sexta-feira, 21 de novembro de 2025

És bandeiras e balões

 

O que gosto em ti é essa vitalidade, essa forma de comer o mundo e saboreá-lo, e mais do que isso, é como conseguiste manter essa alegria com tanto negrume que o mundo traz hoje. Estás sempre em movimento como se fosses vento e sei que já nem disso precisas, o teu brilho já foi apreciado. Quando te oiço a voz há nela a frescura de quem nunca envelheceu, de quem engoliu dores e triturou-as algures no coração, transformando-as em bandeiras e balões.

~CC~

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Nesse mundo já não estarei.

 

Sebastião da Gama ficava feliz quando sentia que a aula tinha sido boa e ele uma parte dessa obra. Acho que grande parte do que ele diz é de uma total actualidade. Sinto que a felicidade dele ocorre não apenas pelos alunos se demonstrarem capazes de aprender mas também seres capazes de bondade. Esta segunda parte é cada vez mais omissa, tenho sentido que os grupos são cada vez mais desavindos e competitivos, sem cola que os una.

Quando ontem lhes disse que tínhamos que negociar pois tinha seis locais para o desenvolvimento dos Projectos e muito provavelmente quereriam os mesmos, sabia o que me recomendariam. E assim foi: tirar à sorte. Recusei porque não podemos ceder à sorte a capacidade humana de ouvir, analisar e negociar. E foi difícil, não fora o frio, teria suado. Fiz recuos estratégicos para evitar obrigá-los ao que não queriam colocando outras e outras hipóteses. Por fim, aceitei que um dos lugares não lhes interessava mesmo. Iria tentar duas vagas no mesmo local. De repente um grupo disse que queria ir. Indaguei da razão do recuo. A resposta foi surpreendente: não queremos que fique triste. Que gentileza. Disse que não ficaria, que aceitava. Respondeu outro de outro grupo: queríamos ver como é que a professora negociava, se era capaz, se não nos obrigava. Dei uma gargalhada. Fiquei contente como o Sebastião ficava, tinha ali seres humanos.

Ninguém nunca me irá avaliar por isto, pelo suor da palavra, da negociação e do encontro. A avaliação incidirá em quantos artigos publiquei e se foram ou não em revistas internacionais, mais métrica, menos métrica, algo quo que para os estudantes não tem, nem nunca terá grande efeito. E é por isto que hoje abandonaria a carreira ou nem sequer a começaria, porque a essência está adulterada e perdida. 

Se calhar é mesmo melhor um tutor digital para cada aluno. Nesse mundo já não estarei.

~CC~


domingo, 16 de novembro de 2025

Musiquinha de Domingo (VIII)

 


Vou ver se tenho um raminho de Oliveira na caixa do correio. Ou então deixar eu um. Afinal há sempre alguém que nos magoou ou alguém a quem magoámos, é parte do caminho.

~CC~

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Esta trovoada que me abala

 

No último andar a chuva e a trovoada têm apenas um tecto a separar-nos do céu. Enquanto invocamos a sua resistência, o trovão estremece cada janela e o relâmpago acede a luz não pedida. A chuva parece agora mais forte do que foi noutros Outonos, tal como o calor foi mais intenso este Verão. 

Enquanto oiço as percepções vindas do meu coração, a minha cabeça pede os dados da Ciência. Ambos talvez possam provar que a terra está a ceder, está cansada da humanidade. Cansada como eu vim da reunião de ontem em que os seres humanos ali presentes também me pareceram à beira do abismo, capazes de dizer coisas sobre crianças e jovens como há muito eu não ouvia. Por este andar quererão um policia em cada sala de aula. Esta trovoada, vinda das pessoas, também agora espalhada em cartazes xenófobos, abala-me ainda mais do que a da madrugada.

~CC~

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Não te ter deixado passar por mim sem te agarrar

 



Faço um exercício habitual que me ajuda a viver: ver, naquilo que é mau, algo de bom.

Mas hoje não resulta, a tua partida foi só má. Para ti pode ter sido o fim do sofrimento, é o que se costuma dizer para consolo. Mas para mim foi só sofrimento, nada trouxe de bom. Sinto a tua falta. Também nos dizem que nos iremos encontrar algures no Universo, mas não acredito. Para mim tu és só a poeira, fragmentos que se espalharam, nunca mais nos iremos ver. Só vives na memória dos que te amaram e eu fui uma delas. E não foi um amor fácil, houve momentos de encontro, de desencontro, de maior proximidade e de maior distância. Mas nunca nos perdemos, nunca duvidámos que gostávamos uma da outra.

Lembro esta subida ao castelo como um dia iluminado, nós duas já depois da doença, a viver a esperança da vida. A almoçar só as duas naquele pequeno restaurante que não conhecias e que tanto apreciaste. A tua lucidez, argúcia, tanta ternura.

E às vezes gostavas desta data, outras não te apetecia. Que bênção para mim teres nascido e eu não te ter deixado passar por mim sem te agarrar. O culto da amizade tem sido o meu verdadeiro culto.

~CC~