sábado, 9 de novembro de 2013

O cão de Saramago



Joana fez um risco no chão para explicar ao marido que ele ficaria de um lado e ela do outro. Pode ter sido nos Pirenéus que tal aconteceu. Pode ter sido Joana a inaugurar com o seu risco a fractura que deixaria a península ibérica à deriva. Ou, em vez de à deriva, à procura de si mesma. Num lugar no meio do Atlântico, girando sobre si própria. Com ela milhares de seres humanos atónitos pelo desastre natural ou apenas cinco seres humanos, três homens e duas mulheres.

Em Vale de Barris na noite fria de Novembro, enrolados em sacos cama, assistimos ao milagre cénico que o Bando fez com o livro de Saramago, um livro que li aqui pela primeira vez. 

O estranho fio azul que ninguém sabe o que é. A que nos conduz? A que nos amarra? A bandeira da Europa que o cão recusará no fim em definitivo. Este cão que no fim se liberta e com ele a voz rouca e magoada dos aflitos, dos sem nada, dos sem terra.

É um cântico amargurado que se ouve na encosta.

Só as mulheres de Saramago têm aquela força, a candura, a magia, a piedade. São sempre condutoras de destinos incertos mas não mostram medo. 

Que linda é a lua  nesta noite fria.

Há muito que penso que os nossos caminhos se deviam traçar por mar, não por terra. Este cão de Saramago, animal insano e ferido, metáfora de um povo. No final ele diz não, com voz magoada, dolorosa, rouca.

~CC~

Escrito a partir da peça Jangada de Pedra de José Saramago, peça encenada pelo Grupo de Teatro "O Bando".




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O frio dos frios


Qual será o maior frio de todos? O da temperatura? O do desespero? O da solidão? O da fome? Não sei, mas os bichos têm estratégias interessantes.

~CC~

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Surreal



Ai que Tryp Coimbra outra vez. Às voltas com A, B e C mas sempre no mesmo hospital, também uma escola. O rio desapareceu da janela, vieram as obras, os cortinados são os mesmos. Em A desejo não estar aqui, quero sossego, a minha sala pequenina. Em B digo que tem que ser, cada um tem o seu karma, carrega outras vidas além da sua. Em C fica aquela estação inexistente em Coimbra mas em que me apetece a tua pele, o aconchego de uma noite abraçada. Tryp que nome, nunca precisei de nada para as minhas viagens, essas que me levam sempre longe e ao centro dos meus desejos. Desejo uma estação só para mim, porque é que não me dão uma dessas abandonadas que a Refer fechou com cimento ou deixou ao abandono, mesmo que para fazer outra nova mesmo ao lado. São Tryps de negócios e não são poucas. O meu negócio seria sempre uma maneira de conjugar com comunidade e ganhar uma ninharia. Que cansaço, tanta autoestrada, camião, placas a anunciar terras a que não posso ir, a tua terra também ali no meio do caminho, estão ali os teus pais na casa que já esfria, aposto que a tua mãe me daria um bom chá de cidreira do Quintal. Ai quantas noites gratuitas valerá esta publicidade surreal? Nenhuma. Pois, classe média ou média baixa, é tudo a pagar. 

~CC~

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Ao engano...



À partida sim. Porque é que o Estado tem que tomar conta das escolas, porque é que elas não se poderão governar a si próprias, ainda mais se forem governadas por aqueles que as conhecem bem: os profissionais. Com uma regulação mais distante mas vigilante nos aspectos essenciais: garantia de que todos têm acesso à escola.

Mas o aplauso morre imediatamente quando me lembro como é no ensino superior. A prática da autonomia não é aqui há tanto tempo uma bandeira? Mas estão sempre a contradizer essa mesma autonomia, cativando as próprias verbas que as instituições criaram. Quem é que pode governar sem usar de forma autónoma o seu próprio dinheiro, gerir o seu orçamento?  Agora, obrigam as instituições a fusões e criação praticamente forçada de uma rede (as redes criam-se lá assim...), dando-lhes até Dezembro para apresentarem os seus casamentos de conveniência. Escondido está o verdadeiro projecto de encolhimento das ofertas formativas,  extinção simples das instituições do interior e das periferias das cidades, dotação de menos verbas e desemprego docente. Sim, há coisas mal e a cooperação é o modelo a seguir, mas o remédio não se cria sob pressão, em dois meses.

Escolas geridas por professores?! É no mínimo estranho que queiram dar a um nível de ensino, o que todos os dias tiram no outro. Qual é o projecto escondido?

~CC~

sábado, 2 de novembro de 2013

Outubro Francês



Raras coisas boas se alastram  ao país, tem sido isso que está a acontecer com a Festa do cinema Francês, pouco a pouco novas cidades exibem os filmes, possibilitando que mais gente veja cinema para além do império cinematográfico americano (que claro tem coisas excelentes, o único problema é a hegemonia).  De sublinhar esta capacidade de marcar positivamente o mês de Outubro. Felizmente as duas cidades em que vivo são parte da festa. Quanto à canção, enrola-se em nós, é Outono puro. Oh mon amour...



~CC~