domingo, 27 de dezembro de 2020

É só um...

 

Sabem que gosto mais dos anos ímpares, sempre o disse. Sou prolixa na arte de desejar mas este ano não consigo ir muito longe, é como se cada desejo esbarrasse no muro da realidade, não conseguisse atravessá-lo. Por isso vou desejar algo que não é para mim. 

O Pai Natal que habita há muitos anos o centro comercial Colombo diz que já recebeu de tudo como pedido de presente natalício. Um dos seus pedidos impressionou-me muito e anda há dias a habitar o meu coração. Diz ele que uma menina lhe pediu que o pai deixasse de bater na mãe, que era a melhor prenda que lhe podiam dar. É isso que eu desejo, que o pedido dessa menina se possa concretizar, dessa e das muitas meninas que a tal assistem. 

É só um mas é muito forte.

~CC~




quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Ainda

 


Fazemos a massa das filhoses com a receita da minha mãe. E ela, lá na sua casa, ainda autónoma, faz o seu pudim de laranja.

E discutimos política, vamos ao passado, passamos pelo presente e tentamos imaginar outro(s) futuros. A diferença é que, por ora, somos apenas três. Estas discussões sobre o mundo em que vivemos, da religião, à política, à educação, à família, são para nós uma tradição à mesa natalícia. É a única ocasião no ano em o mais comum é estarmos todos e é isso que faz dela um momento especial, tudo o resto é apenas o acompanhamento.

Sim, é diferente este ano, muitos não virão, mas ainda é Natal.

Daqui a nada a cozinha irá cheirar a açúcar e a canela.

~CC~

Um abraço a todos os que passam por esta rua.





domingo, 20 de dezembro de 2020

Ilhas

 

É verdade, nunca fomos tão poucos a juntar-nos para o Natal, não há memória de outro assim, mesmo num em que cruzámos fronteiras e fomos realizá-lo no país vizinho. Creio que a perturbação não resulta, contudo, apenas disso, mas sim da consciência de que a família alargada se junta cada vez menos e que as bolhas não são apenas bolhas pandémicas, elas já se vinham formando como resultado das nossas múltiplas dispersões territoriais, inserções laborais, afazeres múltiplos e, isto talvez mais inédito, dificuldade em compatibilizar pessoas tão diferentes. Eu própria, desde sempre uma tecedeira das nossas raízes, crente na minha capacidade de encontrar encanto em cada um, certa de que a diferença é a que traz cor às nossas vidas, acuso algum cansaço. Esta erosão, pergunto-me, é já um resultado viral, ou algo ainda mais profundo que se vai cavando na nossa sociedade, como se no limite nos tornássemos ilhas, ilhas cada vez mais pequenas, mais estreitas, de ancoradouro único, no qual apenas poucos barcos aportam.

Afinal, oxalá tudo seja apenas resultado do vírus, se não for este o mal, o outro é ainda pior.

~CC~



quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Toxicidade

 


O alto grau de toxicidade de certas pessoas é cada vez mais uma certeza para mim. A reacção que lhes tenho é intensamente física, infelizmente. Só lhes digo metade do que tenho a dizer-lhes e a outra raiva engulo-a e infiltra-se pelas minhas células e adoece-me. Nesse momento sei que as tenho de tirar dos mesmos trilhos que eu piso, ainda assim meço os caminhos, as formas de não as magoar. E demoro, demoro tanto.

~CC~


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Mais um para a prateleira...

 


Comprei lá o mais maravilhoso dos chás, está certo que o gengibre lhe dá um toque picante mas é adocicado, vibrante, quente e harmonioso. Foi um tiro no escuro. Um bom chá salva-me do Inverno, da escuridão, da tristeza.

Acabou depressa e voltei lá. Nada, não havia. Arrisquei num outro. Que decepção, quem diria que o manjericão, uma erva que adoro, tornava o chá nesta mistela intragável. Lembrei-me de Sevilha, anos atrás e como quis trazer uma mistura que se intitulava como genuína, intérprete do próprio espírito da cidade, pensei que ao bebê-la me chegaria a memória daquele tempo tão bom. Nunca a consegui beber. 

Como não aprendo, nunca aprendo a não arriscar, tenho uma prateleira cheia de chás intragáveis. Há loucuras piores certamente.

~CC~


domingo, 13 de dezembro de 2020

De que temos saudades?

 

Tenho muitas saudades da baixa lisboeta, especialmente nesta altura do ano, em que procurava visitá-la. Não foi sempre, mas em alguns anos as iluminações de Natal foram encantadoras, sempre que se afastaram do barroco e investiram num estilo mais minimalista mas consistente, com uma coerência própria. Olho com tristeza para os enfeites de Natal das rotundas da minha cidade, estão simplesmente pavorosos.

