quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Bom dia



Já o vi algumas vezes por ali a arrumar carros e a vender óculos. É já um homem de meia idade, um pouco gordinho e sempre razoavelmente vestido, escapando claramente ao estereótipo do arrumador de carros.

Arrumei o carro sozinha, pois ainda havia muitos lugares, por isso ele não se aproximou logo, talvez com a sensação de que não merecia uma moeda. Mas como demorei a sair, ele lá se foi aproximando, mais para me perguntar se queria uns óculos de sol. Reparei, no entretanto, que tinha arrumado o meu carro de tal forma distante do do lado direito que impedia que alguém estacionasse do meu lado esquerdo e por uma margem pequena, com um jeitinho, tal seria possível. Disse-lhe: acho que vou voltar a tirar o carro, é melhor não acha, assim sempre fica um lugar aqui ao lado e pode fazer muita falta a alguém. Vi-lhe um enorme sorriso e agradeceu-me muito. Disse-me que a maior parte das pessoas nem sequer lhe diz bom dia e que se afasta a correr mal ele se aproxima, como se ele tivesse uma doença. Disse-me que nunca pedia dinheiro, que isso era com cada um, e que às vezes um bom dia teria sido suficiente.

Fiquei a pensar nas razões pelas quais temos tanto receio de alguém que não vive uma vida convencional e que na maioria das vezes o faz de forma inofensiva. O que nos faz fugir de um arrumador mal se aproxima? Estamos num espaço público, na maior parte dos casos com gente a circular. De onde nos vem o incómodo, o medo? Na maior parte das vezes as discussões que os vejo ter são entre eles e não com potenciais clientes. Também nunca fui insultada por nenhum deles e já me aconteceu dar e não dar dinheiro, em função das circunstâncias (ter ou não moedas, por exemplo).

E um bom dia, o que custa dizê-lo?

~CC~





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