domingo, 28 de dezembro de 2025

Musiquinha de Domingo (XIV)

 



Estrada do Sol

Um trio de excelência: duas cantoras e um compositor, é descobrir.

~CC~

sábado, 27 de dezembro de 2025

Assim foi

 

Entre a luz e a negritude caminhei neste ano que finda. Recuso colocar estas luzes e cores na balança, até porque nenhuma tem peso, às vezes a luz inicia o dia e a noite traz a negritude, mas também pode acontecer o contrário.

Os dias com luz trouxeram de volta a música, descoberta ou redescoberta a cada Domingo. Trouxeram a leitura e as suas formas de partilha, primeiro com o clube de leitura que criei com os estudantes e que, por ser premiado, abriu horizontes. Depois o outro, da livraria mais bonita da cidade, uma entrada difícil num grupo já formado e muito intelectual, um pouco excessivo para meu gosto que não sou dada a pedantismos, nem a lições de cátedra. Mas pouco a pouco tem melhorado, já podemos rir e dizer que não gostamos, mesmo que o livro seja de um prémio Nobel. Menos cinema do que é habitual, mais teatro. Alguns festivais e festas, nenhum festival de música de renome, bani-os da agenda. Novos roteiros culturais noutros lugares, quase todos no município de Montemor o Novo, talvez um sinal, gostava que fosse. A luz rodeou também os amigos que regressaram de um lugar tão antigo como marcante chamado adolescência. Tinha-os lá deixado por renúncia, despeito e revolta. E fui lá buscá-los com apaziguamento e ternura. Outras teias, sobretudo as criadas no mundo profissional, não consegui manter ativas, julguei-os para ficar, mas eram mais frágeis do que supunha, não resistiram ao descruzar dos caminhos. Algumas ligações permanecem suspensas, estão entre o que pode avançar e manter-se e o que pode morrer, tudo o que não se rega acaba por secar.

O trabalho foi pesado, tão bom em recompensas frutuosas e missões concretizadas, quanto alvo de tensões, conflitos e afastamentos, umas que consegui entender e outras que são da ordem do irracional, dos ódios pequeninos que desfazem em pedaços organizações que tudo tinham para serem exemplares. 

Nos dias e momentos mais negros tive sobretudo medo do meu corpo sucumbir novamente e de não haver ninguém suficientemente próximo ao meu lado, capaz de me ajudar e apoiar, cavou aí a ansiedade o seu buraco. Dias houve em que também temi por este mundo e por este país, pela agressividade com que uma direita conservadora e xenófoba traça o seu caminho ascendente.

Nos dias mais luminosos senti-me intensamente grata pela vida, tocada pela beleza das pessoas, emocionada por ter uma filha tão especial, nutrida por novos projectos e novos lugares, ao mesmo tempo que amava os que já sinto como meus e são raiz e poiso. Deixei que a saudade me habitasse sem dor excessiva, reconhecendo que a perda de pessoas que amamos abre um lugar que fica para sempre. Talvez tenha querido, por vezes, apaixonar-me, mas não aconteceu verdadeiramente, terrenos movediços afastam-me, preciso de reconhecer que o chão que piso é seguro para poder caminhar, aceitei-o sem drama. Creio que em nós o desejo do amor nunca morre, mas pode-se viver apenas com ele. Fui por vezes tão leve que achei poder voar e outras tão pesada que achei que não conseguia erguer-me.

Esta é a minha rua e gostei quando por aqui vieram passear e deixaram a marca do vosso sapato ou do vosso pé nu, agradeço-vos a companhia e acredito que a escrita pode ser um lugar de encontro.

~CC~


terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Bacalhau com coentros

 

Embora tardiamente, dada a minha infância lá nas terras ocres e quentes, gradualmente fui conquistada pelo bacalhau com todos, creio que só mesmo na idade adulta lhe ganhei o gosto. Não o comer assim na sua simplicidade maior, sempre nos pareceu estranho, fora de época nem o pensamento por lá pára, mas na noite de vinte e quatro, parece ganhar brilho e sabor. 

