terça-feira, 1 de julho de 2025

Cinco cerejas

 

Chegaram tardiamente e muito caras, mas invulgarmente grandes.

Compro apenas meio quilo, lavo metade e deixo-as no frigorifico. São tão belas nesta sua cor, nestas suas matizes de vermelho e rosa. Algumas são doces, outras meio ácidas, mas têm que ter sempre a polpa rija na primeira dentada. Como cinco e devagar. Deixo o caroço na boca um bocadinho, gosto de o sentir e prolonga o momento até à seguinte. Está muito calor e estou muito cansada. Mas tenho as cerejas. Tenho o meu gosto por elas, por as morder, por as sentir, por as agradecer.

E em cada cereja comida há uma lágrima que se escondeu dentro dela e se transformou em vontade de sorrir. Hoje consegui cinco sorrisos vermelhinhos.

~CC~

sábado, 28 de junho de 2025

Filosofia de pacotilha

 

Aqui na mesa um casal jovem, abaixo dos 30 falou durante quase duas horas, melhor, ele falou quase sempre e ela mal conseguiu terminar uma frase. 

Ela, uma miúda negra giríssima e muito simples.

Ele, aparentemente um jovem normalíssimo, um bocado descolorado é certo, mas na realidade um filósofo em parte gerado nas redes sociais, em parte em alguma igreja ou credo ou afins, cujo nome específico não foi dito, discorreu durante mais de duas horas sobre a sociedade, a religião e a profunda diferença entre homens e mulheres...chegou a questionar se ela era católica e a criticar o facto dela usar o termo leis quando devia querer dizer regras. 

Finalmente ela disse que lhe apetecia um gelado. Creio que não haverá segundo encontro. Eu iria mais longe, apagaria imediatamente o número dele da lista de contactos. 

~CC~

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Território(s) de vida

 



Agora sim, vivo finalmente num território e já posso tratar por tu as coisas que acontecem. 

E há comboio!

~CC~


sábado, 21 de junho de 2025

Três búzios pequenos e um sorriso fechado

 

Levei-te cinco flores de diferentes cores, das mais resistentes ao calor. Estava vazia a jarrinha, meio triste o teu lugar, como ainda não o tinha visto. Tanto que gostavas do sol e do Verão. Por mais de três vezes toquei no botão que me levava ao teu andar e não ao outro, onde reside agora a tua filha mais velha. E quando a porta se abria tomava consciência do erro, mas ao mesmo tempo foi ele que me permitiu ver a coroa de flores na porta e o tapete tão colorido. Acho que aprovarias essas pessoas que moram agora na tua casa, tantos enfeites logo à entrada, imagino lá dentro. Tu também gostavas dessas coisas, de tudo o que serve para enfeitar e até de flores artificiais que duram para sempre. A florista bem me recomendou que deixasse lá umas flores duradouras, que ela também tinha umas bem bonitas para cemitérios, mas não fui capaz, só gosto de flores naturais.

Em tantas coisas ainda sinto a presença dela pela cidade, em tantos cantos, tantos cafés, tantas lojas, ali junto à marina. Houve tempos em que todos esses passeios ainda a alegravam muito e só por fim já nada era capaz de o fazer. E fui perdendo aos poucos a dor de ter vivido ali duas perdas tão intensas. Quem cessa a dor de repente ou não amou ou não sabe vivê-la, não é capaz. Foi um tempo longo, foi um caminho longo e muito lutei para não o sentir como um tempo inútil que podia ter gasto noutro lugar, noutro amor. Felizmente as lágrimas que um dia caíram em abundância no caminho até à praia secaram completamente. Agora sinto este caminho para o mar como aquilo que ele representou na minha adolescência, a liberdade, a sua descoberta. Talvez por isso tenha apanhado na praia três búzios pequeninos e os guardado como nesse altura fazia. E no regresso aberto as janelas do carro, trauteando desafinada "tenho um sorriso fechado na palma da minha mão" (Trovante)*. Talvez algum dia alguém o venha buscar, ainda assim, se não acontecer, tenho-o, tenho-o como um bem maior. 

~CC~

* e com esta música também tu chegaste, minha amiga (não acredito, não posso).


terça-feira, 17 de junho de 2025

Junho, era bem capaz de me habituar a esta rotina

 

9.09 - Primeiro banho de mar de água gelada mas tão transparente, tão bonita, mergulho entre pequenos peixinhos. Quase ninguém, silêncio tão bom.

9h30m- Chegam as crianças, são muitos grupos e com muitos meninos, há bonés amarelos, azuis, fatos de banho todos iguais em alguns grupos e noutros todos diversos, bem clara a origem social. Muitas vozes, muitos gritinhos...

10h - Chegam os grupos de idosos dos centros sociais, a técnica traz uma bola muito leve e trocam-na entre eles no círculo dentro de água. São silenciosos, mas às vezes escapa uma asneira.

10h30m - Chegam os adolescentes em grupos de 6 a 8, trazem farnel para o dia todo. Atiram-se à agua ao desafio em chapões, como é que a adolescência é tão diferente e ao mesmo tempo sempre igual.

11h Café, cada ano mais caro. Mas a mais bela das janelas.

11h15m -Regresso ao trabalho em casa até pelo menos às 20h.

Infelizmente nem todos os dias de Junho poderão ser assim, bem vistas as coisas era capaz de gostar desta rotina, eu que sou tão avessa a elas.

~CC~