos uma ligação ao mundo e às coisas de natureza completamente diferente. Ele pode ser do mais racional que há, eu às vezes sou capaz também, mas em geral é o meu coração que conhece as coisas e as pessoas. No entanto, ele que é do mais racional que há, é mais capaz de chorar num filme do que eu. 

Eu e ele já dissemos tudo sobre as partes que odiamos um no outro. Também dizemos muito sobre as partes que amamos um no outro, com e sem palavras. Fiz-lhe confissões que não pude fazer a mais ninguém, não fui capaz. Eu digo muitas vezes a palavra medo e tenho medo de muitas coisas, ele raramente a pronuncia. Ele vem do mundo rural mas vive há mais de 30 anos numa cidade. Eu não venho bem de parte alguma mas sempre vivi em cidades, embora sonhe românticamente com o mundo rural, consciente da fragilidade do meu próprio sonho.

Somos um casal singular. À luz do estado português não somos nada um ao outro, não temos o mesmo domicilio fiscal, a mesma morada para a água ou a luz. Não temos modo de provar que vivemos em união de facto. Provavelmente é só união, não é de facto.

Quando começou pensei que acabaria no dia seguinte e pensei assim durante muito tempo, talvez nos 3 primeiros destes dez que se avizinham. Penso sempre que posso viver sem ele mas quando experimentei viver sem ele, isso custou-me muito. Eu e ele somos pessoas muito senhoras de si, do que queremos, de como queremos, custa-nos ceder. Eu faço-o às vezes para o ver feliz e creio que ele também. Noutras não cedemos, não queremos.

Somos um casal singular, não temos filhos em comum, nem casas, nem carros, a única coisa a juntar-nos é a vontade de um beijo, de um abraço, dois dedos de conversa e muita vontade de ir ao teatro.

~CC~









domingo, 31 de julho de 2016

Das mulheres


A Clara Ferreira Alves escreveu no Expresso desta semana um texto brilhante sobre as mulheres e o poder a propósito das eleições nos EUA. Também ela descreve o que é pior nisto tudo: quando as mulheres são as piores para as outras mulheres.

Lembrei-me da sala de exames da colonoscopia em que por engano esperei por uma consulta (por acaso havia de sair de lá com receita igual). A enfermeira disse ao marido da senhora (65/70 anos) para ir tomar um café e dar uma volta que antes dos próximos 45m a mulher não estaria cá fora. A senhora protestou: e se corre alguma coisa mal, fica aí por favor. A enfermeira repetindo: então, coitado do seu marido, deixe-o lá ir dar uma volta. Passei em revista uma vida inteira daquele casal, tantos anos a fio, tanta coisa passada, e ele sem poder esperar ali quieto 45m. O mais curioso é que o senhor nem falou, sorriu silenciosamente e quando a mulher entrou, meteu o rosto entre as mãos e não saiu dali. Era decente.

Elas sempre prontas a ficar do lado dos homens, a defender os maridos das outras, elas raramente ficando do lado das mulheres, sejam amigas ou colegas de trabalho. E no mundo profissional em que abundam mulheres, pior ainda, eles são uns privilegiados. No meu grupo de docentes sobre questões de género e reparem que o curso era sobre o tema, quando chegou a altura de escolher os representantes para apresentar o trabalho desenvolvido, logo escolheram o único homem presente...quando questionei porquê...as respostas tinham uma superficialidade enorme - porque fica bem ser um homem a falar destas coisas. O professor em causa era impecável e rejeitou a ideia mas acrescentou: é sempre assim quando há um homem.

Não sei portanto onde é que a luta se deve situar.

~CC~

terça-feira, 26 de julho de 2016

Em agenda (1)


A "tempestade" no teatro Mirita Casimiro.

Acresce um facto importante: uma das meninas é a minha sobrinha. Uma escolha de vida sem dúvida muito corajosa. Lá estarei em breve para os aplausos.

~CC~



segunda-feira, 25 de julho de 2016

Verão (grandes coisas)



O desgoverno do mundo. Intenso, profundo, complexo.

Todas as simplificações são abomináveis e no entanto vendáveis, compráveis, ditas e repetidas de boca em boca.

Os jornalistas estão em geral mal no retrato, sanguessugas a sorver sangue e a espalhá-lo com requinte.

O ódio é um bicho a crescer no medo. Ter medo e não ter ódio é a medida primeira que tomo para mim própria.

~CC~




terça-feira, 19 de julho de 2016

Quero só silêncio



Dantes as férias eram férias a sério. Com aquele enjoo de vazio que era preciso preencher. Dias inteiros de sol e praia sem o pesadelo do estacionamento. Agora levo dois artigos para escrever e uma vontade igual a zero de o fazer.