Tenho saudades da baixa lisboeta, e já nem falo do lugar onde adolesci, a leitaria que era o ponto de encontro de todos os que vinham dos subúrbios e das várias partes da cidade e que apelidámos de Vaquinha, nunca lhe soube o nome correcto e só muito mais tarde, já na procura das memórias desse tempo, percebi que o seu nome era Camponesa. Não havia telemóveis e por isso arriscávamos, íamos sem saber se estaria por lá um de nós e quase sempre aparecia alguém, tempos que me parecem não só do século passado mas muito mais atrás.

Nos últimos anos as minhas deslocações raramente se faziam por ali, a quantidade de turistas, a crónica falta de estacionamento e até a diminuição do seu encanto próprio, em parte alimentado  por ali se encontrarem as lojas que noutros sítios não existiam, foi-me afastando. Quando vi abrir as lojas das grandes cadeias de roupas, achei que o Chiado estava a morrer.

Mas este Domingo apetecia-me gastá-lo lá, percorrendo desde o Príncipe Real até à Sé, andando e andando, para chegar a casa extenuada, com dores nas pernas, poucas compras, mas os olhos cheios de Tejo. 


~CC~


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Digo de mim para mim

 

Digo de mim para mim que não precisava de ter comprado a biografia da Sophia de Mello Breyner. Mas ela disse mesmo da Natália Correia que não passava de uma cortesã? Disse mesmo da Agustina que ela tinha muitas flutuações de escrita e não era sempre brilhante? Disse mesmo que o Miguel Torga devia ter pensado em escrever-lhe um poema num tempo em que ainda escrevia bem? (ai, o que me ri com esta última).

Mas o que é que eu faço ao pedestal em que a colocava?

Digo de mim para mim que as biografias dos autores que amamos não servem para nada, que os livros deles deviam bastar-nos e que a curiosidade só mata a grande admiração que por eles temos.

E depois, como é costume, volto a dizer-me outras coisas.

Para que servem afinal os pedestais? Os heróis? A admiração? Não é muito mais bela a Sophia assim, humana, falível, às vezes até tonta ? 

Vou ler mais um bocadinho da Biografia.

~CC~






segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Vacina

 

Encontrei palavras antigas, escritas sobre o amor. Coisas que só um amor incerto, não correspondido e fugaz é capaz de produzir. Estavam carregadas de emoção e, no entanto, não consigo comover-me com elas, ocorre-me a palavra vacina, é como se me tivesse vacinado e tivesse produzido anticorpos. Anticorpos contra homens tóxicos. Espero que pelo menos esta vacina não seja duvidosa e que o seu efeito perdure por muito tempo. Menos poesia, mais vida boa.

~CC~


sábado, 5 de dezembro de 2020

A liberdade

 

As pessoas ficam mais bonitas com máscara, disse-me ela. Fitei-a incrédula, pedindo mais. Em geral os olhos das pessoas são a sua parte mais bonita e a máscara não só os mostra, como os realça. Já o nariz e a boca, são difíceis, há muito quem se torne feio por causa deles. Admirei-lhe, como quase sempre, a coragem e a frontalidade.  Não por ser uma admiradora do politicamente incorrecto que é agora uma moda que colocou alguns políticos no topo pela sua capacidade de dizer boçalidades, algumas atentatórias de direitos básicos essenciais. Contudo, também não admiro o politicamente correcto, a censura face a tudo o que não é suposto dizer, pensar ou sentir. É preciso que a essência da alma seja a liberdade.

~CC~


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Nostalgia e ambivalência

 

Há quanto tempo não a via, fiquei ali a olhá-la e a pensar em todas as vezes que a perdi, de tal modo que até lhe coloquei o meu nome, o que veio a revelar-se muito útil. A chave do meu gabinete na escola, tão valiosa e agora quase esquecida. Mas já não sei se o que sinto é saudade ou apenas nostalgia. E a eventualidade do regresso traz-se sentimentos ambivalentes, traço comum a estes tempos em que a estranheza das coisas se tende a tornar a realidade das coisas, em que não queremos este mundo mas também já não queremos o outro, tal qual era.

Ou talvez seja apenas dezembro, para mim o mês mais nostálgico do ano, aquele em que a minha infância me espreita mais.

~CC~

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Igrejinha

 

Vejo e revejo as fotografias dos dois beijos. 

O cenário, aquela aldeia alentejana, é exactamente o mesmo. O mês e o dia são exactamente estes, separados por quatro anos de distância, a primeira foto é de 1 de dezembro de 2014, a segunda é de 1 de Dezembro de 2018. Ele está mais forte, ela mais magra, ele tem o cabelo mais comprido, ela mais curto. Inevitavelmente têm mais rugas, mais do que isso, têm mais dores por dentro, feridas que demoraram a cicatrizar a um e ao outro. Ajudaram-se, sobreviveram. Mas tudo deixou marca.

Não sei o que aconteceu em 2019, provavelmente não houve beijo ou se houve, o fotógrafo não compareceu. Em 2020 há só este enorme vazio, nenhuma canção nem beijo que aconteça na paisagem azul e branca. Precisamos de alguns lugares para nos sentirmos felizes. 

~CC~