Visto-lhe os casacos que me ficam invariavelmente grandes, pois no fim da vida ela tinha diminuído em altura e em peso, mas não deitava a roupa fora, cuidava dela como ninguém, lavando à mão e separando cada coisa por cores.
É o primeiro dia da Mãe em que não lhe oiço a voz. Era ela quem me prendia a estas convenções, sabendo que delas eu não sou adepta, perdoava-me a falta de fascínio, mas pelo menos o telefonema tinha que existir. Ela gostava muito de rosas e de orquídeas, enquanto eu prefiro as flores do campo e as de jardim, as estrelícias, os girassóis, as flores sem nome ou cujo nome não sei. Sendo duas mulheres tão diferentes, não sei o que nos aproximou tanto nos últimos anos. Talvez tenha sido eu, tardiamente a reconhecer-lhe o esforço de uma vida e o desamparo em que ficou, talvez a sua solidão tenha tocado na minha própria solidão. Dei-lhe a protecção que ela não me deu, perdoando-lhe ausências, omissões e escolhas menos boas. E comecei-lhe a achar-lhe graça, uma coisa fundamental para nos ligarmos a alguém, não é apenas o laço de sangue que o faz.
Mais eu
Cuidarei do teu lugar em mim.
O casaco castanho fica-me tão mal, tu nem deixarias que o usasse, com o teu fino sentido estético. Mas olha, sou eu e sendo assim também me importa que me cubra toda e não tenha que levar o guarda-chuva neste dia em que ela cai amiúde.
~CC~