terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

É no sofá que se envelhece mal

 

O professor de Chi-Kung, que encheu a minha Primavera de 2022 de sorrisos pós pandémicos e verdadeira vontade de voar, partiu uns meses depois para morar algures no interior do país. Nada que uns mergulhos de Verão em água cristalina, infelizmente gelada, não ajudassem a esquecer. Mas o Inverno chegou e com ele a vontade imensa de me confinar ao sofá, tapada com uma mantinha, a adormecer às dez da noite, tão esquecida do corpo como de tudo o resto. 

Com esforço procurei alguma coisa para fazer. Os tapetes de yoga são bonitinhos e a combinação com as velas e a promessa de paz espiritual no fim de cada sessão, lá me arrastaram. Uma belíssima professora para uma péssima e desconcentrada aluna, capaz de quase dormir no final da aula mas incapaz de meditar. Ainda assim gostava do desafio de me equilibrar num pé e numa perna e o esforço para o fazer era tão grande que me abstraia de tudo. Durou uns meses até as dores nas costas evidenciarem que ainda não tinha encontrado algo para mim. Parei quase um ano, salvo umas quantas caminhadas, sem dúvida um bálsamo, mas mais entretida com flores e borboletas do que com qualquer esforço físico. Rendida ao meu sofá, não obstante ainda chorar pelo antigo, esse verdadeiramente bom. Envelhecer no sofá não é mau, o problema é que se envelhece mal, com dores nas costas e demais partes do corpo e uma sensação que não temos força para subir uma escada.

Lá fui para a nova meca de todas as pessoas de meia idade. Na primeira factura veio adicionado um chocolate e em todas as aulas ela me chama de mocinha, o que me faz lembrar a maravilhosa canção do Chico. No Carnaval não há aulas obviamente, pelo que rapidamente lhe perguntei se ia sambar aí algures num desfile. Mas para abanar os meus estereótipos ela disse que ia sambar do sofá para a cama e vice versa. Ao que respondi: olhe que no sofá é que se envelhece mal.

~CC~


domingo, 23 de fevereiro de 2025

Manhãs de Domingo

 

Ontem vi um arco-íris inteirinho da minha janela. As cores eram distintas e claras. Partilhei-o com algumas pessoas, tamanha era a sua beleza. Logo me perguntaram se ia buscar o pote de ouro que podia estar num dos extremos.

Não, não vou. Não é que não sonhe comprar aquela maravilhosa casa com os tectos trabalhados, os azulejos antigos e um quintal com uma fonte e um tanque. Mas os meus desejos, os meus sonhos são agora um lugar em que a espera se faz sem tensão nem ansiedade. Se nada fizer eles ficarão lá apenas como um cenário que alimentou a minha alma. Não corro, já só caminho. E nesse caminho às vezes não tenho rumo certo, posso mudar de direcção. A única coisa que quero mesmo é só mais vida sem dor nem doença, mais dias para acordar como hoje com uma manhã de sol e inspirá-la como uma flecha que abre o meu coração. Quero manhãs de domingo em que o pequeno almoço é saboroso, lento e harmonioso. 

~CC~

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Quando a terra treme...

 

É das coisas boas desta profissão, há sempre um ou uma colega da qual gostamos e encontramos casual ou propositadamente no nosso lugar comum.

E nós não nos podemos encontrar que a conversa flui sem barreiras, entretidas como duas miúdas. Olhámos assim uma para a outra boquiabertas quando nos disseram, vinte minutos depois, que tinha havido um sismo. Passou ali entre nós ou ficou parado à porta da nossa conversa, nada sentimos.

Mais tarde alguém disse: os sismos sentem-se muito mais quando estamos sozinhos. Sozinho é uma palavra de mil nuances, pode ou não vir vestida de solidão, de mal e de bem, de preto ou de azul. De qualquer modo prefiro que os sismos passem por mim com baixa intensidade e de preferência que esteja a conversar com alguém que goste.

