domingo, 20 de outubro de 2019

O mundo todo



O congresso organizou-se no país interior neste fim de semana de frio e chuva intensos, muito nevoeiro também. Fiz pelo menos 300km pouco habituais, felizmente com mais colegas. Queria ter-me deixado contaminar mais pela pedra escura da cidade, pelos olhos das pessoas, pela beleza das árvores grandes que só mais a Norte se encontram, mas o desconforto do corpo não deixou.

Calhou-nos aquela moderadora que aposta na diferença. Nada de CV triviais, enviou-nos perguntas mais difíceis do que as que constam no questionário da última página do semanário Expresso. Fui deixando por responder até receber a mensagem de aviso, precisamente na noite anterior à minha comunicação.

Percebi que para metade das perguntas podia socorrer-me dos poetas que se infiltraram na minha pele. Para responder à pergunta sobre uma citação de um livro que dissesse algo sobre mim, era só viajar até aos bocadinhos da Sophia que sabia de cor. E ocorreu-me aquele de toda uma vida: quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que vivi longe do mar. E de repente um arrepio. Não era capaz de dizer isto num lugar tão longe do mar, o que sentiriam as pessoas dali, como encarariam isto? Risquei. Escrevi: terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo. Também era verdade. E assim, se ofendesse alguém, era logo o mundo todo.

~CC~

10 comentários:

  1. e são na verdade dois excertos que também me pertencem. Como outros que ela sonhou e disse por mim. Com mais luz, mais transparência, mais poesia. Mas também meus.
    Que muito viajou neste fds áspero. Convém agora que descanse.
    Boa noite, CC:).

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  2. Talvez, precisamente por viverem longe do mar, essas pessoas até gostassem de o ter assim, num verso. :)

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    1. Mas Luísa, buscar os instantes que não vivi longe do mar? Eles viveram assim quase toda a sua vida! Se fosse comigo acho que ficaria um pouco sentida...(do tipo, quem é esta caramela para vir ao interior valorizar assim o mar? É que somos um país injustamente assimétrico, coisa de que a poesia não tem culpa, nem a poeta, mas...)
      ~CC~

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  3. Bom Dia:)
    e quem sabe se a Luísa não tem razão. Viver longe do mar pode ser condição. Mas não se gosta menos dele por isso. Talvez seja amor mais melancólico, que não é em metros que amor se escreve.
    Bom Dia:)

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    1. Pois, se calhar é possível um amor platónico mas acho sempre esses amores meio tristes, acho que preferia amar as pedras como diz mais abaixo e o mar dos montes.
      ~CC~

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    2. Há um livro de Lobo Antunes que se chama "eu hei-de amar uma pedra"; e é sobre uma história de amor tão bonita e o que as histórias de amor fazem às mulheres portuguesas. Bom, é um bocadinho triste.

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  4. Já que a ~CC~ mencionou duas das minhas favoritas da Sophia, vou deixar aqui o Atlântico"

    Mar
    Metade da minha alma é feita de maresia.

    Que pena não ter visto o Granito e as serras num dia soalheiro :(

    Semana feliz!
    🍁🍁🍁

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  5. Ninguém como Torga amou o granito e as fragas, ninguém como ele as calcorreou em desvelo como se pele de gente que se ama e protege e a que se reza de joelhos. Não sei de amor tão vinculativo, dito e escrito a seu modo, com todo o corpo na terra. Era um amor extenso o de Torga.

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  6. Nunca o conheci bem, pode ser que um dia...me deixe encantar:)
    ~CC~

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