quarta-feira, 31 de março de 2021

Terapia

 

Voltei ao lugar de abrigo do primeiro desconfinamento.

Vou ao quintal e só vejo verde, a serra, o terreno cheio de oliveiras e castanheiros, o canto dos pássaros todo o dia.

Como o mar, este verde é um ansiolítico para mim.

Só a natureza me acalma, me transporta, me dá esperança.

~CC~


segunda-feira, 29 de março de 2021

Deslumbre

 

A propósito da frase inocente de uma adolescente face ao seu mentor nesse programa para mim tão atraente quanto repulsivo em que se cantam canções pela noite dentro (oh, mas isso era toda uma discussão sobre prós e contras). Disse-lhe ela: é a pessoa mais maravilhosa que eu conheci. 

Teremos mestres? Hoje pouco reconheço tal devoção ou mesmo simples admiração ou sequer reconhecimento nos jovens com os quais trabalho. Creio que não há deslumbre e é raro que um ser humano reconheça num outro o que ele tem para lhe ensinar ou o que lhe ensinou. A grande rede (Internet) parece ser o grande mestre.

Perguntei-me pelos meus mestres. É verdade que também nunca fui de admirações intensas e muito menos de seguir pessoas, correntes, sequer vestir a camisola das escolas ou academias por onde passei, pelo contrário, fiz cada grau académico em escolas diferentes e com pessoas diversas em quase tudo. Recusei com custos o percurso linear em que nos ligamos a uma persona académica. No entanto, sou capaz de reconhecer pessoas com as quais aprendi coisas, me mostraram caminhos, me trouxeram outros horizontes. Estavam elas próprias em diversos contextos. E apesar de acontecer menos agora, sim, há ainda alguns deslumbramentos que me acontecem. E por deslumbramento não falo nos minutos em que fico a olhar para a Maria João Pires a tocar piano, esse também acontece, esse reconhecimento do valor do outro, do seu talento. O deslumbramento a que aqui me refiro é aquele que acontece na relação que tecemos com alguém com quem nos cruzamos efectivamente, alguém que nos dá a mão de e nos leva a olhar a Oliveira que sempre vimos com um olhar diferente ou pelo menos de outros ângulos.

~CC~



sábado, 27 de março de 2021

Essência

 

Brincar ao faz de conta. Ouvir e contar histórias.

É esta a essência de tudo o que é humano.

E onde está? 

No teatro, esse lugar hoje em festa.

~CC~





quinta-feira, 25 de março de 2021

Armário dos Improváveis (4)


Devo ter pensado quando o comprei que ia fazer uma magnífica moamba para dez, à imagem das mesas do quintal da minha infância.

Afinal nunca o abri. Não sei quando voltaremos a sentar-nos dez à mesa e ainda por cima dez com gosto por quiabos. Mais certo é passar de prazo de validade.

~CC~





terça-feira, 23 de março de 2021

Vem Primavera

 

Antes eu sabia o que era o cansaço.

Não, antes disto, eu não sabia verdadeiramente o que era o cansaço. Este é diferente, pesado como chumbo, contrai o corpo, mingua a alma, esgota-me a voz. Hoje alguém disse a outro: só te conheço pelos quadradinhos. Malditos quadradinhos.

Por isso a única chamada que me anima tem de ser verde e azul, anseio por deitar-me na relva, na areia da praia, sonho que em mim própria nascem asas e flores.

Vem Primavera e mergulha-me em ti, inebria-me, faz-me esquecer.

~CC~

domingo, 21 de março de 2021

Pedra mole (3)


Ligava Olissipo a Salácia, passando por Cetóbriga, foi neste último lugar que lhe apanhei o troço de 3 Km, sempre a subir, de um lado a Arrábida e no fim do troço, o Sado.

Está a nascer em mim uma paixão: encontrar estes trilhos de pedras durante anos escondidos, apagados, ainda hoje difíceis de encontrar.

Quem diria que o meu coração ainda tinha este lado mole, de inspirações súbitas e ocasionais mas que se vão demorando, ficando.

~CC~





sexta-feira, 19 de março de 2021

Entre choros e sorrisos

 

Há muito que não fazia ninguém chorar com apenas uma pergunta:

- E o seu pai, como está?

E ela desabou num choro, abandonando a cadeira do atendimento, há um minuto atrás sorria.