(medo? sim, tenho imenso medo)

~CC~

domingo, 16 de fevereiro de 2025

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Haja paredes para escrever

 ~CC~


Nota: algures numa aldeia do Alto Alentejo, quase encostada à fronteira com Espanha

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Parados no frenesim da Avenida

 

Ditava a roupa, a mochila com o colchão enrolado e a barba de muitos dias que devia morar na rua. Estava parado a ler um cartaz de um congresso sobre Fernando Pessoa que ou já ocorreu ou muito em breve ocorrerá, não registei. Registei-o a ele e à sua atenção plena. A Avenida da República é um frenesim de movimento, uma onda que se movimenta rapidamente em dois sentidos. 

Mais ninguém parou, só ele bem junto ao cartaz e eu, a uma distância de um metro dele.

~CC~

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Pratos com essência

 


Sou o exemplo mais acabado de má vizinhança. Não frequento os restaurantes aqui ao lado de casa e não sei explicar a razão, a alguns deles chegam pessoas de todos os lados atraídas pela sua fama de boa comida. 

Mas hoje foi por pouco. Anunciava a ementa uma cachupa. E eu de repente já estava a viajar, se há algum sítio do qual tenho memória de cheiro e sabor é de Cabo Verde, não só a(s) ilha(s), como aquela que em Lisboa se frequentava, bocados do país pela cidade. 

Imaginei-me ali sentada diante de uma cachupa, saboreando longamente já que como bastante devagar. Mas não foi ainda o dia, o vizinho que me desculpe, mas a reunião das 14h30m não se antevia compatível com tal repasto. Há coisas que só se comem com tempo e com companhia, uma cachupa a solo não combina com a essência da morabeza. 

~CC~



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Para abutres e outros seres inumanos

 

Atendendo a que já morreram 43 mil palestinianos, a Riviera Palestina, a construir como futuro destino turístico será um lugar de banhos com cheiro a morte, bom para abutres e outros seres inumanos. Mesmo assim, deve haver quem compre o bilhete de avião.

Nem os ficcionistas mais loucos criariam este guião.

~CC~

Menos uma catedral

 

Eram só umas jovens de vinte anos num dia de sol, sentadas com os seus computadores frente a frente, aparentemente tão absortas quanto eu dentro do écran. E uma delas mostrou à outra o trabalho de Ciência Política, pedindo-lhe opinião. E a outra leu-o, talvez em dez minutos, disse que estava bom. Eu esperei que a conversa pudesse girar em torno do tema, não é todos os dias que se encontra alguém de vinte anos, na mesa ao lado, que estuda tal tema. Mas deslizaram durante mais de uma hora por objectos de marca, perfumes, prémios Grammy e cidades para as quais queriam viajar ou já tinham viajado. Os computadores continuam abertos, como um adorno, tal como o dito trabalho, apenas qualquer coisa para entregar a um professor qualquer num dia qualquer. 

Vi-as depois seguir caminho, tão leves, tão flutuantes, tão bonitas, só me esqueci foi de reparar nas marcas que levavam nos pés ou nos braços, mas provavelmente não saberia reconhecê-las como não sei reconhecer metade dos rostos ditos famosos. O café do CAM já não é o mesmo que intensamente habitei nos mesmos vinte anos delas, nesse tempo também não nos cobravam um chá por três euros e vinte cêntimos e os empregados não se dirigiam a nós em Inglês como se fossemos estrangeiros no nosso próprio país. Com estes preços, com este ambiente, nem a pala do edifício me fascinou. Até as catedrais de uma vida empalidecem. 

~CC~





domingo, 2 de fevereiro de 2025

É livre o pensamento

 


Enquanto estou aprisionada em tarefas múltiplas que me sugam todo o tempo disponível é quando o meu pensamento se liberta de mim e viaja a sítios inimagináveis onde provavelmente nunca irei. Hoje enquanto estava em casa presa ao computador fui a um festival de camélias em Sintra. Eram belas, de todas as cores, com a minha preferência para o branco que se destaca nas folhas verde escuro, exalavam um suave perfume que parece que me ficou agarrado à roupa. 

Não se riam, não dizem que a felicidade é uma busca interior?! 

Não que eu acredite, em certas circunstâncias extremas o pensamento agarra-se às coisas mais básicas: água, comida, agasalho, alívio da dor. Na presença delas, podemos deixá-lo ir a lugares onde seríamos felizes, posso imaginar-me.

~CC~


Nota: para quem possa levar o seu corpo até lá.