domingo, 29 de novembro de 2020

Boas ideias (4)

 

A mãe sempre gostou de costurar e a filha cresceu a vê-la inventar roupa e desconstruir outra já comprada. Quando receberam aquela pequena herança, ficaram a pensar no que poderiam fazer juntas e uma loja com marcas inovadoras e uma peça ou outra feita pela mãe apareceu como uma coisa que poderia trazer uma lufada de ar fresco a uma localidade pequena mas com bastantes jovens. A filha achava que já tinha passado a fase das grandes cadeias de marca e que muitos e muitas já estavam fartos de encontrar na escola e no trabalho pessoas com camisolas, calças e casacos idênticos aos seus. Talvez fosse o tempo de se ser um pouco original, de ter uma peça única.

O primeiro ano não correu mal, já o segundo chegou com a pandemia, o fecho abrupto e depois disso os múltiplos condicionamentos. Passavam tardes uma com a outra na loja vazia. Primeiro, a ideia mais óbvia foi a de criar o Facebook e o Site. Mas nem por isso as vendas cresceram muito, pois como elas, muitos já tinham tido a mesma ideia. Uma tarde a mãe disse à filha para vestir isto e aquilo e fazer um pequeno desfile pela loja, a filha brincou com ela e fê-la prometer que a seguir trocariam. Uma filmava e fotograva a outra e divertiam-se. Integraram esses pequenos vídeos nas redes socias e as visualizações cresceram, as compras também, ligeiramente. Depois disso, uns pequenos "directos" com a história das peças, desde o tipo de tecido aos vários modos de a vestir. Divertiram-se ainda mais. Mas mais do que isso descobriram nelas talentos que nem sabiam ter. Venderam um pouco mais, sem êxitos retumbantes mas a conseguir alguma compensação, a ver a luz ao fundo do túnel. 

Sentem-se agora muito menos sós e ganharam esperança.

~CC~

Nota: Inspirada numa história verdadeira lida num jornal local.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Centro gravítico

 


Do mais velho um abraço aconchegante.

Do mais novo um beijo repenicado numa das minhas bochechas,

São os rapazes do meu Sul.

Eu cresci com um homem doce e uma mulher fria. Mais tarde percebi que por trás do homem doce havia muita negligência e da mulher fria uma certa forma de cuidar. Tudo é mais complexo do que parece.

Hoje, em homens e mulheres a agressividade e a dureza afastam-me na mesma medida em que a delicadeza e a bondade me atraem como um centro gravítico sem fim. Mas a doçura não pode ser feita de excesso, uma alta concentração de açúcar não se dá com o meu sangue.

~CC~




segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Boas ideias (3)

 


Elas patinavam ao raiar da manhã de Domingo de Inverno no auditório ao ar livre e pareciam autênticos cisnes nadando no lago e até às máscaras lhes conferiam uma harmonia comum como se fossem parte da cenografia criada. Fiquei a ver emocionada e a adivinhar o que iria nos seus corações de quinze ou dezasseis anos. 

Eles estavam deitados na relva na segunda feira de manhã, tão quietos que ao longe pareciam dormir e só quando me aproximei vi que se mexiam lentamente, lançando para o ar vagarosamente os braços, as pernas, as cabeça rodando para cá e para lá. Fiquei a pensar se me aceitariam naquele grupo que claramente se situava nos +65 e tinham uma professora da mesma idade, tentando inspirá-los a usufruir do sopro da manhã bela de Outono. 

No campo de jogos, a senhora atirava a bola ao miúdo e ambos pareciam trôpegos na corrida para apanhá-la, ele por ter saído dos primeiros passos e ela cansada dos seus muitos passos, mas entendiam-se maravilhosamente em gargalhadas doces.

Nunca vi tanta gente nos jardins, nas veredas, nos caminhos, nos trilhos das bicicletas, parece que os Portugueses descobriram a rua, as esplanadas, os jardins. Espero que continuem a aproveitá-los mesmo depois de tudo isto passar, que não se esqueçam destes caminhos. Eu aproveito a hora a que saio como se já de uma vacina se tratasse, claro que esta é contra a tristeza.

