sábado, 13 de setembro de 2025

No escurinho do cinema

 

Em Setembro, voltamos ao cinema, não a um qualquer, ao nosso cinema. Felizmente não preciso de ir a um cinema sem porta para a rua. Contudo, fui hesitante. Prometia uma distopia, um filme que anunciava um futuro. Não é coisa que me anime muito. Mas o Último azul surpreendeu-me.

É uma sociedade que coloca os seus velhos sob tutela dos filhos e do Estado, para não estorvarem. Há uma data obrigatória de reforma e um destino de internamento num local vigiado e controlado, com as necessidades básicas supridas de forma igual para todos, como se todos fossem iguais. Até aqui, achamos que já conhecemos uma história assim, em que se tentam expurgar da comunidade todos os que, de alguma forma, fogem à norma.

Contudo, os atores, melhor, as atrizes ou ainda melhor, aquela atriz. Mulher mansa mas determinada, com um grito rouco e um indomável gosto pela liberdade. Corpos de velhas que se mostram sem retoques, sem medo, sem beleza e sem pudor. E até ficam belos pois integram-se naquela natureza exuberante e intensa do Brasil profundo.

Aquele barco deslizando rio acima é um farol de esperança, também eu gostaria de conduzir assim um na minha velhice, afinal ela que sempre quis voar acaba a deslizar na água, espelho que mostra o sol e a lua em todas as suas nuances. Mulher tão forte, tão arrojada, tão louca... e é a sua loucura que é a sua saudável salvação.

~CC~



segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Lugares casa (último)

 

Cheira intensamente a mar e ouve-se muito o som das ondas, fortes, batidas contra a areia. Do outro lado corre a ribeira e o triângulo de areia recorta-se ali, ainda assim um vasto areal, entre a procura do doce ou do salgado, do selvagem ou do tranquilo, viaja-se na própria vida, feita também destes cambiantes.

Contei apenas catorze casas alojadas na falésia, duas ruas, uma muito íngreme e a outra um pouco menos. Tornou-se famosa sim, não é desconhecida, mas mantém-se praticamente inalterada há mais de vinte anos. Foi casa uma temporada de férias apenas, há já muitos anos e depois só voltei pontualmente. Mas não é o mesmo ir à praia do que estar na praia. Acordar e espreitar como está o sol, o vento, o céu, o lado do rio e o lado do mar, sentir a humidade da manhã, o cheiro a iodo, ver o areal apenas habitado pelas gaivotas ao início e ao final de cada dia. Durante dois períodos de férias não conduzi entre o dia de chegar e o dia de partir, apenas caminhei e fiquei, isso fez-me muito bem.

Num lugar tão belo não é preciso imaginar muito, o bar é apenas o bar da praia e a esplanada a esplanada do mar e mais adiante é o bar da ponta branca porque é o nome do rochedo em frente. Não há conchas, mas o mar traz muitos e muitos seixos de vários tamanhos e formas, ficam espalhados na maré baixa e isso baptizou a própria praia.

O ritual do pôr do sol mantém-se igual, parados, em silêncio, comovidos, um brinde com alguma bebida alcoólica a estarmos vivos mais um dia sobre a terra (isto foi o que A disse e todos concordámos).

Foi casa, foi o final das férias e o regresso à casa abrigo de sempre. Por momentos apetece-me chorar, não há melancolia maior do que a de Setembro. 

~CC~





sábado, 6 de setembro de 2025

Dessa tristeza que nos gela e nos indigna

 

Aconteceu numa manhã na serra de Montemuro, lugar de ser feliz. A manhã acordou cinzenta, estendi a mão e vi as cinzas muito lentamente a cobri-la, depois peguei nos bocadinhos de cinza e desfiz entre os dedos e eles ficaram negros. E o fogo andava longe, a mais de 30km. Essa cortina de cinza encheu-me de silêncio, que todo o centro do país possa arder assim é uma coisa que indigna. Mas as pessoas em comunidade falam e a fala traz o alívio do que é partilhado, pesa menos.

E assim foi também naquele fim de tarde, naquela praia bela, ainda com aquele recorte selvagem, aquelas ondas grandes e altas que os surfistas procuram domar, a cada 5 minutos o apito que não nos deixa entrar na água para além da meia perna. Foi assim que Lisboa chegou, esse lugar icónico, igualmente bonito, a tornar-se lugar de tristeza e de morte. Há sítios que pertencem a todos, mesmo que agora já não sejam iguais a antes, quando a nossa Lisboa ainda não era este destino tão massificado. E a tristeza ficou assim naquele gélido silêncio com que o que é incompreensível nos chega e nos aterroriza. Felizmente não estava ali sozinha, quando acompanhados de quem se gosta muito, a partilha do que se sabe e não se sabe, do que nos junta e nos revolta, traz algum alívio. De resto sabemos quanto a nossa dor é apenas ínfima se comparada com a daqueles que são realmente afectados, quando neles penso estremeço um pouco e espero que haja alguém que os possa abraçar e confortar. Não me inclino para respostas fáceis nem para impulsos justiceiros, revolta-me tanto os rios de tinta e horas e horas de comentário político sobre o assunto como qualquer silêncio que se faz ou venha a fazer-se.

E o que mais indigna é que tanto conhecimento gerado no mundo não seja capaz de mudar o que realmente importa.

~CC~



quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Lugares casa (II)

Procurar fazer casa onde é possível fazê-la porque tratar por tu um lugar é algo que desde sempre procurei, como quem traça abrigos no mapa do país. Não pensava voltar assim tantas vezes ao Barlavento, era lugar distante desde os tempos da casa da colina em Lagos onde um dia até imaginei viver.

Pessoas que partilham as suas casas de férias são equivalentes às que antes se sentavam a partilhar o pão. O Algarve está caríssimo para a grande maioria dos Portugueses e fico atónita  com os preços de praticamente tudo. Até onde iremos?! Já o rapaz de tez morena e turbante que grelha o peixe (sim, até está atividade) com sorte ganhará o ordenado mínimo.

Claro que sou como todos os outros, pousados os olhos na beleza das enseadas e falésias esqueço-me dos males do mundo e o peito enche-se de sal e ganho sorrisos que coloco em armazém para dias cinzentos.

*CC*


domingo, 31 de agosto de 2025