Ontem fui pela segunda vez entrevistar um pequeno grupo de imigrantes de origem asiática num meio rural de pequena dimensão. Da primeira vez comovi-me. Mas desta segunda vez indignei-me. Vim de lá às 19h30m e deixei a televisão desligada, não fui capaz de ver nada. Fiquei assim um bom tempo no silêncio e triste. Ali está a desordem do mundo no seu pleno. Entre a zanga, a esperança, a gratidão, eles vivem sem futuro, a palavra amanhã não é pronunciável.
Ajudou-me que a rua também estivesse totalmente silenciosa, durante uma duas horas nada se ouviu, quase parecia o tempo da pandemia. E depois voltou o ruído mas sem festa e adivinhei porquê. Pouco a pouco voltei a mim e esbocei um sorriso com a série do canal 2, vivida num hotel à beira mar. E adormeci. Algum tempo depois acordei com os sinais de ansiedade que de quando em quando me visitam sem nome, sem origem conhecida, sem destino aparente. É a sensação de suor, tremor e falta de ar. É levar até ao limite para não tomar o comprimido e entristecer com cada capitulação que se faz ao químico. Penso no que o poderia substituir. Um quintal para ver as estrelas? Um lugar mais fresco para morar? Alguém a quem ligar? Um tempo sem trabalhar? Voltar com muito mais regularidade ao yoga? Psicoterapia?
Adormeci na cogitação de futuros e acordei mais tarde do que o habitual. E senti-me leve outra vez como as pessoas dizem que pareço estar, há quem diga mesmo que nunca me viu tão feliz, outros tão nova e há mesmo quem, como esta manhã, na loja, peça o segredo.
~CC~
É assim a vida, o seu texto fala de momentos comuns a muitos de nós, até dos ataques de pânico. E já agora, sou um apreciador da deliciosa série que está a correr na RTP2, no tal Hotel à Beira mar.
ResponderEliminarÉ a vida a minha inspiração, a que circula entre mim e os outros. O que gosto na série é a sua aparente leveza, mas tem lá dentro coisas sérias e profundas. E o hotel é um espanto de beleza. Gosto sempre de saber que alguém no mundo partilha alguma coisa comigo, faz-me sentir acompanhada, obrigada!
EliminarNessas horas de ruído nenhum, também fui fazer uma visita. Não a imigrantes, a alguém que tem ainda menos esperança e menos tudo, que me merece respeito o sofrimento sem remédio. O mundo português pôs-se em pausa para sofrer o desgosto. Mas pronto, passou.
ResponderEliminarAcredito que todos os que já viveram anos suficientes para eles, tenham pesadelos. Talvez por essa arrumação seleccionada pela memória, talvez porque a capacidade de sonho vá diminuindo com a madureza de cada um. Nem todos temos suores, tremuras e faltas de ar, mas são pesadelos na mesma, só que a seco (e sem cachecol). Julgo que faz parte: da memória sabemos mais ou menos o que guarda; do inconsciente que saberemos se é da sua essência ser inconsciente?! E não é ele que aproveita para se manifestar?
Dado serem já duas pessoas a gostar do Hotel à Beira mar, vou ver se o encontro na rtp play, a minha TV está dirigida para telejornais, futebol e comentários do mesmo mais séries da netflix que não me atraem.
Entretanto, vi na netflix um filme de que gostei pelos intérpretes: Donald Sutherland e Helen Mirren, "Viagem Inesquecível". De vez em quando surge um filme ou série que nunca vi e vale a pena.
A nossa aparência física é quase sempre um engano. Lembro uma religiosa que sofria horrores com doença óssea, já não andava e cujas mãos pouco mexiam, mas tinha um uma tez radiosa e aparentava saúde a 100%. Contudo, temia cada noite que se aproximava. Vivia sem dormir, vejo-a ainda dormitando na sua cadeira, dentro do claustro, pés e pernas expostos ao sol.
Para além do mais, de que nos vale ter aparência mais jovem? Os nossos órgãos internos têm a nossa idade e alguns estão em tão mau estado que parece termos nascido e eles já velhos. A natureza faz-nos em grande medida e não é enganável :)
Bom domingo, CC. Votos de sonhos benévolos e boas noites de sono. Ataques de pânico sei o que são em teoria - devem ser sofridos.
Netflix não tenho mas às vezes apanho coisas muito boas nos cines. Quanto à velhice, os órgãos sabem sim e dizem-nos, nós é que queremos muitas vezes ignorar. Mas sabem bem os elogios. Beijinho Bea e procure a série, talvez goste.
Eliminarjá procurei e vi o primeiro episódio. Vale a pena, sim. Parece levezinha, mas vai tocando nos fundos de uma época turbulenta.
EliminarBem haja, CC