Rua da Índia, 76
nesta rua da minha infância aprendi a voar, nunca vou deixar que me cortem as asas
domingo, 21 de dezembro de 2025
Musiquinha de Domingo (XIII)
sábado, 20 de dezembro de 2025
Chá de perpétua roxa
É o meu reduto, a salvação da minha voz, o lugar onde o meu corpo vai buscar a água que não lhe dou. Depois da doença, beber água tornou-se muito difícil, nunca mais voltei a bebê-la como antes, a ciência explica isso muito bem em função dos complexos mecanismos em Y que me deixaram cá dentro. É preciso que a água tenha densidade. Descobri as flores roxas pelos mecanismos poéticos que envolvem a minha relação com o mundo: eram lindas. Depois veio a linguagem, o nome perpétua é simultaneamente estranho e antigo, sou atraída por essas coisas. Só depois chegaram as propriedades, a salvação da voz, a ajuda nas gripes. Um contra: não sabe a literalmente nada. Bebo-o todo o Inverno, combina infinitamente bem com o Natal.
E este Verão aconteceu-me uma coisa muito bonita, coisas que só acontecem lá nas montanhas mágicas. Encontrei por acaso um engenheiro agrícola que tinha estufas e estufas de plantas de todos os tipos, diziam que aceitava mostrá-las. Contudo, chegamos quase ao final da tarde e já não estava ninguém, mesmo assim ele acedeu a mostrar-nos tudo, demorámos muito, muito tempo, tinha um saber profundo sobre cada aromática e cada chá. E tinha notado o meu entusiamo pelos saquinhos de perpétuas roxas logo ao início, quando passámos na loja.
E então mostrou o que nunca pensei ver, infinitas manchas de florinhas todas roxas, magníficas. Depois que também havia perpétuas de outras cores, mas percebeu que para mim essas pouco significado tinham. Pedi se podia fotografar. A minha ideia não era propriamente a de me fotografar a mim no meio delas, apenas trazer aquela mancha florida comigo. Só que ele quis fotografar-me ao lado, no meio delas, eu própria agachada, feita também perpétua. Chamei também a minha irmã. Estamos divertidas, engraçadas, deslumbradas. Um ser humano tão autêntico, tão generoso e um cultivador do meu chá preferido. Saí de lá a cantarolar a canção do Sérgio Godinho: é que hoje fiz um amigo...Mas sei, sei muito bem que não posso andar a plantar amigos sem, na verdade, ter água com que regar.
Mas ficou o lugar no mapa e eu gosto de voltar aos lugares que marcam o meu coração.
~CC~
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
Azevias de castanha
domingo, 14 de dezembro de 2025
Musiquinha de Domingo (XII)
"Já não tenho esse tempo, já nem sei como se faz..."
(esta Luísa Sobral gosta tanto de me roubar as palavras)
~CC~
sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
Filhoses de Cabrela
Fui atrás de um pátio onde se falava de livros.
Descobri muito mais. Não se admirarão se vos disser que o Alentejo é o que de Portugal tem de mais parecido com Angola, a terra em que nasci. Bem sei, tão diferente. Mas é o horizonte largo, a vista inteira do céu, as estradas que parecem não acabar, a sensação de liberdade. Por isso é talvez o território para onde sempre quis ir, quando se escolhe a morada, aquele lugar que não achámos, não temos. Se, contudo, for muito interior, irá faltar-lhe o barulho do mar e secarei com a falta de água salgada. Se ficar muito no litoral, será inevitável que se oiça mais Inglês do que Português, perderá o encanto.
Há no Alentejo lugares muito bonitos, quase museus vivos. Cabrela não é nada disso, não tem casas caiadas com barras da mesma cor, não tem largos abertos e ruas cheias de laranjeiras amargas, não tem sequer um aspecto coeso e uniforme, tem palacetes e casas minúsculas. Apenas a Igreja é imponente. E tem o mural das letras, coisa recente e inventada para colocar uma vila no mapa trazendo escritores famosos. Não tem grande mal, faz acontecer, mesmo que venham mais pessoas de fora da vila, do que de dentro. Gosto de lugares imperfeitos e este é.
O que não esperava encontrar em Cabrela era a minha mãe. Pois, as filhoses de Cabrela são as mais parecidas que encontrei às da minha mãe, não no formato, mas sim no sabor. Não sei como, ela era Algarvia. São as maravilhas que a vida nos traz. Estou em Cabrela com as filhoses da minha mãe e os livros do meu pai. E se eles eram um casal improvável.
~CC~