terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Estar com ela




A principio é simples, anda-se sozinho

passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burburinho

...

Sérgio Godinho

Eu diria exactamente o contrário face aos processos de doença prolongada. No princípio estamos muito acompanhados, chovem as mensagens, os telefonemas, os mails, até desejamos alguma paz, que se esqueçam um bocadinho de nós, não temos mãos nem cabeça para responder a todos. A princípio também nos querem incluir, ou seja, dão-nos ainda um bocadinho do espaço profissional que era o nosso, mas com o tempo vão-se esquecendo dessa partilha de territórios, assumem o barco a todo o vapor. 

Vão rareando mais e mais os contactos, os pessoais, os profissionais, todos eles. Não o digo com mágoa, muito menos com algum tipo de repreensão. Compreendo muito bem a velocidade a que a vida corre, o modo como as pessoas se ocupam entre emprego, casa, família, com pouca ou nenhuma disponibilidade para o resto. Até se lembram de nós, mas o pensamento foge entre as últimas compras à pressa e a urgência de uma tarefa que se trouxe do emprego para casa para acabar. Eu fui assim. Eu sei como é. Por isso acho que me preparei mais ou menos bem para contar quase só comigo e com ela, a solidão. E não adianta dizerem-me que tenho este ou aquele, que o outro ou a outra vem ou que posso sempre ligar a alguém. Eu não preciso de me preparar para a companhia, para os momentos em que não estou só, para aqueles tempos mais calorosos em que os outros fazem questão de dizer que nós ainda contamos para eles. Eu preciso de me preparar para um vazio que é só meu, que eu tenho de saber preencher, se possível, até desfrutar. Ter a solidão por companhia numa vida em que ela era quase coisa rara é uma aprendizagem difícil e não vejo só por mim, mas por outras pessoas que neste momento estão tão ou mais doentes que eu. 

As pessoas que estão muito ocupadas mas não estão doentes, irão ansiar pelo tempo que temos, quase invejá-lo. Eu sei, eu já fui assim. Quando sabia que alguém estava com atestado médico, pensava nas múltiplas coisas que aquela pessoa poderia fazer com o seu tempo. Mas nada é bem como parece. Nem sempre podemos ir a correr ao teatro, ao cinema, sair, passear na praia, ler, comer, beber, desfrutar a vida. A doença é bicho que rói o corpo e às vezes também a vontade. Nos tempos mais difíceis quase que não conseguia sair de casa, nem para tomar a injecção que devia, tal era o cansaço. Por isso há que aprender a estar com ela, a solidão, ou nós connosco.

~CC~


6 comentários:

  1. CCF, tão verdade. sei-o por experiência própria.
    um grande beijinho

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  2. Estive de baixa médica 13 meses, custou imenso, primeiro porque numa situação de doença nada nos apetece fazer. Não estamos bem. Estamos doentes e muitas vezes nem conseguimos fazer as coisas mais simples. E quando não se está bem queremos é o sossego e que tudo passe rápido para se voltar à nossa vida, como era antes. Aos poucos e lentamente regressamos. É esperar :)

    Beijinhos

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  3. Longe de mim comparar o incomparável, mas senti algo do género quando estive desempregado. Ao princípio, recebi muitas mensagens: vai tudo correr bem; se precisares de alguma coisa, avisa; muita força... e por aí fora. Ao fim do primeiro ou segundo ano, tudo havia desaparecido. E, para ser honesto, quando, de longe a longe, surgia alguma mensagem, eu preferia não a ter recebido

    Deixando de lado este momento virado para mim, uma vez mais, muita força. Não venho regularmente aqui, mas continuo a torcer por si -- fingers crossed!

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  4. Laura, imagino que saiba, a sua escrita de algum modo diz isso.

    No meu quarto andar...acompanhei mais ou menos a sua odisseia e percebi que o blogue também foi uma parte importante para comunicar com o mundo, fez muito bem. A espera que se traduz em paciência, em resiliência, é importante. Assim como sabermos o que fazer connosco.

    Carlos, não acho a comparação nada despropositada, acho que faz muito sentido, os empregos são também uma forma de socialização e desemprego é também isolamento, acrescido da falta de dinheiro para fazer uma série de coisas. Obrigada por aparecer e pela força.

    ~CC~

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  5. Na verdade, quando estamos no ativo não imaginamos... E eu nem posso sequer comparar estas poucas semanas em que estou retida em casa com situações como a da CC. Sou piegas e se calhar egoísta. Nem quero imaginar.

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  6. Luísa, eu era um poço de energia:) Tinha um emprego a tempo inteiro em que tinha responsabilidades acrescidas e, não contente com isso, acumulava com mais umas coisinhas valentes. Depois tinha os congressos, média de meia dúzia por ano, em que fazia comunicações em público. Quando mais trabalhava, mais trabalho surgia e eu sempre com dificuldade em usar a palavra não. Acumulei quase nada em dinheiro porque muito trabalho não era pago ou era num montante reduzido (que na educação é assim), mas pensava sempre que era a bem da comunidade e que isso valia todo o esforço. E se calhar valia, valeu. Agora é outro tempo, basicamente um tempo de lutar pela vida. Depois logo se vê.
    ~CC~

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