Há 8 anos que nos conhecemos. Todos me tinham negado tratamento e dito que era impossível. Mas ele disse-me que não havia impossíveis. Era um homem alto, forte, já de idade e não tinha um sorriso bonito como hoje é obrigatório nos dentistas actuais. Era até um pouco feio, desconjuntado na sua bata pequena demais.

Eu simplesmente tinha pavor de ir ao dentista. Ao longo da vida apenas um com um magnifico sentido de humor me tinha feito parar por lá durante um ano, ano e meio. Quando quis voltar, já o consultório não existia.

E depois este, faz oito anos, dava-me sempre um beijinho na testa como se eu fosse uma miúda.

Esclerose lateral amiotrófica, conseguiu ela pronunciar, depois de ter limpado os olhos.

Também fiquei triste e tive saudade daquele beijinho da testa, não obstante ter sido atendida por um dentista novo, bonito, profissional, e com um sorriso magnifico.

~CC~







quarta-feira, 17 de março de 2021

Sabe bem

 

As pessoas andam estranhamente felizes e voltaram a meter conversa umas com as outras.

No passeio de Domingo, de meia hora para cá e para lá no qual levei pacientemente a mais velha com a sua bengala em passinhos lentos, cruzei-me com crianças, ciclistas, famílias, pessoas que passeavam os seus cães. Quase todos tiveram uma palavra para com ela e ficou longamente a falar com o senhor que, à porta de uma habitação antiga, regava os alguidares com alfaces e alho francês.

Quem me vendeu ontem o café parecia explodir de alegria e comentou: sentimos tanta falta, não foi?! A caixa do supermercado insistiu para eu ir tirar à máquina o talão de descontos, coisa que nunca faço, e na qual fui pacientemente ajudada pelo segurança, como lhe fiz a vontade, não deixou de me dizer: sabe que ficou com 18 euros no cartão, é dinheiro...

Pode até ser o meu olhar. Pode ser por pouco tempo. Mas sabe tão bem.

~CC~

sexta-feira, 12 de março de 2021

Da Bósnia com amor


Amarelas como os girassóis dos quais gostas.

Mas mais resistentes. Vivem uma parte do tempo debaixo de água, suportando uma boa dose de sal. Ainda assim esperam por aquelas horas em que o sol vem acarinhá-las e sorvem-no. Permanecem bravias, impossíveis de apanhar para colocar numa jarra, não se acomodam, mas sabem adaptar-se.

O agridoce não enjoa e é das misturas que as coisas mais belas se alimentam.

Deve ser por isso que apesar de teres nascido na popular maternidade Alfredo da Costa, tirada a ferros e com Índice de Apgar 7, vieste afinal da Bósnia, essa terra de resistência.

~CC~




quinta-feira, 11 de março de 2021

Pedra mole (2)


 Tento sempre voltar a um lugar no qual fui feliz.

(Calçadinha Romana, São Brás de Alportel)

segunda-feira, 8 de março de 2021

Flores

 

Acabem com as rosas, calma, não as destruam.

Mas olhem bem nos olhos da mulher que amam e descubram que flor há lá dentro, depois comprem-lhe essa ou, ainda melhor, uma planta em que ano após outro essas flores possam aparecer como se fossem beijos.

E muita atenção, a flor pode mudar, as mulheres crescem, amadurecem, complexificam-se.

Escolham qualquer dia para lhes dar uma flor, querem que seja este, também pode ser. Há lá coisa que pareça mais frágil e seja mais forte do que uma flor.

~CC~

sexta-feira, 5 de março de 2021

Pedra mole


Uma obra com a tua marca.

Imagino que o meio é o meu coração, uma espécie de pedra amolecida pelo carinho que sinto por ti.

~CC~



quinta-feira, 4 de março de 2021

Armário dos improváveis (3)


 

Que será? Não cheguei a provar, ficaram lá esquecidas por mais de um ano e agora o prazo de validade já não me permite usar a escala de 1 a 10.

Maldita curiosidade que me anima no acto de compra e que se desvanece depois da entrada do armário.

~CC~


segunda-feira, 1 de março de 2021

Também eu


Nos lugares dos pescadores de rio, onde eles passam os domingos a lavar os barcos, a pintar, a conversar. O estuário cheira a água lodosa, os caminhos têm erva alta, buracos e poças de água, há caracóis e muita salicórnia. E os cães mergulham na água nadando plenamente felizes. Desfeitos sonhos grandes, vidas imaginárias, coisas que poderia ter, agradecendo o que a vida me dá, também eu sou feliz. 

~CC~