domingo, 21 de abril de 2024

Não me quero perder


 Caldas da Rainha, Portugal


A maior parte das pessoas tem medo do seu envelhecer externo, dos cabelos brancos, das rugas, das pregas por baixo dos braços e em torno dos lábios, de tudo o que significa a decadência do corpo. Nessa matéria, a diminuição da mobilidade é o que me assusta mais.

Mas o que me assusta mesmo é o que vejo acontecer por dentro das pessoas. Um envelhecer feito de desatenção ao outro, um excessivo centralismo nas necessidades do próprio, a diminuição da empatia e da consideração pelo que os outros sentem ou fazem. Por outro lado, quando o analiso, parece-me que provavelmente essas pessoas sempre foram assim e essas características só se acentuaram com a idade. Mas acentuaram-se, de repente apenas eles estão no centro do mundo e torna-se difícil dizer-lhes que existimos por dentro da carne, temos sangue, suor, lágrimas, vidas muito cheias de tudo, tão cheias de coisas que lhes poderíamos contar, caso nos pudessem ouvir. Mas já não querem, isto se algumas vez quiseram. Vou buscar às vezes algo para lhes dar ao cerne da bondade que me habita, mas como não sou só bondade, às vezes não consigo.

Gostava de envelhecer atenta aos outros e às suas necessidades, com capacidade de escuta activa. Ontem vi um bebé que não devia ter mais de dois meses e estava ao meu lado num evento público, ao colo da sua cuidadora (a mãe estava em palco) todo ele era desejo de relação, ele sorria, olhava atento e tentava chamar a nossa atenção. Uma maravilha de ser humano na pequenez da sua existência. Onde nos perdemos? Não me quero perder.

~CC~



10 comentários:

  1. Tambem concordo com essa ideia na totalidade 🙂

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  2. Parece-me que tem sido sempre assim, que os velhos, como venho dizendo há anos, se vão calando, a mim acontece-me muito e até antes da velhice. E não só com os mais novos a quem, como diz a CC, pouco importam as nossas histórias. Ao invés, num egoísmo natural, os nossos querem e desejam que permaneçamos iguais àqueles que fomos: já disseste isso não sei quantas vezes, não ouviste, agora também ouves mal; ou: já te ensinei como é que esqueceste tão depressa...Enfim, não há regressos ao passado, mas também eles custam a aceitar isso. Crianças e velhos são iguais na necessidade, mas não no tratamento. Porque os primeiros são o futuro e tudo neles cresce em vitalidade, apetecem; e aos segundos tudo mingua e penaliza; e não apenas o próprio. Depois, cada um que entra na curva descendente vai aprendendo em pormenor os caminhos da solidão, adapta-se melhor ou pior. A vida dá essa sabedoria de aceitação, tudo se lhe vai tornando natural. Creio como a CC que o pior seja a falta de mobilidade pela dependência que acarreta, que o resto faz parte de um processo natural, é um organismo que se degrada em fogo lento. Damos de nós o que o corpo e os outros nos deixam dar.

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  3. Admiro as suas crónicas. Sensibilizou-me o seu escrito de hoje, estou muito de acordo e também reparo nessa falta de compreensão de que o outro também é vida. Acho, no entanto, que essas pessoas sempre foram assim e que o ambiente social, que paira nos dias de hoje, agrava o individualismo.
    Um abraço

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    1. Sim, há muito que se vai caminhando para tal. Mas a sociedade só em parte nos molda, outra é nossa, de cada um de nós...que também a moldamos. O que me choca mais é quando encontro alguém cujos ideais até são uns e a prática é completamente diferente. Não consigo alinhar com os que dizem que temos que defender algo que nem nós conseguimos ser ou cumprir.

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  4. Olá CC, há alguns anos que ando a dizer que a indiferença é das piores coisas do mundo.

    https://youtu.be/jJ4cDAPtdJE?si=oecR3yM5kyLarB3J


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    1. Ai os franceses...esse seu modo de chegar ao fundo de nós.

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  5. Provavelmente, eu sou uma dessas individualistas indiferentes.
    De qualquer jeito, é sempre um prazer ler as suas crónicas.
    À escrita de qualidade não sou indiferente.
    Um amigo em cada esquina ~~ prescindo.

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    1. Nada disso Teresa, nem a primeira, nem a segunda. A Teresa farta-se de partilhar coisas, é mesmo uma mulher de "partilha". Segundo: nada de um amigo em cada esquina mas sim "sermos mesmo amigos daqueles a que chamamos amigos", os que escolhemos como tal.

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