Sonhei contigo esta noite, sonhei que te encontrava lá. Não sei há quantos anos não te vejo, por certo mais de vinte. Provavelmente foi contigo que ouvi pela primeira vez uma música do Chico Buarque. Eras de uma família Lisboeta, de média burguesia, engajada na esquerda e muito culta. Eu era apenas uma miúda dos subúrbios, pobre e sem grandes horizontes culturais, na música o mais longe que tinha ido era ao horizonte dos Beatles e dos Génesis. Era milagre que me tivesses prestado atenção, atendendo ao meio em que vivias. Eu, tão tímida, reservada, média aluna, sem saber muito bem o que queria da vida, sem nenhum conhecimento dos meios artísticos ou culturais alfacinhas. Estava muito perdida quando me encontraste.
Um dia perguntei-te porquê eu.
Usavas xaile, disseste. No dia em que te vi pela primeira vez tinhas um xaile, nenhuma miúda de quinze anos usava um xaile como tu usavas (nos anos oitenta).
Já não o tenho, nem sei bem como o arranjei, provavelmente pedi à minha mãe que o fizesse ou então encontrei-o lá por casa, deixado por alguém, já que a minha casa era também uma espécie de pensão.
Tenho contudo um ali muito bonito que raramente uso, não tenho coragem de usar algo tão excêntrico num tempo em que a excentricidade já quase não existe, é tudo muito mais banal. Lavei-o e estendi-o enquanto pensava em ti.
Talvez o leve.
~CC~