A Ruivinha tão nova e singela, de olho azul, talvez por me ver ali a almoçar confortável numa mesa de um, pediu também uma mesa. De salientar que a especialidade da casa eram os hambúrgueres mas havia algumas outras opções, outra que escolhi e estava bem deliciosa. Ela demorou e demorou na escolha, embora a lista não fosse grande e optou pelo mais simples, apenas com queijo. Reparei no seu uso da língua castelhana, em vez da inglesa, que lhe parecia assentar melhor como (sua) língua nativa. Talvez se julgasse em Espanha ou talvez por simpatia tenha querido escolher a língua mais próxima da nossa. Numa eternidade de tempo, talvez uma hora ou mais, ela apenas debicou o seu repasto, tendo deixado rigorosamente metade no prato. Vi-lhe o esforço que parecia quase causar-lhe lágrimas. O empregado esforçou-se por não a incomodar, mas depois de tanto tempo lá lhe perguntou se já tinha terminado, uma vez que ela não tinha usado os talheres e não havia nenhum sinal da sua decisão. Envergonhada, disse que levava aquela metade, que estava bom mas não tinha fome.
Acabei o meu livro, li-o numa hora*, exactamente o tempo que ela dedicou ao seu esforço de comer uma refeição. Pensei em como eu própria, por motivos de saúde, já tinha tido igual vergonha. No caso dela, a juventude não me parecia poder coincidir com uma doença como a minha, mas de modo igual, o seu desconforto. Apontaria qualquer distúrbio alimentar pois ela sentou-se para fazer uma refeição, simplesmente não conseguiu. Do mesmo modo que outros não conseguem parar de comer ou de beber.
Tão nova, tão bonita, tão singela. Apeteceu-me abraçá-la. Mas claro que me impedi, não fosse levar um tabefe em espanhol.
~CC~
* o livro é o último do Gabriel Garcia Márquez, bem pequenino.