quarta-feira, 10 de abril de 2013

Abrigo



Ontem um homem gritava tão alto na minha rua que as janelas se encheram de gente. Era uma hora tranquila, cerca das duas da tarde. Tinha despido a roupa e para além de gritar sem nexo, deitava-se de quando em quando no meio da rua, de costas para baixo.
 
Um homem perdido, enlouquecido por uma razão ou pela ausência total dela. Jamais o saberei.
A imagem dele, apenas com cuecas, deitado na rua de barriga para baixo, essa acompanhou o meu dia. Estava desamparado e sozinho.
 
Mais tarde pude pensar novamente nele quando ouvia refugiados de vários países, quase todos muitos jovens. Em vez de contarem a história na sua própria voz, encenaram as suas vozes numa polifonia e trouxeram até nós uma peça intitulada abrigo. Nunca tinha reparado como a palavra é bonita e encerra nela tudo quanto desejamos. E foi bom ouvi-los falar do nosso país como um abrigo, logo nós que nos temos sentido tão desabrigados, tão desiludidos com este chão que nos acolhe. Chorámos quase todos com eles porque alguns deles também choraram connosco.
 
Como eles abrigo também foi o que procurei toda a vida. E isso é mais do que uma casa, uma família, um nome no cartão do cidadão, embora essas coisas sejam as primeiras e sejam importantes. Apesar da minha experiência ser muito menos dolorosa também sei o que é partir de um lugar à força e sem saber porquê, deixar a nossa infância para trás e não ter sequer um brinquedo que lhe pertença.Também sei o que é não ter abrigo. Também sei o que é encontrá-lo e depois voltar a perdê-lo. Também sei o que é ser o abrigo de alguém. Hoje a incerteza abate-se sobre quase toda a nossa vida e tantas são as vezes que sei que tenho abrigo como aquelas em que sinto que não o tenho.
 
Se puderem, sejam o abrigo de alguém, alguém único e especial que só vocês podem abrigar e que só junto de vós se pode abrigar.
 
 
~CC~
 
 
 

5 comentários:

  1. Também nunca tinha reparado como a palavra é bonita - abrigo; e como a última recomendação faz sentido. Ab.

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  2. Infelizmente, por vezes, sinto que, por mais que amemos, nunca chegamos a ser o abrigo de alguém ou alguém o abrigo de que precisamos. Estou, certamente, a ser muito céptica. :)

    Um abraço.

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  3. Maria Jesus, que faz lá isso faz...Deep, que é difícil lá isso é.
    Abraços às duas
    ~CC~

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  4. e ser abrigo e ficar-se sem abrigo? ah pois.

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  5. Pois, pois...é difícil que se farta!
    ~CC~

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