Falo nelas mas serão apenas em Agosto, sem hipótese para mais ou para diferente. Dizer que já desisto de apanhar o barco para Tróia em Julho, como aconteceu no último Domingo, quanto mais em Agosto. Na última sexta feira em Alfama fiquei verdadeiramente espantada com a invasão de turistas, mais impressionante do que em Florença (também estive lá em Dezembro, não sei como será no Verão).

Procuro assim uma aldeia sem festas de Verão. Uma aldeia fresca e silenciosa onde possa ouvir pela manhã os pássaros e não o chiar constante dos carros e das ambulâncias. È só pelo que já anseio: um pouco de silêncio e dois livros para ler.

~CC~


terça-feira, 12 de julho de 2016

A festa



Como qualquer cidadão de um país pequeno, periférico, intervencionado pela Troika, eternamente ameaçado por sanções dos que se dizem protectores e amigos, festejei  a vitória de Portugal.

Metade da minha festa não tinha nada a ver com futebol, a matéria que a alimentava a alegria era feita das lágrimas dos pobres, tão parecida com a raiva que sentem os povos mais humilhados do mundo., eternamente espoliados da sua riqueza pelos mais poderosos. Se calhar não devia ser assim, não era nada disto que devia sentir, mas na verdade quase nada no mundo devia ser assim.

Por isso de nada me servia a rua nem os gritos dos outros, o que eu sentia era íntimo e pessoal, talvez impossível de partilhar. Para além disso a noção clara de que sentimentos próximos da palavra vingança são terrivelmente feios, não servem de nada, nem sequer a luta política que, quanto a mim, deve ser serena e racional. 

É melhor deixar a festa sem as minhas contradições, dúvidas e hesitações.

~CC~

quarta-feira, 6 de julho de 2016

O melhor do euro



O silêncio que atravessa o tempo e o espaço durante os jogos. As ruas absolutamente vazias. O entardecer tranquilo.


~CC~

Esta coisa dos blogues



Anunciado num centro comercial com pompa e circunstância a participação dos blogues na própria dinâmica cultural a implementar, pensei logo em cinema ou literatura. À medida que as fotos e os nomes apareciam percebi que se tratava de moda, ou melhor ainda, de quem ditava as tendências da moda. Não conhecia nenhum e nenhuma dos anunciado(s), o que me demonstrou mais uma vez que somos sempre ignorantes num campo qualquer.

Consta que o êxito actual dos blogues passa quase exclusivamente por aí. Trata-se de escrita a pedido com objectivos comerciais. Tudo tem lugar e é legítimo. Mas a hegemonia pode se tornar sempre uma coisa assustadora. Assim como o disfarce, pois nem sempre consta a linha explicativa que clarifica que se trata da venda de um produto, parece que muitas vezes paga a peso de ouro.

Quem diria que esta aventura que parecia expandir o mundo acabaria assim, um primo pobre do Facebook para fins comerciais...

~CC~

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Casa(s)


Ás vezes ela vem a casa. Pensei que este termo só fizesse sentido para aqueles que estão muito longe de casa mas não. Estes 40km podem ser longe, são longe.

Diz-me que em Lisboa os locais em que se juntam os estudantes estão cheios, que para encontrar um lugar numa biblioteca é preciso chegar às 9h. Espanto-me, a biblioteca da minha escola está sempre vazia, os livros aborrecem-nos e já não há bibliografias, apenas sitegrafias.

Na busca dos locais preciosos para o silêncio, encontrámos este, cuja maior vantagem é este fundo azul, quase o mar. Podemos mergulhar, basta usar a imaginação. Isto de fazer de vários lugares a nossa casa é coisa de família.


~CC~

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Outra eu


Ele procura-me para dizer que abandonou o curso de repente por causa dos ataques de pânico, ansiedade. Afirma e reafirma que não quer tomar as drogas que lhe deram no hospital.

Há 20 anos teria simplesmente dito, em tom assertivo, que deveria tratar-se. Talvez mesmo recomendado que os medicamentos eram necessários, que para outra coisa qualquer também os tomaria.

Hoje baixo os olhos, compreendendo inteiramente o que sente. Digo-lhe que sei como é, falo-lhe dos meus truques para levar uma vida normal, sem qualquer droga que me retire o que me chegou tão abruptamente, como um trovão no meio da tempestade. Ficar sempre na coxia nas filas em salas de espectáculos, nunca ficar no centro de uma multidão, perceber sempre se há uma janela por perto, concentrar-me em memórias boas quando alguém estranho me toca por ser necessário (até no cabeleireiro), ter sempre a certeza que posso interromper o que quer que seja e sair. Não digo que nunca tomei nada para uma situação mais aguda (exames, por exemplo) mas consigo em geral dominar-me. 

Vem mais tarde dizer-me que pediu à docente que o deixasse sair um bocadinho do exame para ir à janela e conseguiu depois voltar. Toda a educação deveria comportar um caminho para a compreensão da fragilidade e da vulnerabilidade dos outros, sem cair em pieguices.

~CC~