sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

No lugar do outro



O rapaz é engraçado, meio ruivo, olho azul, sempre muito calado. Agora tem mesmo que falar comigo pois acompanho-o no estágio. Diz-me que sente saudades de casa, embora esteja a cerca de 150 Km dela, e quando o diz, há quase uma lágrima a pairar-lhe nos olhos. Essa foi a primeira vez que esteve perto de chorar, houve outras, como quando me disse que em geral não sentia motivação para nada, muito menos para fazer um estágio. Vinte anos e tal desalento perturbam-me bastante. 

Procuro invariavelmente as palavras certas para o estímulo, com a consciência que o consigo em menos de metade. Na minha família, gente que saiu do nada, de um lado um polícia, do outro uma doméstica, somos todos bastante motivados para a vida em geral e para as profissões em particular, por isso custa-me entender, mas tento o mais que consigo situar-me nesse lugar do outro, de um outro vazio e triste. 

É que a mim só me assusta o tempo que não me chega para tudo o que ainda quero fazer e a hipótese, sempre em cima da mesa, da doença voltar e me impedir ainda mais.

~CC~

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Paraísos



Quando vemos um objecto perfeito apetece parar por ali, não ver mais nada, para que nada mais se possa registar para além daquela beleza, para que perdure muito tempo. Já me aconteceu com uma paisagem, com um momento na vida, ainda não me tinha acontecido com um filme. Dias do Paraíso de Terrence Malick tem obrigatoriamente que figurar na história do cinema, em qualquer lugar que ela se faça. 

É verdade, estou a falar de 1978, creio não ter a idade certa para o ter apreciado na altura, era uma miúda. Mas como muitos filmes, nada ali envelheceu, o filme pode ser visto daqui a muitos anos e permanecerá belo, intenso, emocionante. Uma palavra para as actrizes que nunca tinha visto antes, dois rostos singulares, de beleza pouco óbvia e um modo único de namorar com a câmara. Richard Gere, o galã, esperava tudo menos vê-lo ali, deve ter feito o melhor papel da sua vida, ainda que nada comparável ao rosto sofrido de Sam Shepard. Só conhecia os filmes mais recentes do realizador, cujas histórias são mais abstractas e susceptíveis de múltiplas leituras, não esta faceta em que conta uma história com princípio, meio e fim. 

Talvez este ano me inscreva na masterclass de Verão da história do cinema, o meu desejo de saber mais dirige-se para estas coisas e o Lauro António é um senhor, um poço de saber, um velho muito jovem. Talvez encontre assim o(s) meu(s) paraíso(s).

~CC~







domingo, 23 de fevereiro de 2020

Ai, o TOP 5...



Ontem, consultei algo que raramente consulto, a lista dos livros mais vendidos de ficção em Portugal. E fiquei estupefacta, no TOP 5, dois livros do mesmo autor. Um desconhecido para mim. Embora desconfiando dos títulos que não adivinhavam nada de bom, fui consultar, não fosse estar a perder um autor emergente, um desalinhado de festivais, de programas sobre livros, de blogues e afins. 

Nem queria acreditar. Jovem, português e homem. Mas também um chorilho de banalidades pirosas sobre o amor, a perda, a entrega, etc. Destronou o outro do mesmo tipo, que não sei onde anda, ou está mais velho e já não encanta tanto (é preciso que sejam giros ou pelo menos muito charmosos) ou foi viajar pelo mundo com o dinheiro que ganhou à conta das solteironas, das divorciadas tristes e das adolescentes perdidas, verdadeiramente o seu Target.

A este, nem lhe falta um livro de mensagens do tipo de auto-ajuda, daquelas que podes imprimir e colocar nas paredes do quarto. Também não lhe falta a página própria e a presença em todas as redes sociais.  O assunto? Os sentimentos típicos da adolescência, perder o namorado, estar apaixonada pelo namorado da melhor amiga, não gostar da sua imagem, os pais não lhe ligarem nenhuma, etc.  O mundo é triste e feroz mas tu podes lutar e ser feliz, só depende de ti. Esta mensagem resume tudo o que quer transmitir nos muitos livros já publicados, é só repetir a fórmula com variações.

Um Nicholas Sparks português a vender que nem pipocas. Com a agravante que se calhar o seu nicho de mercado ir muito para além dos/as adolescentes. Lembro-me de ver livros do Nicholas numa casa em que todas as gerações de mulheres os partilhavam.

A receita é afinal velha, as pessoas querem emocionar-se e sentir que estão a falar delas, da sua história, se calhar eu é que não devia achar isto piroso. Ou se calhar, resisto é à forma fácil como isto é feito, pois parece-me seguir quase um guião pré formatado, inspirado pelas melhores regras da publicidade. Entristeço estupidamente com a banalidade da lista do TOP 5, já que os outros três, os outros, senhores e senhoras, não são muito melhores.

~CC~






sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Outra folia


Coragem, há que suportar o Carnaval.

Primeiro, sou pouco dada a folias com calendário marcado. 

Segundo, desde miúda o Carnaval sempre me assustou, na escola havia que fugir dos ovos, da água, das bombinhas de cheiro, um martírio é como recordo esses dias. Suponho que me terei mascarado sem convicção uma ou duas vezes em adolescente.

Terceiro, em adulta detesto barulho, lixo e desperdício, coisa que o Carnaval produz muito. 

O que me vale é que na segunda, no ciclo de cinema, passa o Terrence Malick, e não há coisa mais oposta à data que se aproxima. Aí, a minha folia chamar-se-à beleza.

~CC~


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Sou outra



Como eu mudei.

Ontem dei um abraço a uma aluna, um abraço mesmo.

Isto era algo impensável há uns anos.

~CC~