terça-feira, 1 de novembro de 2016

(Do meu) Corpo



No filme "Virgem Prometida" assistimos a dois processos de transformação do corpo sexuado, uma rapariga torna-se num rapaz, mais tarde, esse rapaz, já adulto, quer voltar a ser uma mulher. O bisturi não entra aqui, é apenas a postura, a roupa, o olhar. Qualquer uma das buscas é impressionante na exposição de um eu dorido, em busca, em permanentemente insegurança. Gostei muito.

Também eu sinto a parte direita do meu corpo meio amputada. Perdi peso e não me fica mal, há muito que o queria. Mas o cateter permanente instalado na veia cava tirou-me a força desse lado, sinto formigueiros ao longo do braço e às vezes dor. Tenho dificuldade em conduzir. Não posso vestir tudo o que quero, anulei os vestidos e as camisas compridas. E se eu gostava de vestidos. Mas mais importante que isso é mesmo este sentimento de ter deixado em parte de ser uma mulher e passar a ser apenas um corpo, parte dele sequestrado, quase máquina. E o cabelo não caiu ainda, daqui a pouco isso acontecerá e já marquei na minha cabeça o dia para o corte de 2cm. A imagem é uma parte importante da nossa identidade, só o sabemos quanto, quando alguma coisa em nós se quebra, emigra, desaparece.

Como a rapariga do filme creio que terei que depois aprender a ser um corpo sexuado, uma mulher. Não é que aos 50 anos os rostos se voltem quando passamos mas ainda me sentia um corpo feminino íntegro, ajudada pelo facto de ter sempre gostado de ser uma mulher. Penso em coisas que nunca pensei antes para não perder totalmente a minha imagem, como, por exemplo, usar maquilhagem. Depois rejeito a ideia, não me ficaria bem. Hei-de encontrar-me de alguma forma.

~CC~



5 comentários:

  1. Vai encontrar uma nova forma, sim, que será a sua - a sua história.

    Um abraço, CC

    ResponderEliminar
  2. um beijinho, CC.
    (com o coração apertado)

    ResponderEliminar
  3. Laura e Miss Smile, é bom vos saber aí desse lado.
    ~CC~

    ResponderEliminar
  4. li o texto e fiquei sem palavras. todos os dias me lembro dele, desde que o publicou.
    a feminilidade não nos larga, a umas mais do que a outras. no meu caso, sou uma trapalhona, não me cuido, pouco me arranjo. tenho, no entanto, comigo dois exemplos de feminilidade gravados na memória, há algumas décadas. uma mulher jovem, em biquini, numa praia do algarve, faltava-lhe um braço, e uma senhora de muita idade, que retocava a maquilhagem e perfumava-se num local qualquer que já esqueci.
    mas só passei aqui para deixar um abraço.
    Paula

    ResponderEliminar
  5. Olá Ana (Paula), em geral estou bem disposta mas a dor tem que sair por algum lado e a escrita é o melhor meio, melhor que chatear o pessoal à minha volta. Agora, com o cabelo muito curto, só me apetece vestir saias (e isso posso), hei-de ajeitar-me como corpo feminino. Um abraço para si também e obrigada por vir até aqui, pelo carinho.
    ~CC~

    ResponderEliminar

Passagens