segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Provedor-mor de defuntos e ausentes

 

Se mais poética não existisse na vida de Camões, e tanta existe, chegaria este cargo que teve em Goa: provedor-mor de defuntos e ausentes.

Tinha prometido não comprar mais livros tão cedo. Mas se há um aspecto em que estou sempre a quebrar as minhas promessas é neste, é uma compulsão irresistível, sobretudo depois da participação numa sessão com o autor/a, o modo apaixonado como falam da sua obra impele-me sem escapatória. Não é tanto o ter a assinatura do autor, aliás durante muitos anos nunca pedia, achava até ridícula a fila que se fazia. Mas desta vez valeu a pena, atentem na imagem.






~CC~

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Pinta-me de amarelo este cinzento

 

Subsistem pequenas flores amarelas, não obstante a chuva e o vento.

Subsistem pequenas borboletas brancas, não obstante o anúncio de um rigoroso Inverno. 

A borboleta branca pousa na flor amarela em beijo alimentício prolongado.

É destes detalhes que eu alimento os dias cinzentos, tentando trazer-lhes cor. É como se pedisse às flores e às borboletas que morassem um pouco dentro de mim. 



~CC~


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Escolho o azul

 

As conquistas das mulheres que vieram antes de mim permitiram-me a imensa felicidade de ser livre, fazer as minhas escolhas, caminhar com o rosto direito, nunca atrás de ninguém. Eu continuei a luta delas com menor afinco, menor necessidade, agradecida e confiante. 

Até gosto de rosa, mas prefiro o azul, não me impeçam de escolher a cor que mais gosto. Sei que não é por aí que se faz o essencial mas quando se perde nas pequenas coisas, abre-se facilmente o caminho para as grandes. 

~CC~

domingo, 10 de novembro de 2024

Amigos de Novembro

 

Tinha dois amigos nascidos em Novembro, 

Ambos subterrâneos, sombrios e profundos

Amigos cortantes e gelados

Amigos calorosos e meigos 

Tão inteiros e genuínos


E agora só tenho um

E por isso estou muito mais sozinha

sem uma amiga de Novembro


Choro a sua ausência com os seus brincos postos nas minhas orelhas

E a memória das nossas cabeças rapadas pela doença

Ela haveria de corrigir letra por letra este poema 

E detectaria por certo o erro

Contido no uso do verbo passado para a referir


Amigos não morrem ainda que morram.

~CC~






sábado, 9 de novembro de 2024

De um lado e do seu avesso

 

Todos os dias da última semana apanhei o autocarro com o mesmo número, saí naquela paragem e desci aquela escada. Guardo tantas e tantas imagens destes dias, desta vida outra que temporariamente vivi. Absorvi do mundo tantas viagens aos mundos dos outros, esta foi mais uma.

No fim da escada todos os dias, pelas 8h30m,  aquele jovem de pele morena, pés nus nuns chinelos pretos, cigarro com cheiro muito intenso. Nunca nos olhámos e ainda assim soube que a tristeza era a sua morada.

Pelo contrário, a miúda negra vinda dos bairros difíceis e que mais participava nas aulas, disse-me com uma convicção duas vezes do seu tamanho: eu quero continuar a estudar, vou ser advogada como estas professoras que nos dão aulas. 

Há uma linha ténue e muito difícil de explicar entre quem consegue e não consegue, hesito muito nas explicações mais fáceis, há sempre um conjunto de coisas e não um milagre, nem a obra de uma pessoa única que aparece na vida de alguém ou tão só uma escola, um/a professor/a ou um desígnio. E ainda há que desembrulhar as palavras: conseguir, superar, ter êxito. A princípio aceitamos a sua simplicidade, estes miúdos diziam-nas na sua essência básica, só mais tarde vamos vendo tudo de um lado e do seu avesso ou pelo menos é o que me acontece.

~CC~