~CC~


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Faltam-me as mãos

 


Nunca pensei que alguma vez me poderia doer a falta de contacto físico. Logo eu que me arrepiava por ter de dar a mão ou abraçar um estranho, mesmo quando em festas ou festivais em que isso era bastante incentivado (o Andanças, ai o Andanças...). E se num espaço público, a minha bolha dos 20cm era desfeita, isso incomodava-me verdadeiramente. Sempre me interroguei como é que sendo um bicho social era também um bicho do mato. E agora, no vazio enorme deste ecrã e destas luzes, sinto-me cega, faltam-me as mãos para poder ver.

~CC~



terça-feira, 17 de novembro de 2020

Boas ideias (2)

 

Sinto-lhes a falta todas as noites de sábado. Era o momento de transição, o momento em que me sabia viva, me dava ao direito de me esquecer do trabalho e em geral de todas as preocupações, em que mais me sentia a usufruir. Se não fosse a um espectáculo de música, teatro, cinema apenas seria por não haver nada na oferta cultural mais próxima.

Por ora não fazem take away. 

Mas fazem sessões de teatro às 11h da manhã, também há cinema às 10h. Se fecharem as salas de espectáculo e os deixarem, talvez façam sessões porta a porta junto às nossas casas.

Não desistem, reinventam as sessões, tentam criar segurança junto do público, desfasando lugares e enchendo apenas metade a um terço das salas. A vida para a cultura e para as artes já antes era difícil, agora apenas piorou. 

Pode parecer ilógico, o vírus faz o seu caminho tanto de dia como de noite. Mas os jovens têm muito mais dificuldade em se levantar cedo e a festa está associada à noite, creio que é por aí, é preciso que a noite feche pois é um convite ao descontrolo. Não é, claro, o único meio, mas é um dos possíveis, dos mais possíveis.

Domingo às 10h, talvez perto de si, enquanto for possível, com todo o cuidado. Até um sábado à noite de um qualquer ano, mais para diante.

~CC~

sábado, 14 de novembro de 2020

Boas ideias (I)

 


Estava ali, logo à beirinha, mal saí de casa.

Uma pequena ardósia colorida à porta de um restaurante muito próximo da minha casa mas ao qual nunca fui.

Dizia:

Coma em casa com toda a calma!

Take away pratos alentejanos.

Subtil " a calma" a condizer com os "pratos alentejanos" e o tom positivo da mensagem,

Fiquei com muita vontade de encomendar porque a criatividade e a serenidade merecem todo o meu respeito.

~CC~



quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Então, por onde anda esse maravilhoso país?

 

Estão sempre chocados com tudo, contra tudo e a precisar da ajuda do Estado. Primeiro defendem a economia de mercado mas quando há dificuldades, já não é boa, venha uma ajudinha que agora não há lucros.

Protestam porque a aplicação lhe roubará os seus maravilhosos dados privados. Protestam porque antes lhes diziam para não usarem máscaras e agora dizem (nem se chega a perceber se as queriam ou não usar, mas como usar o que não se tinha?). É por se lhes pedir confinamento a mais, ou confinamento a menos. É porque os médicos agora lhes telefonam todos os dias a perguntar como estão se tiveram um teste positivo à Covid ou porque antes nunca lhes telefonavam. É por as senhoras que regulam a Saúde falarem sentadas a uma mesa, vestidas normalmente (deve haver um dress code para a pandemia, eu é que não sei), é por os supermercados terem diminuído os seus horários ou por agora os ampliarem. Os concelhos que estão fora da lista negra querem estar e os outros querem sair. Os restaurantes estão contra os supermercados e os supermercados estão-se nas tintas para os hotéis e os hotéis estão contra os organizadores de eventos que não os fazem e são ineficazes a trazer turistas e...Os cientistas nunca mais se despacham com as vacinas mas quando houver a vacina só 10% admitem tomá-la. E não deviámos admitir cá espanhóis mas estamos muito chocados por agora exigirem aos portugueses um teste à entrada.

Os políticos então, esses não se prepararam, foram todos a banhos como se não houvesse segunda vaga, deviam ter ficado sentados às secretárias a engendrar planos contra o vírus...chamassem os últimos peritos em informática, afinal não são eles os pioneiros do antivírus?