Este é talvez o ano da primeira viragem, o primeiro dos primeiros em que não estaremos da casa de alguém dos filhos da matriarca ou numa casa por todos alugada, mas sim na dos seus netos. E em que saltaremos de uma casa para a outra, repartindo tarefas e afazeres. A alteração do bacalhau com todos para o bacalhau com natas e/ou com coentros, cozinhado e encomendado fora, é uma mudança geracional. Olho para ela agora como nunca pensei fazê-lo, sem resistência ou desconforto. E se me mantenho ao leme do dia seguinte, cozinhando algo que também já é uma mistura entre a tradição e a pura invenção, é apenas por saber que a minha filha não o pode fazer, de boa vontade lhe passaria o avental, ou a ele. Gosto do bocadinho de novidade que cada coisa traz e parece-me impossível repetir todos os anos o mesmo, tal qual, sem nada de diferente. Este ano também não haverá filme da tarde no dia 25, a casa não tem televisão, nem Internet, esta é também uma mudança geracional, talvez inversa da primeira, talvez sejam assim as gerações futuras, mais diversas nos estilos de vida que querem adoptar. Espero, ainda assim, que não se percam nessas diferenças, que nunca deixem de se ver e de se gostar.

A única virtualidade desta história que nos contam para ser Natal é ela ter lá dentro amor, resistência e magia, ou seja, a ser provavelmente tudo inventado, não é uma má invenção. 

Aproveitem o melhor que puderem e se não puderem ou não conseguirem, saltem directamente para o dia 26, pessoas livres também saltam dias no calendário.

~CC~ 


domingo, 21 de dezembro de 2025

Musiquinha de Domingo (XIII)

 


Bem sei que sexta feira, no Coliseu de Lisboa, foi a noite do Rapaz da Montanha (que saudades tinha do Coliseu). Mas se há CD que possa chamar de meu, dias e dias a tocar sem o tirar, esse é, sem dúvida o Cinema. Esta faixa é um encanto, cantada como é e na língua que é. Com uma das outras faixas chorei muitas vezes, mas hoje essa não me apetece. Dancemos antes, assim embalados.


~CC~

sábado, 20 de dezembro de 2025

Chá de perpétua roxa

 

É o meu reduto, a salvação da minha voz, o lugar onde o meu corpo vai buscar a água que não lhe dou. Depois da doença, beber água tornou-se muito difícil, nunca mais voltei a bebê-la como antes, a ciência explica isso muito bem em função dos complexos mecanismos em Y que me deixaram cá dentro. É preciso que a água tenha densidade. Descobri as flores roxas pelos mecanismos poéticos que envolvem a minha relação com o mundo: eram lindas. Depois veio a linguagem, o nome perpétua é simultaneamente estranho e antigo, sou atraída por essas coisas. Só depois chegaram as propriedades, a salvação da voz, a ajuda nas gripes. Um contra: não sabe a literalmente nada. Bebo-o todo o Inverno, combina infinitamente bem com o Natal. 

E este Verão aconteceu-me uma coisa muito bonita, coisas que só acontecem lá nas montanhas mágicas. Encontrei por acaso um engenheiro agrícola que tinha estufas e estufas de plantas de todos os tipos, diziam que aceitava mostrá-las. Contudo, chegamos quase ao final da tarde e já não estava ninguém, mesmo assim ele acedeu a mostrar-nos tudo, demorámos muito, muito tempo, tinha um saber profundo sobre cada aromática e cada chá. E tinha notado o meu entusiamo pelos saquinhos de perpétuas roxas logo ao início, quando passámos na loja. 

E então mostrou o que nunca pensei ver, infinitas manchas de florinhas todas roxas, magníficas. Depois que também havia perpétuas de outras cores, mas percebeu que para mim essas pouco significado tinham. Pedi se podia fotografar. A minha ideia não era propriamente a de me fotografar a mim no meio delas, apenas trazer aquela mancha florida comigo. Só que ele quis fotografar-me ao lado, no meio delas, eu própria agachada, feita também perpétua. Chamei também a minha irmã. Estamos divertidas, engraçadas, deslumbradas. Um ser humano tão autêntico, tão generoso e um cultivador do meu chá preferido. Saí de lá a cantarolar a canção do Sérgio Godinho: é que hoje fiz um amigo...Mas sei, sei muito bem que não posso andar a plantar amigos sem, na verdade, ter água com que regar. 

Mas ficou o lugar no mapa e eu gosto de voltar aos lugares que marcam o meu coração.

~CC~