quinta-feira, 18 de abril de 2024

Todos juntos no palco do teatro

 


Houve partes muito difíceis, fechei os olhos e apetecia-me tapar os ouvidos. Os relatos da tortura nas prisões da pide causaram-me mal estar, enjoo. Nas partes mais arrepiantes duvidei mesmo que pudesse ser assim. Mas no final a encenadora (Teresa Sobral) chamou-os, os que prestaram depoimentos e tinham estado ali todo o tempo, bem no meio de nós. E o menino que aparece abraçado pela sua mãe presa, os olhos baixos, esse menino é um dos actores da peça. Mas foi com a alegria que chorei, com aquelas imagens de um povo em festa, a comoção de ter sido possível e ter sido tão bonito. Eu era só uma miúda, lá longe num quintal, a seguir os carreiros que as formigas enormes faziam. A primeira consciência que tive da desigualdade foi contudo ali, as meninas negras da escola perguntavam se podiam vir comigo e apanhar as mangas caídas por baixo da enorme árvore e eu abria-lhes em segredo o portão, pedindo para não fazerem muito barulho.

~CC~

8 comentários:

  1. Não vi em teatro mas vi os locais e ali escutei as suas histórias. Paredes tristes aquelas. E que contentamento quando as portas se abriram definitivas. Palmas para os actores que conseguiram comovê-la e criar o espírito de repúdio. Há vidas muito malvadas.
    Suponho que a desigualdade só me chegou no colégio, estudava num meio a que nem de longe pertencia; considerava-me uma sortuda. Enfileirei nos que apanhavam as mangas do chão que, no nosso caso, eram laranjas; que tão poucas vezes nos calharam. Mas onde vivia éramos todos iguais, não recordo senão uma colega que ficou apenas um ano e que todos considerávamos rica por não almoçar na cantina e lanchar nos intervalos.
    Boa noite, CC

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    1. E eu era uma menina branca pobre, raríssimas andavam na escola pública como eu (erámos duas) mas ainda assim a pobreza é sempre relativa e era incomparavelmente mais rica do que elas. Contudo, muito nos unia, largávamos os chinelos para andar descalças e gostávamos de mangas. Boa sexta Bea.

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  2. 50 anos depois ainda vivem muitos para testemunhar.
    Um abraço.

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    1. Quando não estiverem cá para contar....teremos testemunhos suficientes? Quero muito acreditar que continuaremos a passá-los, que não nos poderão calar. Abraço

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  3. Tempos difíceis e inacreditáveis.
    Abraço
    Olinda

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    1. Aqueles sim, estes também...mas um bocadinho menos, afinal ainda não nos roubaram a Democracia.

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    1. Esgotado! Mas não cabiam mais do que umas 100 pessoas naquele palco ou talvez menos, era um espectáculo imersivo, estávamos no meio do cenário. Comprei com muita antecedência, às vezes sou assim.

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