E depois dá-se-lhes o microfone para que falem desses planos, para que digam o que fariam e como fariam...e afinal... a montanha pariu um rato. 

Lá se foram os arco-íris fofinhos nas janelas, as palmas à janela aos maravilhosos médicos e os favores feitos aos vizinhos. Lá se foram os políticos a falarem de união contra a pandemia e de um país maravilhoso chamado Portugal com um povo capaz de enfrentar grandes dificuldades. Agora o orçamento passa por uma unha negra: para uns social de mais, para outros social de menos.

E a morte, essa faça o favor de bater à porta de outro e não à minha - é basicamente isso. 

E embora eu não seja uma fã dos arco-íris fofinhos, também não sou grande fã das bandeira negras. Seria bom nos juntarmos para fazer umas quantas coisas bem feitas e nos livrarmos disto.

~CC~




segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Oh rapaz voador, toma o meu sorriso

 

A fuga dura cada vez menos. Ainda assim preciso de saber que outros seres humanos existem, o écran que me traz rostos não é suficiente, às vezes falta-me simplesmente o ar.

Por isso maravilho-me com o rapaz voador. É muito alto, muito moreno, talvez mesmo mestiço, anda de manga curta, mesmo com o vento a soprar gelado. Não há oficialmente serviço de mesa mas ele gosta de dançar entre as mesas, por isso traz tudo, o café, a água e a conta, suponho que estar parado atrás do balcão não seja coisa para uma alma inquieta. Todos os sorrisos que rompem por trás das máscaras deviam ser homenageados. Queria que ele visse o meu, de puro agradecimento.

~CC~


domingo, 8 de novembro de 2020

Georgia

 

Esse condão de se ser dominante.

Esse poder de ter sobre si os olhos do mundo.

Foi assim connosco também. Em família seguindo minuto a minuto, discutindo cada coisa, festejando cada pequena vitória, suspensos.

E por fim um suspiro, um sorriso, uma voz que não se deixa abater.




~CC~


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Ser um fogo que se acende com um pequeno fósforo

 


O cansaço é um manto escuro que se enrola em mim. Venço-o a cada madrugada a que me levanto para poder iniciar as aulas ao raiar do dia. Às vezes penso que não vou aguentar este ritmo. Mas há um eu que absorve cada bocadinho bom como reserva para o enfrentar, seja o bocadinho bom a aula de yoga, o café junto ao mar, o riso que um blogue consegue despertar-me, o whastapp da família, ou tão só os 5 minutos de silêncio. 

Agradeço ser um fogo que acende com um pequeno fósforo e que demora a apagar-se.

~CC~







terça-feira, 3 de novembro de 2020

Aves que buscam sol

 

Passaram num grande grupo, certamente mais de doze, entre os 15 e os 20, todos louros ou alourados, o que se coaduna com a Europa lá mais a norte. Devem ter enchido o hostel.

Os concessionários sabiam-no, ou sabem-no (embora o discurso oficial seja outro), tanto assim que não retiraram da praia as espreguiçadeiras. Vejo-os em trajes de banho e a entrar nas ondas, com o ar deliciado de que aqui o mundo é outra coisa. Eu não me atrevo sequer a usar manga curta. São as variações climáticas que as peles têm. 

A esplanada virada ao mar esgotou ao almoço, dois terços não eram portugueses. Indiquei pelo menos a três visitantes falantes de inglês onde era o supermercado. Não sei se o mapa do Algarve (quase) livre do vírus (excepção a S. Brás, por mero azar) decorre da leitura mesmo correcta dos números, se é parte de uma política assumida de chamamento de turistas (em que a informação que interessa é a que condiz) ou se é tudo verdade, o mapa bonito é a real e feliz conjugação do sol, sal e mar. 

Certo é que não me lembro de outro novembro assim tão cheio de turistas na rua principal da cidade capital do reino. É certo que ainda estamos longe da invasão dos anos oitenta, mas em tempos de pandemia, há quem desafie o inferno e talvez pense que chegou ao paraíso. Invejo-lhes o tempo e a disponibilidade e cedo-lhes com gosto o meu bocado de mar. Que aves não buscam o sol?

~CC~