sábado, 15 de fevereiro de 2014

O canteiro de morangos silvestres



Haverá em cada homem frio e austero um canteiro de morangos silvestres? O lugar da perdição, da doçura, mas também o lugar onde a tristeza começou um dia a formar-se como a segunda pele, essa pele difícil de despir e de se entregar. O homem já velho de Morangos Silvestres já não sabe quem é ele e quem é a sua máscara, na intimidade todos dele desgostam, na vida profissional fazem homenagens ao homem integro e honesto. Quantas pessoas podemos ser? Porque é que o melhor de nós não é entregue aos que mais amamos? 

Vi dois filmes de homens durões, aflitos com a sua existência, entregues à melancolia do seu fracasso com a morte por perto. É essa eminência de desaparecerem antes de terem podido despir a segunda pele que os deixa perdidos. E é nessa perdição que afinal parecem encontrar-se, quando os seus egos caem como marionetas, quando tudo se desfaz (Junte-se Clube Dallas a Morangos Silvestres), ou seja, demasiado tarde. Minado pela Sida, Ronnie jamais levará aquela mulher linda a dançar no baile.

Perdemos a maior parte do tempo da nossa vida a trabalhar, muito pouco a escutar os outros e ainda menos a escutar quem amamos. Juntamos a essa incapacidade de termos a pele sensível para quem está próximo, para o sofrimento que o habita, a possibilidade de estarmos mais perto de quem está distante, de quem pouco ou nada vemos (para a agenda das idas cinema - Uma história de Amor).

E é perto da morte, tão tragicamente amargurados que o lamentamos. Vi o meu pai torturado por todo o tempo que esteve longe das filhas, vi o seu olhar de uma imensa tristeza e mesmo assim incapaz de chorar. Apertei-lhe as mãos magras que tão pouco tempo nos acariciaram, muito embora ele fosse um homem doce. Tenho uma certeza: não quero morrer a lamentar o amor que não dei e o amor que não tive. Prefiro protestar a cada momento em que isso aparece diante de mim como um dia negro que me quer engolir.

~CC~

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